10/08/2010

De volta aos tempos de escola

- Saio talvez de uma regra que me auto-impus para escrever algo aqui de forma que implicitamente sempre me neguei escrever.

Me sinto de volta aos tempos de escola. Rir de alguém pode ser engraçado, até que você seja o alvo da risada. Já dizia minha vó "pimenta nos olhos dos outros é refresco" e sempre levei isso muito à sério. Lembro de rir dos apelidos maldosos até que começava a me importar o sentimento do outro, sempre fui uma defensora dos fracos e oprimidos. Apelidos nunca pegaram em mim, talvez porque eu nunca realmente reagi contra eles efetivamente... Nunca nada disso me abalou de verdade;
O fato é que agora existe alguém que começou a dedicar sua vida pra infernizar a minha. O que faz uma pessoa gastar tempo pra infernizar a vida da outra? Onde estamos? A que ponto chegamos? Todos sabemos que crianças podem ser cruéis, o que ninguém sabe é que ditos "adultos" podem ser ainda piores. Combine crueldade, criatividade, conhecimento sobre ferramentas e tempo de sobra. É a receita perfeita para o cyberbulling tardio.
E dói, como se a pessoa realmente pudesse tocar lá dentro das suas costelas com uma faca muito afiada. O sentimento é de total impotência, o mundo virtual é infinito e indubitavelmente rápido na disseminação de informações difamadoras. E são sempre as mesmas perguntas que eu me faço: "Por que eu?", "O que eu fiz pra essa pessoa que não tem coragem nem de mostrar quem é?", "o que faz essa pessoa gastar seu tempo se importando com a minha vida?", "o que eu posso fazer para evitar que essa pessoa continue?", mas o problema é que a resposta é sempre a mesma: "denuncie e espere".

Quando eu era criança era possivel trocar de escola se você se sentia ameaçada. Como adulta não é possivel trocar de vida.
Talvez eu deixe um pouco de aparecer por aqui e por outros lugares virtuais, o mar é grande e os tubarões podem ser excessivamente hostis. Nunca dependi de orkut, msn, twitter ou blog pra fazer amigos ou falar com as pessoas. Nada no mundo será capaz de substituir um olhar ou um abraço.

Até.

06/08/2010

Aperta o play, Lennavan

...e vem dançar comigo.



"Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter."

M. Medeiros

02/08/2010

Nunca precisou ter sentido

...não é agora que vai precisar ter.

***
Então você acorda todos os dias,
e reza pra voltar viva pra casa no final do expediente,
Faz malabarismos com o dinheiro que ganha
e ainda acha que precisa ser linda feito em capa de revista
mas se vê errada no espelho porque palavras boas nunca são suficientes
e teu recipiente de bobagens nunca demora a transbordar

E você é mãe da própria mãe, e tem mais rugas que ela, talvez porque...
sabe-se lá, alguma coisa aconteceu na sua infância e você começou a agir assim
Porque o mundo é estranho e você é muito humana,
e se contenta com um pedaço de pão de ontem e café com gosto de queimado,
mas pensa que é muito livre e muito culta
porque juntou uma grana e viajou pra Bariloche mês passado

Se alguém te diz umas besteiras,
grifadas em itálico em um jornal de domingo
Acha que é verdade e põe-se a filosofar
porque a arte não precisa realmente ter sentido,
mas o que nunca te dizem é que quem escreveu aquilo
estava dopado de cocaína
e não sabia nem onde tinha deixado as calças que usava no dia anteiror

Ah, mas a vida é mesmo assim e tudo é muito substituível
E você vai finalmente descobrir que viver não é assim tão dificil,
mas só vai absorver isso quando já for quase tarde demais
Que esses livros raros que você guarda junto com dinheiro embaixo da cama
são só pedaços de papel e não vão valer nada
dentro do teu caixão de madeira de lei

***


"Uma parte do meu pensamento é maduro o suficiente pra absorver e entender, mas o aprender a perdoar a mim mesma... esse será sempre um exercicio."

26/07/2010

Pela décima vez


Não sei você, doce amor, mas eu me apego nesses pequenos detalhes. Essas palavras curtas, essas expressões, esses olhares e entrelinhas que aprendemos a usar e a notar todos os dias. Eu me apego.
Como aquele cara de olhos e alma azul me disse hoje, "Eu ouço ela há muito tempo, quase desde o inicio da carreira. Pode prestar atenção, pra ouvi-la cantar bem, mas bem de verdade, coloque um copo de whisky do lado e uma mulher bonita na platéia. Não havia quem não sentisse a voz dela encher o ambiente."
Eu ri. Achei um comentário interessante, me fez querer saber sobre a tal mulher a qual eu ouvi cantar algo que colou na minha cabeça... "Rompe a manhã da luz em fúria arder, dou gargalhada, dou dentada na maçã da luxúria, pra quê?"
Lembrei que conhecia a voz dela de algum lugar na minha infancia, ouvindo as fitas no radio do meu avô, mas então as palavras nao eram nada.
Procurei arquivos, baixei músicas, vi videos, li artigos e blogs abandonados que ela colecionou ao longo de anos. É uma mulher divina e infernal, digna de todas essas palavras que canta, apertada no peito, doída, carregada e forte. Dentro de todas as possiveis entrelinhas que recita abertamente, realmente alguém pra se ouvir e agora.... se entender.

"Através da fumaça neguei minha raça chorando, a repetir:
Ela é o veneno que eu escolhi pra morrer sem sentir."


23/07/2010

Sturm und Trübe




(...)

You trick your lovers that you're wicked and devine
You may be a sinner
But your innocence is mine
 
(...)

22/07/2010

Meu nome é Gabriela

Fechei meus olhos pro meu mundo para abri-los em outro.


Nesse mundo eu acordava e passava a mão no meio de cabelos que não existiam. Não me surpreendia mais em não ter cabelos, nem sobrancelhas, nem cílios, mas ainda me encomodava toda a rotina de hospital porque meus exames ainda não tinham definido nada de bom. Tinha a sensação de frustração constante, de estar nadando contra a maré. " Se é pra viver assim então prefiro morrer" foi o que eu disse ao médico quando me falou sobre os problemas que eu enfrentaria com a quimio. Mas fiz as perguntas pertinentes sobre o que seria a minha vida dali pra frente e absorvi tudo o que eu poderia usar de fuga.
Sexta sessão, meus exames são semana que vem. Existe uma enfermeira no hospital que está grávida e me diz que gostaria que sua filha tivesse olhos como os meus. Digo pra ela que não valhe a pena ter olhos de quem desistiu. Ela sorri, faz carinho no meu rosto e se senta ao meu lado em silêncio enquanto ouvimos o doce badalar do soro pingando devagar ao meu lado.
- Ela vai ser de câncer. 'Tá pra nascer em Julho, vou chamá-la de Alice. Gosta desse nome?
Eu não respondo. Penso que se eu tivesse uma filha ela teria esse nome. "Nascida em um mundo de loucos", e sorrio em uma piada interna.
Não consigo me acostumar com o enjôo constante e com as tonturas, nem com as pessoas me dizendo que eu ficarei bem. Sinto meu corpo morrendo muito mais do que antes, sinto o cheiro dos remédios na minha pele.
Pedi à minha mãe que não chorasse. Nem que gastasse um dinheiro que não tinha pra me curar. Disse que sabia que eu morreria e que pagar médicos só serviria de bálsamo mental pra ela depois que eu morresse "ao menos eu fiz tudo o que podia". Pensamento egoísta esse e ainda acho que a magoei.
Me levaram à uma reunião de apoio aos pacientes com câncer. Todos lá estavam mortos e eu também.


Mas eu acordei, pensando que não gosto de sonhar com essa garota que não sou eu.
Pensando que é mesmo muito ruim não querer mais dormir.

06/07/2010

Über Alles

Não sei se escrevo. Não existem palavras.
Não sei se sinto, porque o que passa sobre mim me arrasta contra o chão e me comprime. Toneladas de concreto.
Minha vida é cheia desses pequenos tabus que poluem a minha existência, esses pequenas máscaras cotidianas, essas coisas que eu silencío em mim há anos e que não suporto mais carregar. Minha vida é só minha há muito tempo, junto com toda essa carga existencial e essas opiniões formadas pela minha vivência da qual estou cansada de esconder.
E eu sou eu mesma, e quero briga. E essa é aquela hora-zero em que talvez eu recarregue o desejo de ir embora e fazer minha vida, sozinha.

19/06/2010

Cinza-céu (ou "Aqui Sempre Chove")


Ao voltar para a casa em que estou hospedada, após pouco mais de 10 dias em uma viagem que me fez ver o mundo de uma forma mais real, descubro que todas as fotos que estavam na minha maquina fotografica foram permanentemente apagadas.
Meu primeiro impulso foi o de escorar o rosto nas mãos e chorar como uma criança. Louvre, Chateau de Versailles, a foto que eu tanto queria ao lado da estátua de Psique e Cupido, a foto ao lado da Mona Lisa, a foto do alto da Torre Eiffel. Moulin Rouge, Dom de Colonia, Champs Elisée, Museu do Vaticano, Arco do Triunfo, Coliseu, Foro Romano, Palatino, Capitolino, Boca da Verdade, Capela Sistina, e as fotos bobas das flores de Wuppertal e dos vitrais daquela capela pequena no meio da cidade. Tudo apagado.

Chorei por menos tempo que o normal. Ou pelo menos, menos tempo que eu estaria acostumada.

Durante uma tentativa de consolo, me disseram "ainda temos as que nós tiramos" e eu pensei "mas elas não tem a minha alma". Mas não chorei mais, e não lamentei por muito mais tempo; apenas agradeci e fui desfazer minhas malas. O mais importante dessa viagem (eu espero), está gravado em mim...

...e pensar assim me faz ver que já mudei mais do que esperava.

11/06/2010

Humana

Medo de acordar, medo de ser no fim assim, diferente.
Tao pouco tempo e eu ainda preciso disso, dessa falta de verdade, esse sonho.

Entao, eu estou do outro lado do mundo... E isso nao me parece nada.

07/06/2010

Aqui...



... que me perco em cada rua pequena, assim, devagar. Me sinto aqui ainda sozinha, isolada, mas com o infinito ao observar pela janela. Nada é mais infinito do que tudo o que eu vejo. Se é pelos olhos que me vêem verdadeiramente, é também por aqui que absorvo cada gota, cada lágrima, cada toque e canto do mundo que visto.
E talvez eu volte mesmo diferente, acordada desse sonho que me parece não existir, que me pareço não merecer, em que resisto ao minimo impulso de não tocar em nada disso, deixar assim, nessa memória que tento manter imaculada.
E não sonho, não até agora, com nada. Meu sono resume-se agora, no acordar e dormir e pensar "onde estou?" e adormeço novamente, vagarosamente, sem tentar descobrir a resposta.

O estar é isso: relembrar a história ao ver as fotos, sentir de novo o vento do litoral, ver novamente as luzes do por do sol nos vitrais, o sabor das iguarias do bairro antigo e sentir novamente o terror de estar tão alto naquela muralha.

Pra sempre registrado em mim.

31/05/2010

Fundo Falso

Pensei nos inúmeros pecados que havia cometido, e refleti sobre essa minha condição, tão humana, mas tão fora ainda da realidade. Entre contas, dinheiro, riscos no calendário, papéis e documentos, não vi objetivo de vida nenhum. Aquilo em minhas mãos, nada era real, nada é real ainda.
No fundo ainda guardo essa percepção que se abate sobre mim de vez em quando, essa percepção de que o "ver", "saber" e o "conhecer" não me é nada, de que nada que eu faça vai salvar minha alma do fim inevitável. Ainda sou cheia desses pequenos medos cotidianos. E penso que esse processo vai me mudar demais, desnecessariamente, ainda para pior.
Não sei se sinto prazer ainda nessas coisas, nesses atos materiais, quando meu objetivo é algo que já está tão próximo. Fico pensando o que virá depois, qual será meu objetivo? Esses pequenos prazeres da vida duram tão pouco que quase não valem à pena.



________

As malas estão prontas, as passagens, os papéis, o dinheiro, mas ainda sinto esse vazio e saudade que não cabe em mim, dessas coisas que nunca aconteceram. Me parece que estou partindo e deixando algo meu aqui, um pedaço importante. Sempre vou achar que não volto, sempre vou sentir essa urgência de que não quero me separar de mim mesma. Não consigo deixar de sentir o inexistente, mas esse é o inicio de um adeus, pelo menos de mim para mim mesma.

26/05/2010

Slowly

"Oh, this rain
It will continue
Through the morning
As I'm listening
To the bells
Of the cathedral

I am thinking
Of your voice...

And of the midnight picnic
Once upon a time
Before the rain began...
I finish up my coffee
It's time to catch the train"

23/05/2010

Preto, branco e Escalas de Cinza

 
Eu que vim desse mesmo infinito que corre atrás de mim, ofegante, que me arrebata, me consome, me engole sem cerimônia, sem sentido, sem ar.
E meu desejo é apagar essa tentativa de beleza, pintá-la de tinta fresca como a minha carne, viva, inimiga. E me deixar cair nesse abismo mudo, talvez ser absorvida.
Aqui, desse lado da porta fechada, apagar-me, esvair-me, desvanecer-te, enfim.

Nesse mundo, nessa hora-zero o que eu preciso
está ali, ao alcance de um pulo no abismo.
Infinita.

18/05/2010

Palavras ao vento

Incoerente a visão turva
Desse mar azul em que viajo
Vejo essa chama do inexplicável
Esse abandono, esse grito, essa dor.
Talvez eu vá embora e não volte mais,
E no fim eu pense menos em te abandonar
Nessa hora definitiva, no meu desejo carmim
Prefiro ficar aqui e acreditar que ainda posso ver
O que nenhum outro vê, e que a visão é apenas isso
Esse cansaço, essa doença, essa não definição de futuro.
Talvez eu bata essa porta, e sinta o fechar em mim, o abalo
E queime os calendários, os relógios, telefones, computadores
No meu peito o simbolo disso, que me parece tão humano
Tão falho, tão denso, tão palpável, seguro, forte, traição
Essa construção com palavras, esse castelo de cartas
Que desmorona em mim, com um sopro simples
Eu que sou tão invisivel, tão cega, tão frágil.
Me abrace, me roube, inspire esse amor
Dessa paixão tão velha e inacabável
Que me faz te levar essa visão
Tão doce, tão unica, tão só
Tão minha... cadáver.

06/05/2010

Vanilla Sky

Sentei-me com as pernas cruzadas no chão em frente à ela, que estava sentada na cadeira baixa da sala de estar da minha casa. Ela me olhou muito no fundo dos olhos enquanto me estendia a mão macia em direção aos meus cabelos. Escorei minha testa no espaço entre seus dois joelhos enquanto ela acariciava ternamente minha cabeça.

- Não gosto de você - eu disse. - Queria gostar, mas não gosto. Lembro que desde que primeira vez que eu te vi, olhei pra baixo (porque as pessoas sempre me parecem baixas demais) e tive uma comoção espontânea de amor-ódio. Você tem aquele jeito bobo-adolescente, e é melhor que eu em tudo! Tem uma beleza dessas que me provocam uma dor inexplicável, dói mesmo, aqui dentro e eu sei que você sabe que ela existe, essa tua beleza arrebatadora. Você fere profundamente meu ego e me deixa sem resposta. Por mais que esteja errada, você "sempre está certa", isso me irrita tanto que tenho vontade de arrancar teus cabelos num puxão ou te morder com raiva, inteira, pra tirar pedaço desses teus bracinhos roliços, desse teu pescocinho branco. Eu queria mesmo gostar de você e talvez te ter pra mim, mas não gosto e nem te tenho... Por que estamos aqui?

- Não sei criança. Foi você quem me chamou aqui, como sempre me chama, com a raiva que você acha que é necessária sentir, mas por quê acha que eu deveria saber de algo? Sei que você acha que sou uma parte estranha da sua mente, mas não sou. Estou do outro lado da porta e não faço parte de você, te substituí em um momento estranho da tua vida e isso é completamente diferente. Isso não é nem problema meu. Acha que eu gosto de ti? Também acho que seria interessante, também queria gostar de você ou até de mim mesma, mas não gosto. Por motivos particulares bem inexplicáveis não gosto. Não fica achando que é o tipo de coisa que você pode prever, presumir, subentender, lembra sempre que eu não faço parte da tua mente e que no fim das contas, você sequer gosta de mim.

Ela se inclinou pra mim, suficiente pra que eu visse a pinta na íris verde-azulada de seu olho. Ainda de olhos abertos segurou meu queixo e roçou os lábios nos meus, devagar. Enquanto eu trancava a respiração e me controlava para não fechar os olhos, talvez por uma eternidade, senti ela se tensionar. Ela fechou os olhos levantou a mão e quando a desceu, acertou meu rosto com um estrépido cortando o silêncio. A sala tomou uma cor amarelo-claro, rápido, e ouvi um gemido saindo de mim enquanto meu rosto queimava em brasa.
Ela abriu os olhos vagarosamente, sorriu um tanto sádica e levantou-se. E enquanto eu tentava entender o que tinha acontecido ela pegava suas coisas e ia embora, como tantas vezes já tinha feito.

Descobri que, no fim, é esse a síntese do motivo pelo qual não gosto dela; Sempre me beija de olhos abertos, mas sempre me fere de olhos fechados.

____________

Ah criança, talvez você nem venha aqui, talvez nem se importe que eu escreva aqui sobre você, talvez nem saiba que penso em você dessa forma estranha. Talvez ninguém soubesse até hoje. Mas não faz diferença, porque tenho pensado em você nesses dias, assim, com essa tensão retida, quase raiva e ciúmes.
E eu não me importo, nem faço isso porque liguei o tal "foda-se o mundo", só quero te dizer que apesar de não me importar eu me preocupo às vezes, porque ainda sou humana e gosto de gostar das pessoas. E essa é uma das únicas coisas que tenho de verdade em mim. 
Por que não nos gostamos?

28/04/2010

Vermelho intenso


Há nesses gestos, nesse movimentar de mãos,
nessa cova rasa do teu rosto
aquilo que admiro de forma tímida,
mas que evito esconder.
Gosto disso, desse teu cheiro de pele índia,
do teu cabelo desalinhado, do teu carinho contido,
da tua irritabilidade passeando
no tênue limiar da tuas mãos
me puxando pelo braço pra irmos embora.

Mas detesto tua complacência, teu olhar de desprezo,
tua rudeza que desperta às vezes, falsa, passageira.
E essa tua feminilidade anos 20
vinda dessa tua submissão observada,
essa tua inteligência escondida,
essa subliminaridade, subversividade, droga mal feita,
efeito mal projetado, gracejo-hiprocrisia,
falsa tolerância, engraçado e grotesco,
como outras coisas mais que existem aí dentro.

Talvez eu te dê um chá de sumiço,
Talvez um chá de cadeira, talvez um de cogumelos.
Talvez eu corra atrás do teu caminhão de sorvete,
três dias e 2 continentes atrasada...



Mas então... não vai fazer mais diferença.

27/04/2010

"Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem."

Escorou-se ao meu lado enquanto eu dava espaço para ele esticar seu braço no balcão, aguardando que alguém servisse nossa bebida. Sorriu demoradamente pra mim e ficou ali ainda um tempo, me vendo cantar alguma música do A-ha em um inglês-bêbado muito errado. Aparentemente ele se divertia bastante com meu papel etílico mais engraçado.
O nome dele era Rodrigo e tinha aquela beleza que me desperta internamente, aquela beleza de uma criança muito crescida, de um garoto prematuro e muito ativo. Portava um sorriso bonito de dentes brancos e uma voz arrastada e rouca, daquelas que eu gosto de ouvir. Tinha um perfume que lembra alguém de quem eu gostava, que não me recordo quem. Olhos muito claros e astutos, alegres demais, talvez por causa da cerveja. Ainda conversamos e rimos um pouco enquanto ele divagava sobre o quanto o garoto sério ainda nos fazia esperar horas por nossas bebidas. "Pelo menos temos música!" - eu ainda disse, antes que começássemos a dançar ali, escorados no pedaço apertado do balcão. Ele chegou a me perguntar se eu estava sozinha, disse que me achava muito simpática e engraçada. Eu disse que não, "Meu namorado está ali atrás" - e apontei; "Tudo bem, eu quero só dançar!"- ele disse, e ainda dançamos por muito tempo esperando uma vodka que nunca vinha.


Mas a vodka um dia veio e eu não o vi mais.
Talvez eu não o veja mais, nunca, mas não faz diferença, a vida é uma série desses "perder-se e encontrar-se" que eu aprendi a admirar. E eu vou lembrar dele ainda por um tempo, porque aquela dança perdida no meio de tudo me fez melhor do que todo o resto daquela noite.

22/04/2010

Amarelo-Ouro

Estávamos sentados na calçada, jogando conversa fora no silêncio de uma madrugada de semana. E eu estava ali, olhando praquele risco amarelo-ouro de fora a fora do céu de mais um dia que nascia.
- Há de ainda existirem mulheres que se apaixonem apenas pelas belas palavras? - Ele também olhava o risco de sol.
- Sim, e haverão de se apaixonar também pelos cenários e pelas provocações. Ou os poetas estariam lascados, sequer existiriam. E nem morreriam como morrem: sozinhos e muito novos, torpes nos amores que viveram, se desfizeram e foram embora. E nem morreriam assim, sentados na calçada divagando sobre as mulheres que perderam, nos amores carnais que desfrutaram, nas paixões de puta, de bebida, cigarro e loucura, não lembrariam-se da embriaguez dos sentidos, desse estado febril de paixão desenfreada pela vida, dessa filosofia herege de seguir os instintos, sozinhos. Então há sim de haver mulheres para esses homens ou então não haveriam poesias nem poetas.
(...)
- Ainda acha que se apaixona fácil demais pelas pessoas?
- Não, só achei apropriado divagar sobre isso. - E fui embora antes que também morresse ali, na calçada: Porque parte de mim é mulher e parte de mim é criança. Porque parte de mim chora poeta-puro e parte de mim não acredita em poesia.



E isso é tudo o que eu tenho.

19/04/2010

Azul Turquesa


- Tenho muitas coisas escritas aqui sobre você; - Eu não desvio os olhos do computador.
- Alguma é mentira? - Ele também não me olha.
- Não, aqui não costumo mentir, sobre nada, nem sobre mim.
- Por que?
- Porque isso é minha bolha de ar, meu lugar seguro, meu oxigênio, minha caverna sem portas.
- E porque tá me contando isso? - Ele me encara, sério.
- Não sei, nunca sei de nada. Gosta daqui?
- Não. - Ele suspira forte - É verdade demais, eu não precisava saber de tudo isso.
- Por que? Tem medo de algo?
- Não, não tenho medo, só acho que as pessoas não deviam se expor tanto. - Pega o casaco da cadeira e a mochila;

Ele vai embora, fechando a porta em um estrépido. E eu continuo escrevendo, talvez sobre sua ausência ou sobre a atenção que creio ele não dar às verdades que vem de mim.

15/04/2010

Diário de Nubia

(...)"Naquela noite me arrumei com cuidado, fiquei sabendo que ele não gostava de mulheres vulgares, que gostava de mulheres sofisticadas, contidas e educadas. Sabia que ele gostava de bancar o dominador, e que tinha talvez uma queda por mulheres mais novas.
Ao chegar ao local combinado, entrei na ante-sala ampla e as portas altas à frente estavam fechadas. Ouvia apenas uma melodia calma vindo de lá dentro, e a respiração acelerada daquele desconhecido me esperando. Avancei no que pareciam ser os passos mais difíceis da minha vida, ouvindo o eco de cada centímetro caminhado no mármore do chão. Pensei que a luz talvez poderia tornar tudo mais fácil, uma luz morna e amarelada, vinda indiretamente de abajures e cachepots espalhados nas paredes e pequenas mesas, mas ainda sentia meu rosto queimar como de uma garota. Toquei a maçaneta devagar e respirei fundo. Apertei-a junto às minhas luvas brancas ouvindo o roçar suave do couro com o metal.
Mas talvez algo tenha disparado na minha mente, uma vergonha, talvez medo. Eu que já tinha feito aquilo tantas vezes me julguei assustada, insegura e patética, uma caricatura de um comportamento humano que sentia desprezar. Pensei muitas vezes, talvez por um segundo, talvez por dez, talvez por uma hora.

Então, em um determinado momento repentino tive a revelação de que meu corpo era só meu e que eu poderia fazer o que quisesse com ele, vi que a vontade de usá-lo era minha também e no fundo apreciava o que ele poderia me proporcionar. E que eu poderia proporcionar esse prazer íntimo de desapego não só à outras pessoas, mas a mim mesma. Que isso no fundo não me fazia pior ou melhor pessoa, não me fazia ser má ou boa, mas me fazia humana, simples e instintiva, sendo caça e caçadora.

Entrei no quarto aparentando timidez e fechei a porta atrás de mim com o máximo de delicadeza que consegui. Ele me esperava aparentemente ansioso sentado na cama, e me fez um gracejo que ignorei sumariamente antes de me iniciar naquele teatro que fazia com tanta naturalidade.(...)"

 {***}

"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo." 
C. Lispector

13/04/2010

Delirium


Há tempos que penso que deveria mudar partes importantes da minha vida, devagar, absorvendo cada parte dessa mudança suave, quase indistinta. E agora mudo todos os dias um pouco, então páro e observo o que ficou para trás, como se fizesse parte de alguém que não eu mesma.
Mudo lentamente, porque isso é uma das coisas que é só minha, esse desejo de mudança tímida. E não me imponho velocidade, apenas vou moldando o que eu desejo. E tento não me impor metas, porque sempre as tive e não as quero mais.


"Não, não devo lhes perguntar mais nada. Já perguntei demais sobre mim mesma aos outros. As respostas sou eu mesma que tenho que dar e elas deverão ser suficientes."

E agora Jess, o que VOCÊ quer?

06/04/2010

Perda minha, azar o dele

 

Não voltei pra casa, não fui o encontrar, perdi o ônibus.
Perdi o endereço, ele não tem celular, perdi a paciência, encontrei outra pessoa.








*Livremente inspirado em resposta à esse microconto.

05/04/2010

Roxanne

- Talvez, um pouco mais de paixão... É isso, mais paixão! - A professora ecoava do canto do salão envolta no perfume do cigarro aceso.
1, 2, 3... A mão que não se encontra com a outra, o olhar perdido, passo desencontrado da música. O que deveria ser um caso de ódio-amor-assassinato-drama então poderia ser brincadeira de criança. E ela gritava:
- Raiva! Você está com raiva! E amor! Você está confusa, você o viu com outra, seu amor despedaçado, seus sonhos no chão! O que há com vocês dois? - Ela esbravejava impaciente.
Uma, duas, três, dez vezes. E ele, que a segurava com cuidado contido, com postura insegura demais... Não, errado, errado! Ela, que o olhava com seriedade, seu rosto vazio, contando os passos. Tango não é isso!
Pegou a aluna pelo braço, deixou-a de lado. Pegou o par e lhe mostrou como deveria fazer. Raiva, desconfiança, acusação! E ciúmes, sim, ciúmes... E loucura! Força, descontrole, olhos semicerrados entre lágrimas de desgosto e ódio... Como ele pôde?
4, 5, 6... E a música que levava seus sentimentos talvez para algum lugar longe dali... Diretamente para aquele estado de torpor. E ele a acusaria, e ela veria os olhos dele crivados de culpa... E o perfume de alguma outra, vagabunda, em sua roupa. Um tapa no rosto, com força, com motivo, carregado com o desprezo de uma mulher enganada, pelo preço que toda a mulher paga mais cedo ou mais tarde pelo simples fato de nascer mulher. Por ser essa mulher assim, forte como um temporal, louca e destrutiva, assim, filha de uma natureza que sempre cobra seu preço. E ele, coeso, seguro, com todo seu corpo esbravejando a culpa dela, fluindo sua natureza masculina, cheia de razão, cheia de desprezo pela fraqueza dela. A pega pelo pulso, e ela sofre. Tenta se soltar, se esquece de que é muito menor, apenas uma mulher, afinal. E ela cai no chão, com força, se arrasta enquanto ele a olha de cima, do alto de seu orgulho. E ela grita.

E a música pára, talvez por tempo demais.


03/04/2010

Warten



Vi anoitecer e a noite cair gelada e cálida, silenciosa, enquanto o esperava do lado de fora da catedral. Vi todos os seres daquela cidade, correrem rápido por medo da escuridão apressarem seus passos espaçados em direção ao conforto incólume de suas casas. Vi os que não têm o medo, os que não se importam, e os que não tem vida.
E vi meus iguais, pessoas que esperam, assim, do lado de fora, que a porta se abra para que possam entrar ou que de lá saia alguém que esperam.
Ouvi o batente da porta velha ranger e o escuro que pra mim não era escuro se iluminar sob a silhueta dele, descendo os degraus gastos de pedra. Ele estava mais velho, talvez, com alguns fios brancos dos quais não lembrava que existiam. Desceu devagar, contando os passos em direção à rua infinita, de ar ainda carregado do dia. O vi passar por mim e lentamente virar-se para me encarar por um instante e seguir seu rumo para não sei onde, logo depois, como se passasse diretamente por dentro do meu corpo, inexistente.

"Era ele quem você estava esperando?" - Alguém do outro lado da escada me perguntou.
"Não, não era ele. O que eu espero é diferente." - Ainda respondi, abraçando os joelhos e preparada para esperar durante ainda muito tempo.

28/03/2010

Das coisas óbvias - Fantasia

Quando eu era pequena sempre fui meio isolada. Me relacionava com crianças mais velhas e seguidamente entrava em momentos de reclusão sem motivo aparente.
Muitas vezes a mãe me procurava porque eu sumia das brincadeiras com os primos e ao me achar no quarto brincando sozinha, recebia uma resposta bem adulta de "Só não estava mais afim de brincar com eles, vim brincar sozinha."
Eu sempre me virei bem sozinha quando se tratava de diversão. Consigo ainda fazer o tempo correr muito rápido se simplesmente deixar passá-lo enquanto eu leio, escrevo ou finjo olhar televisão. É bem simples na verdade.
O problema de tudo isso é que passar o tempo aumenta exponencialmente as minhas chances de divagar, que aumentam por sua vez as chances de que eu viaje na maionese completamente e aumente as coisas que ocorrem. Eu viajo mesmo, crio situações e tenho frases pré-fabricadas e réplicas para as réplicas.
Isso é ainda pior levando-se em conta que eu sou uma pessoa sentimental e rancorosa. Tudo acaba me levando a um estado de pré-ocupação, ansiedade e medo completamente desnecessário.

Sério, aprender a controlar isso está no topo da minha escada de prioridades.

22/03/2010

Das coisas óbvias - Dança

Bem, essa é realmente bastante óbvia. Eu gosto de dançar.
Mais do que gostar, isso é essencial pra mim. A dança nunca foi pra mim algo principal, mas há pouco tempo atrás descobri que é um fato que esteve sempre muito presente na minha personalidade. Eu danço porque me sinto bem, eu danço porque me sinto parte de alguma coisa. Quando eu me mexo então elevo os braços e bato com os pés no chão, fechos os olhos e me dobro e arqueio. Eu não preciso de ritmo quando eu danço porque eu viro o todo, eu viro a musica e todo o resto se esvai. Em qualquer lugar, em qualquer hora, com quem quer que seja.
Existem dois momentos em que eu danço. Eu danço porque quero mandar algo embora de mim, drenar algo, expulsar; Ou danço porque é divertido.
Quando eu danço porque quero tirar a tristeza ou a dor ou alguma angústia de mim então as pessoas me vêem meio fora de órbita, de olhos fechados, com as mãos fechadas, batendo os pés no chão com força, girando, cantando em meio à música. Nessas horas eu fico meio que entorpecida, uma coisa meio difícil de descrever. É quase engraçado, pra quem não está acostumado ou não entende, podem pensar que eu estou drogada. E eu não me importo.
E quando eu danço por diversão eu vejo que as pessoas que dançam comigo também se divertem. Tudo é tomado por um clima estranho, nostalgia, endorfina, sorrisos. E a minha expressão muda e os meus olhos sorriem também.
Talvez a única coisa que eu não me importo, é que me vejam dançando. Eu não me importo porque então dançar seja a liberdade que eu gosto e é minha. Porque a minha dança não tem assinatura, não tem marca, não tem limite, não tem rosto, e não precisa ter sentido. Porque meu corpo muda e se encaixa de alguma forma no que eu penso ser o real tamanho que eu tenho.


Talvez eu deva tentar desenvolver essa habilidade, porque sinto necessidade dela. Tanto quanto respirar ou comer, preciso dançar pra me sentir viva.

* Na imagem, Rachel Brice, a mulher mais encantadora que já vi dançar.

12/03/2010

Das coisas óbvias - Mimetismo


Existem muitas coisas sobre mim que eu não gosto de pensar.
Uma delas é o fato de não gostar de chamar a atenção e no entanto gostar que alguém me note. Não gosto de pensar nisso porque me sinto de alguma forma desvalorizada por mim mesma.
Fazer certa maquiagem, colocar certo sapato ou roupa porque ela me faz ficar bonita não é o mesmo que me vestir para me sentir bonita. Em mim, existe um risco tênue entre me arrumar pra mim e me arrumar pros outros. Há tempos eu não me sinto bonita. Há tempos que não penso nisso.
Há um lugar, talvez um dos poucos lugares que fico durante um tempo considerável, que eu uso um tipo de mimetismo que eu julgo interessante. No lugar onde eu trabalho (apelidado de borracharia, porque 90% são homens) eu me sinto de alguma forma livre. É o lugar onde eu nunca usei saias, saltos ou maquiagem. Ninguém exije que meu cabelo esteja bonito, que o  meu sorriso esteja ligado, que meus tênis surrados estejam guardados em vez de estarem nos meus pés. Lá, eu sou um deles. Chamo meu chefe de "Cara", falo pelo menos três palavrões em cada frase, faço piadas sexistas e me visto da maneira que eu quiser. Ninguém fala da forma que eu como (como se fosse um ogro), ninguém me repreende por estar comendo demais, ninguém me diz que essa ou aquela roupa não combina com meu biotipo ou que a cor do meu cabelo não é para meu tom de pele.
"Use desodorante, não vá nua, não aja como uma bichinha mimada e você estará em casa." Essa é a única regra pra trabalhar sossegada.

É claro que a minha mente inquieta me prega peças insistentemente. Entre tantos homens às vezes eu me esqueço de ser mulher. Existem coisas que eu abandonei devagar, imperceptivelmente, e uma delas foi o pouco de vaidade que eu tinha.

Ainda pinto o cabelo, tiro a sobrancelha, faço as unhas. Mas espero que  perder isso também não seja uma questão de tempo.

04/03/2010

Das coisas óbvias - Força

Há cerca de três ou quatro dias atrás escrevi um texto simples. Ele falava sobre a força que eu tenho e do quanto essa força é incontrolável. No texto eu divagava sobre a origem dela e o fim e sobre como eu me sentia infeliz e abandonada quando ela ia embora, como se ela nunca tivesse existido, como se eu tivesse novamente incompleta.
Enquanto eu escrevia, em um documento do bloco de notas do computador, faltou luz e eu perdi o texto. Fiquei ali, com os dedos tocando o teclado, imóveis, olhando para o monitor na penumbra da luz de emergência do escritório.
Nesses últimos dias foi como se tudo tivesse ido embora, a força e a vontade de escrever e eu me senti absurdamente frustrada.

Mas é isso, a síntese do que ocorre comigo, a força da qual eu tinha escrito... Então ela existe e é forte e sólida. Está lá, visível, amedrontadora, firme, segura. Não tem medo e não tem pena, só mete o pé na tampa da caixa, sai derrubando portas e paredes e arrasa com tudo sem que eu saiba o que se trata e eu assisto tudo como num sonho lúcido ruim. E basta um interruptor ser desligado e ela vai embora como se nunca tivesse existido. E eu fico ali, com um sentimento de impotência e abandono, pequena e desolada, pensando "Ah, mas que merda";
E depois, talvez muito tempo mais, algo sai do script e ela volta sem aviso, sem que eu tenha controle da situação.
Eu lembro de ter escrito e ter criado alguma teoria sobre essa energia destruidora que eu guardo nessa caixa enorme, mas não me ocorre nada agora.

E rezo todos os dias por não ter mais nenhum apagão.

22/02/2010

Re-princípio

Olho pra trás e não sei o que pensar. Sei que mudei diversas vezes, de muitas formas diferentes e extremas. Tudo isso que eu provoquei em mim está acompanhado por uma leva de temporais absurdos e implosões/explosões que agora me parecem sem sentido. Isso pra quem me conhece não é nenhuma novidade, mas o colocar aqui, documentado de alguma forma, me faz aceitar e acreditar.
Talvez eu passe a documentar aqui coisas óbvias sobre mim. Para todos os efeitos... só uma tentativa de tentar me entender e me encontrar em mim.
Faço isso agora de forma coerente, e talvez mais tarde não sinta nada mudar em mim. Talvez seja assim então, o realizar de verdade. Ou não.

***

Talvez um beijo, um abraço e nada mais... O fato é que fantasio muitas coisas.
Talvez quando eu me sinto feliz é quando me desapego de todo o resto. E que quando penso em prazer ele me vem simples e puro... Talvez de mim mesma, talvez de um pensamento ou um toque. Ontem, pela primeira vez, obtive um prazer puro, sem culpa, sem apego. Criei o que penso ser uma pele fina sobre a que eu tenho, sensível e resistente, coesa e expansível.
Eu me trato muito mal... Talvez a cura seja só um processo de ver, tocar e realizar.

17/02/2010

Blasfêmia

De um tempo que não é tempo.
De uma companhia que não é minha;
De algo que eu não me importe;
Vindo de um eu tão profundo, indizível, intrincado.
Eu que vejo todos aqui, perdidos;
Que me vejo própria e não lembro.
Eu que me dispo de tantas coisas,
Que ainda carrego tantas outras tatuadas na pele, nunca nua.
Pra um dia recomeçar, talvez;
Pra aspirar devagar o perfume da minha própria pele;
Eu que nunca pego o tempo nas mãos e só o vejo passar...
Das coisas que eu preciso, das listas que eu desfiz;
O contestar, a solidão pura, paz e interiorização únicos.
Ou talvez eu deva aceitar então o que simplesmente é.

{...}

 

Words, play me deja vu, like a radio tune I swear I've heard before.
Chill, is it something real, or the magic I'm feeding off your fingers?

12/02/2010

Porque elas sempre estiveram lá

Eu balançava os pés descalços no infinito ar fresco da beira do abismo. Sentada com as mãos espalmadas sobre os pedregulhos, o capim e a terra, eu me sentia completa.
Claro, haviam os que me achavam louca. E havia os que me admiravam por ficar por ali há tanto tempo, fazendo o mesmo, sem nunca pensar em outra coisa. Tudo aquilo era o que eu tinha como paz inteira. Nunca havia percebido o quanto trinta anos poderiam passar rápido, mas não fazia mais diferença.
Num desses dias, desses que a gente acha que nada vai acontecer, um garoto de uns 7 ou 8 anos sentou-se cuidadosamente ao meu lado. Escorou-se no meu ombro, desajeitado enquanto se sentava. Eu via que ele não tinha medo do abismo também, e ele me lembrava eu mesma quado tinha a idade dele, sem medo. Ele tinha aqueles olhos muito astutos embaixo das sobrancelhas muito grossas e lábios finos, e fios de cabelo que eu nunca poderia imaginar mais negros.
Após algum tempo em silencio, ele tomou a frente:

- E então, o que há de tão bom aqui? Minha mãe disse que você fica por aqui há anos, olhando lá pra baixo. O que tem de especial lá embaixo, que que você olha tanto?

Na hora me ocorreu a resposta "Você não entenderia", mas me vi pensando que eu mesma não gostaria de ouvir aquilo se estivesse no lugar dele. Nenhuma resposta me parecia adequada a ele, com aqueles olhos redondos tão curiosos e sinceros me encarando pacientemente.

- Bem... Eu venho aqui porque daqui de cima posso ver os pássaros do abismo. O ar do oceano à nossa frente sempre me parece subir de forma mais limpa quando varre as pedras e faz com que os passaros aqui sobrevoem, quase flutuem na corrente morna. E... vou te contar um segredo... às vezes, no pôr-do-sol, por alguns poucos segundos em um momento especial tenho a impressão de ver pessoas voando, não são anjos, são só pessoas. Isso acontece com mais frequencia de madrugada, quando as pessoas dormem, então as vejo ali, próximo às nuvens, de olhos fechados e braços abertos deslizando na escuridão.

Ele prestava muita atenção ao céu quando eu terminei, tentava ver o que eu via, mas não via nada, é claro.

- E por que você não voa com eles também? - Ele me perguntou, com ar interessado.
- Ora, porque não tenho asas! - Eu sorri.
- Claro que as tem, todo mundo tem... Então se não tivessem, como voariam?

Sim, era simples assim então. As pessoas voam porque tem asas, simples e complexo ao mesmo tempo.

- E então Sr. Sabe-Tudo, por que eu não Vôo? - Eu ri e passei a mão nos cabelos dele, em um cafuné;
- É simples, há quanto tempo você não se olha no espelho? - Ele me encarou quase sério;
- Não sei, faz diferença? - Eu perguntei, dando de ombros.
- Claro que sim, se você se visse no espelho, então veria também as suas asas;

...


"Percebendo o pulsar que leva do simples para o intrincado,
que vai do cotidiano ao mágico, vamos para o norte,
até onde a vida nos levar."

10/02/2010

Entschuldigen Sie, ich muss gehen...

Escrito há um tempo atrás, mas ao ler, vejo que pouca coisa mudou.



Me abraço no doce embalar da noite e sinto minha pele fina, quebradiça. Sinto meu toque retumbar no vazio que há em mim. Eu sou assim, fraca? Choro de tristeza, choro de ciúmes, de raiva; Choro em propagandas bonitas e choro em filmes idiotas. Me amaldiçoo baixinho por ser tão eu. Falo com o escuro, fico chateada por ser tão má, fico chateada por ser tão viciada. Não me protejo nunca, nem quando quero, nem quando preciso.
Sinto perfeitamente o quanto posso desmoronar no chão rígido e frio agora e sempre. Muitas coisas me movem para a frente, inumeras mais me fazem ter vontade de voltar, ou parar. Beiro a insanidade todos os dias e a beijo com fervor, porque ela dentre tantos possui o abismo mais tentador que já vi.

É estranha essa história de ser adulto.

08/02/2010

Accipe quod tuum, alterique da suum

- Me diz o que fazer - Eu observo o teto arroxeado.
Algum tempo depois ele me responde:
- Dorme. Amanhã tu vai estar melhor.
- Ainda preciso arrumar as minhas coisas pra amanhã, preciso tomar um banho, preciso muitas coisas. Preciso parar de me preocupar... Me diz o que fazer. - As coisas  sempre saem inevitavelmente do controle.
- Tu devia fazer o que fala, parar de se preocupar. Dorme, você está aqui se preocupando e chorando, enquanto ela está dormindo. Amanhã tu vai estar melhor. - Ele acaricia meus cabelos e limpa a lágrima do meu rosto.
Me deixo mergulhar na escuridão e o vento lá fora me faz parecer não estar nunca sozinha. Eu acordo no outro dia e nada mudou. Eu sei que ele mente e ele mente sobre isso há três dias. Mas mantém a mentira até o final, até que eu acredite, que aceite ou então esqueça.

 Tenho sido má, mas ainda não me arrependi.

03/02/2010

Pomar de Iduna

Conto infinitamente com as mãos nos olhos enquanto minha mente flui como todo o resto, una e inteira. Muito além da minha voz ainda ouço a voz deles, em movimento, evanescendo e ressurgindo. Sinto que passam por mim, correndo, desviando no último segundo enquanto riem e colidem-se eufóricos. Tento não ver, mas meus olhos sem pálpebra me enganam... Sinto seus passos leves quase flutuarem enquanto se escondem, o farfalhar suave e familiar das folhas seca no solo macio, seus cabelos cacheados pelo vento, seus olhos escuros e brilhantes. Inconsientemente vejo seus rostos arredondados e infantis despidos de tudo o que me inflingi: maldade, inveja, tristeza.
Sinto ainda o perfume limpo da manhã entre as árvores altas e das maçãs molhadas de orvalho... Tudo me parece tão verde que sinto vertigens quando olho para cima. Aqui o tempo parece não passar, a luz é sempre a mesma, sempre a mesma e eu não sinto medo.
E eu mesma sou uma criança sem idade, com borboletas no estômago, hálito de leite, cheiro de terra. Meus pés descalços afundam vagarosamente enquanto remexo a terra fresca e macia. Meu vestido de algodão cheio de folhas entre as pregas, meus cabelos trançados caindo nas costas, longos;

E meus sonhos, travessos, que insistem em brincar na minha mente escondendo-se no meu bosque sem-fim. E a minha vida que pulsa da mesma forma que as folhas que crescem e caem, enquanto a terra se renova, enquanto se passa a colheita e a caça, enquanto eu faço a comunhão com o todo. E a minha energia que é infinita para que eu possa procurá-los além da clareira, além do rio, além da caverna e da escuridão, eu que tenho a vida inteira para fazê-lo.

O lugar onde os sonhos são feitos, a zona-livre-do-pensamento, intenso, leve e denso, intangível, incoerente, inalcançável, inviolável, indomável, meu.

29/01/2010

Levitação

- Então, acho que te devo algumas coisas - Ela começou - Te devo algumas noites de paz e o meu silêncio puro. Não o meu silêncio típico, mas o silêncio que se carrega nos dias de paz. Porque é isso que se faz, não é? Ficar em silêncio apreciando a paisagem doce, o por do sol, o balançar do rio suave. Sem exigir, sem se importar. Eu nunca deixei de ver as pedras no fundo do rio; Eu nunca deixei de sonhar com aquele lugar.
- Então você é feliz - Eu afirmei enquanto acendia outro cigarro.
- Acho que sim. - Ela fixou o nada. Se inclinava graciosamente sobre a mesa e seus seios de menina pareciam ainda mais belos sob o tecido. - Te devo um beijo. Aliás, acho que te devo milhares, mas acho que se o beijo ocorresse agora, então seria vazio, sem significado.
- Claro, como todos os beijos que você distribuiu por ai.
- É, acho que sim. O beijo seria absurdamente sem sentido, embora eu ainda guarde um pra você, pra uma hora especial. Talvez na hora da morte, um último beijo. Ou talvez seja o beijo que me desperte.
- Romance. Você também me deve uma folga disso, não? - Eu a encarei duramente e ela me olhava carente com seus olhos cinza-brilhantes. Se ajeitou na cadeira enquanto arrumava os cabelos castanhos na presilha que eu dera pra ela. Carregava na cintura algumas dezenas de fitas de cetim cuidadosamente amarradas pra lembrar das pessoas que lhe fizeram perder o fôlego. Quando queria sentir a paixão de novo, então apertava um pouco mais uma fita. Quando me olhou de volta era carregada de uma ironia que não combinava com ela:
- Não foi eu quem me criou, foi você. Eu não sou assim porque quero, sou assim porque um dia na sua infancia doentia o caminho para a separação foi criado, mas você não o interiorizou muito bem. Eu sou o inicio do romance da sua vida, a personificação do seu desejo mais íntimo, o seu Complexo de Electra.
- Não acho que eu tenha isso. - Olhei-a incrédula.
- Você nunca acha que é doente. Você é doente. E eu sou uma parte disso. - Ela apertou três fitas da cintura em sequencia. Fechou os olhos enquanto prendia a respiração, antes de soltá-las em um suspiro.
- Então, o que você me deve é uma cura. - Eu observava o cigarro queimar sozinho, com centímetros de cinzas penduradas antes de cair.
Ela pensou, confusa perante a minha epifania. Franziu as sobrancelhas bem desenhadas, a mão deslizou devagar nas pregas do vestido num gesto lento.
- Sim, talvez eu te deva isso. Talvez então seja isso, no fim. Acho que vou embora agora. O que devo te falar? Que foi bom estar aqui com você durante tanto tempo? Que vou sentir sua falta? Que ainda te devo o melhor beijo da sua vida? - Ela sorria como a adolescente que um dia eu fui - inocente.
- Não, apenas diga que vai voltar, só. Um dia, quando eu precisar de novo de você; - Eu a encarei novamente e meus olhos se encheram de lágrimas que eu forçava pra segurar.
- Certo garota, tente se cuidar. Eu volto, talvez. E tente não chorar minha ausência. Você nunca foi boa com separações.

Ela se virou e seu vestido de algodão cor-de-rosa girou graciosamente enquanto ela ia embora. Instantaneamente meus olhos secaram e minhas entranhas se moveram em protesto. Eu tive medo por um instante, então passou. Talvez, separar-se de si mesma não seja tão ruim. Talvez meu problema com separações fosse só uma parte do meu romantismo aparentemente incurável.

Minha vida sem romance seria estranha, mas eu viveria.

27/01/2010

Nemo ad impossibilia tenetur

Naquela tarde, Amara se sentira mal na escola. Achava que era uma dor qualquer, um mal-estar por causa do calor de Janeiro. Uma aspirina, duas, nada. Um pouco mais de água, talvez. A dor piorou. Chamou a melhor amiga pra acompanha-la no banheiro da escola, pra lavar o rosto, descansar um pouco. "Amara, tem sangue na tua calça", a amiga espantada já corria pra não deixar que Amara caísse.


Amara sentiu rápido o frio do chão do banheiro nos ossos, estava dentro dela, e ela se sentia tremer. A dor gritava de dentro dos seus pensamentos, confusos, e parecia querer sair dela rasgando-a devagar do ventre pra fora. Ouvia muito de longe a voz de Laura chamando ajuda dos professores. Depois disso, tudo foi silencio.

Levaram Amara para o hospital mais perto e ela ficou lá, não sabe por quanto tempo. Entre a vigilia e a consciencia ouvia comentários entrecortados em vozes que ela não conhecia. Ouviu a voz de sua mãe, e seu lamento contido. "Ela não sabia... Isso não é raro na idade dela.", "Não, não me parece ter sido forçado. Os exames não encontraram nada, nem remédios, nem chás, nada."

Algum tempo depois, ficou consciente. Se preparava para chamar alguém quando viu a enfermeira entrar no aposento pra trocar os lençóis do paciente ao lado. Tentou chamá-la, mas ainda se sentia fraca, resolveu descansar mais um pouco.



- O que aconteceu com essa, Juliana? - Dos pés da cama dela, outra enfermeira analisava uma prancheta.

- Aborto espontâneo, chegou aqui quase morta, teve uma hemorragia. Administramos as medicações de procedimento, e mais três unidades de sangue pra que pudéssemos ficar tranquilos. Ela teve febre e a curetagem foi evitada. Administramos Misoprostol, estamos aguardando a recuperação dela. - Juliana falava dela com um certo desprezo na voz.





Então era isso, um aborto. Ficava mentalmente tentando contar o tempo, tentando saber onde havia se perdido. Então sentiu um medo irracional, medo do que poderiam pensar dela e de como tinha sido uma criança. E quase botara todos os sonhos dela fora.

Ao menos a achavam inocente, mas já sabia do fardo há cerca de seis dias. Contou mentalmente, devia estar com quase três meses.

Aqueles seis dias anteriores o terror havia se apossado dela, como se não houvesse saída. Faltou à escola, chorava dia e noite. Teve vontade de esmurrar a própria barriga, de gritar até que a criança saísse. Laura não sabia, ninguém sabia. Laura era responsável demais e a odiaria. Teve vergonha de como a amiga a olharia com desprezo. Sentia o desespero de estar em uma armadilha, algo feito por ela mesmo. Pedia a Deus que tirasse a criança dela. "Eu nunca mais faço isso, eu juro!", dizia baixinho em desespero.

Lá pelo terceiro dia, quando se sentia cansada demais para chorar, começou a compreender que talvez tudo desse certo. Ela podia fazer aquilo, já era quase adulta! Sua mãe a ganhara com mais ou menos a mesma idade. Nunca achou que pudesse se pensar mãe, não com dezessete anos. Então era verdade. Precisava começar a pensar racionalmente.

Colocou uma meia duzia de peças de roupa na mochila, talvez tivesse que dormir na casa de Laura quando a mãe soubesse o que acontecera. A mãe de Amara era alguém potecialmente imprevisível.

No dia que se seguiu, teve um mal estar, não conseguiu levantar da cama. No outro, conseguiu a custo ir á escola, mas então, tudo aquilo aconteceu. E ainda se lembrava do chão do banheiro onde tremia.



-Tenta entender criança, que as coisas raramente acontecem como a gente quer. Pra outras pessoas, nunca ocorrem. Quando a gente aprende a gostar de algo que não gostava, então a vida dá um jeito de mudá-la. Talvez você tenha sorte... ou não.- A enfermeira tentava a confortar com um sorriso forçado no rosto.

Amara não respondeu. Não sabia a resposta, ou talvez ela não existisse.



Foi só uma vez, matou aula, fugiu com um garoto que conhecera na frente do bar da escola naquele mesmo dia. Tentava se lembrar do nome dele... Vitor, Mateus, Paulo? Nem isso. Sim, ela era a pior pessoa do mundo. "Deus é idiota. Não... Eu sou idiota."

Apesar de tudo, um vazio tentava tomar o lugar do desespero; Talvez ela quisesse a criança. Pensou uma vez em um nome, "Arthur, porque era o nome do meu vô", chegou a falar pra prórpia barriga, aparentemente do mesmo tamanho de meses atrás. "E se for menina?... Não... Decididamente um garoto"; Fazia poses em frente ao espelho, tentando notar alguma mudança, o que tornava aquilo ainda mais surreal.



Já em casa, deitada no sofá, semi-recuperada, ouvia sua mãe andando de um lado para o outro no quarto ao lado, discutindo com alguém no telefone. Provavelmente seu pai. "Onde foi que a gente errou? Onde?... Fala com a tua filha Osvaldo, fala com a tua filha!"

Talvez fosse um castigo, porque como disse a enfermeira, "As coisas raramente acontecem como a gente quer"; E Deus a estava castigando. Já estava se acostumando à ideia de algo apenas pra si. Mas então era isso... A vida não era como desejava.

Levantou-se ainda meio tonta e foi ao quarto e detrás do travesseiro organizado, ao lado de seu urso de pelúcia encardido, retirou um par de meinhas amarelas minúsculas. Calçou nos dedos e andava com eles sobre os seios de menina que imaginava cheios de leite, pensando em pequenos pezinhos cor-de-rosa mornos e perfurmados. Talvez tudo isso fosse um erro, mas não cabia a ela julgar.
Então, a criança se fora e levara um pedaço dela junto. Talvez o pedaço mais vivo que ela já teve, o que a fazia real, o que a fazia sentir-se diferente, única de uma forma simples e doce, mesmo que por tão pouco tempo. E dali por diante talvez, ela ficaria grávida pra sempre, prenha de sonhos que nunca nasceriam.

26/01/2010

Sofisma


Ensina-me a amar devagarinho, ensina-me a não acordar dos sonhos.
Não tira o amor de mim, tira a maldade.
Guia-me no vale do não-pensar, pelo caminho infinito da inocência.
Porque ao pensar, acordei. E ao mentir, vi a verdade.


25/01/2010

Devilish


Passavam das três da madrugada, de um domingo para uma segunda e eu contava o tempo para acordar em um outro dia. Tinha escrito como um animal insano em cima de um teclado cansado de trabalhar e toda a minha energia lógica tinha sido drenada de mim pra fora, rápido demais.
Ao meu lado, ele se agitava em uma semi inconsciencia durante a minha crise-existencial-sem-fim;
Eu pensava o quanto poderia ser fraca em determinados momentos e me deixar levar pela correnteza sem lutar. Como eu poderia desistir rápido ás vezes. Não conseguia definir se isso era bom ou ruim ou mesmo se era real. Eu estava confusa. Pensei que em minha mente eu fantasiava há muito tempo que ainda tinha 17 anos, mas isso fazia tanto tempo... Quando era meu aniversário?
Ouvi a respiração dele ficar mais leve, e ouvi a voz dele me chamando. Respondi. Ele passou a mão no meu rosto. "Tá chorando?" e eu disse "Não é nada", porque meu "nada" é cheio de tudo e de muitas outras coisas.
Me aconcheguei nos seus braços e através da penumbra do quarto vi que ele também tinha os olhos abertos pro teto.
"Quantos anos eu tenho?"
"?!"- ele com a voz rouca de não ser usada.
"Quantos anos eu tenho?" - falei devagar pra não chorar.

Apenas dois segundos ou menos se passaram até que ele me respondesse.

"Mais do que eu;" - Ele disse sem hesitar.

Eu ri.
Claro, talvez eu fosse mais velha pra ele do que me parecia. E eu que vejo estampado em meu espelho o mesmo rosto de quatro anos atrás e penso exatamente as mesmas coisas; E eu o vejo realmente mais novo, uns oito anos ou talvez quase isso. E o trato como eu havia prometido á mim mesma não tratar: como um filho ou um irmão. Com o amor de amante e a justiça que ele não merece.
Porque ele é isso, uma pessoa que dependerá discretamente de mim mesmo que eu não note e que será meu mais fiel devoto. Eu que penso que isso é realmente ridículo e injusto. Mas então eu vejo novamente que o mundo não é o que poderia ser se todos fossemos independentes, o mundo não é nem um pouco justo e a gente nada contra a corrente porque um dia alguém determinou que tinha que ser assim.

Depois de um tempo eu continuei fitando o infinito do escuro. E divaguei.

"Tu é mais inteligente que eu." - Ele riu. "Claro que é. Eu não estaria contigo se não fosse tão inteligente. E tu é esperto, esperto como um diabo. E se tu não fosse esperto entao eu não gostaria de ti, porque tu seria uma pessoa absolutamente monótona. Cara, tu seria muito chato se não fosse esperto. E tudo o que tu passa para as pessoas passa reto por mim porque eu não te subestimo. Eu não te subestimo, sabe. Eu sei o quanto tu é aquilo que tu não mostra e é disso que eu gosto. Porque as vezes tu me fala alguma coisa e me testa, porque tu é um desafio pra minha mente estranha e incansável. Porque tu é um dos poucos que me faz pensar de longe, e eu tento entender o que eu sou pra ti e me coloco em cada esquina, pra tentar te entender também."

Ele, que não consegue fazer compras sozinho, que precisa que alguém controle o horário do remédio, que não se alimenta sem que um prato esteja servido na sua frente, que é cinco anos mais velho do que eu no papel e reais oito anos mais novo que parece. Ele que é esperto e subversivo como um demônio.

Que me ama, mesmo que do jeito dele.
E que continua sendo uma grande incógnita na minha cabeça insana.

24/01/2010

Lissofobia



Éramos três sentados em um bar qualquer das ruas de Porto Alegre. Passava das 4 da manhã, mas os efeitos do open bar ainda estavam lá. Foi entao que surgiu, o "círculo da Anistia";
Claro, cartas na mesa, sem meias palavras, sem aves-marias, sem interrupções, sem julgamentos. A proposta então era de jogarmos as verdades. Utilizar nossas habilidades etílicas para confessarmos nossos crimes.
"Eu sou má.", ela disse. "Sou um monstro" e seguiu apenas falando, deixando que as palavras tomassem formas. E as palavras tomaram as formas de um mundo estranho, assustador e maravilhoso. E os animais daquele lugar eram pequenos mamíferos inocentes e previsiveis na campina. E ela era uma fera, e eles eram indefesos. "Sou tudo isso. Isso faz de mim um monstro.", ela encerrou depois de um gole da vodka quente. Fechou os olhos vagarosamente e sorriu de uma piada interna que nós não entendemos.
"Eu sou bobo", ele disse. "Sou um ingênuo" e seguiu descrevendo seu mundo. E nele as pessoas nao passavam por ele, mas corriam, o atravessando. E ele refletia o quanto era sozinho naquele mundo de 76 bilhões de pessoas e possibilidades. E que não conseguia nenhum tipo de simbiose, porque as pessoas ali não ficavam tempo suficiente para criar raízes. "Sou tudo isso, ou sou nada. Isso faz de mim o vazio.", ele puxou o último cigarro do maço e acendeu. Escorou-se na cadeira e silenciou-se, pensando.

Então, veio a minha vez. Puxei o copo de vinho para minha boca, e de um gole tomei o copo todo. Absorvi devagar tudo o que aconteceu e tudo o que ouvi, e tentei permanecer eu mesma, antes de absorvê-los para mim, como o ar. Separei-me de tudo e pensei, pela septuagésima segunda vez pensei no que eu era.

"Eu sou... Eu sou confusa.", eu iniciei, incerta. "Sou um pedaço de vocês, e sou nada." e segui divagando.
"Eu busco aprovação. Eu sou uma criança, eu sei. Ás vezes eu preciso ser julgada. Seja pela minha roupa ou pela minha opinião. Eu me julgo o tempo todo. Meu corpo, meus cabelos, minhas roupas eu julgo e meus olhos são ferinos. Eu me exijo, eu me dôo, eu me penalizo. Não preciso de anistia, não quero indulto. Eu deixo de viver muito por causa disso. Eu penso demais. As melhores coisas do mundo, as que a gente faz sem pensar, são as que não combinam comigo, porque eu não sou tão Wild quanto eu me vendo. Eu me vendo. Eu minto, porque eu gosto de falar o que as pessoas querem ouvir. Se eu minto pra você não é porque eu quero mentir, é porque eu gosto de você... E quero que você goste de mim... Ou talvez goste do que eu venda pra você; Eu não sou como a água, eu não diluo, eu não faço erosões catastróficas. Eu sou o fogo, eu destruo e me consumo, depois eu pergunto. Eu combato terror com terror.
Houve uma noite, há um tempo atrás. Eu chorei durante muito tempo aquela noite, jogada em um canto de uma festa, bebada. Chorei como uma criança desesperada por mais de uma metade de hora. Aquilo foi eu registrada no meu espelho. Deixe-me contar o que aconteceu, talvez as coisas fiquem claras... Pra mim.
Aquela noite, eu fui testada por mim mesma. Me arrumei e pensei em ficar bonita. Pensei em ser desejável. Me arrumei pra você, porque queria ser aprovada. Queria que acontecesse o que acontece comigo quando eu vejo você: Eu gasto muita energia evitando o movimento de me ajoelhar diante da tua beleza, porque ela me é sagrada e arrebada meu sangue do corpo como se não houvesse chão. E então, estampei meu sorriso, vesti minha melhor máscara de 'menina bonita' e fui te encontrar. O tempo passou de uma forma muito devagar enquanto eu te esperava, mas eu continuei em pé. Achei que você não viria.
Eu te observei na multidão e fui tomada de um desespero tal que fiquei surda. Discretamente, segurei a mão do meu namorado e a apertei com força, porque precisava de algo pra me deixar no chão, pra me deixar firme, pra me lembrar que eu devia continuar viva, que não deveria pedir pro meu coração parar.
E então foi isso. Fiz meu papel, sorri, fiz de conta. E vinte minutos depois eu estava no chão, chorando o que eu não tinha chorado durante muito tempo. Minha máscara estava no chão, rachada de fora a fora, porque eu fui arrogante, porque eu cheguei a pensar que um dia eu chegaria a te chamar a atenção. Você estava companhada de pessoas tão bonitas e interessantes e inteligentes, que eu me achei tão feia, tão feia, tão feia e tive vontade de me atirar de um penhasco. Não era ciúmes... Eu acho. Pela primeira vez, eu reconheci a tolice de tudo aquilo e desejei que você não fosse tão bela. Desejei acordar. Desejei me despir na tua frente, bater no meu peito e gritar que eu era aquilo e que a monstra era eu. Senti o peso de tudo o que eu fingia ser, descer sobre mim e o quanto aquilo me deixava transparecer tão mal o que eu queria ser."

A sintese do Meu mundo. Meu mundo?

Meu mundo é cheio disso, de toda essa merda. Porque mesmo aqui, quando escrevo isso eu não consigo falar tudo o que eu quero, da forma que eu quero. Porque tudo o que eu escrevo aqui eu desejo que tenha atenção, porque eu quero a aprovação e quero o julgamento.
Porque acima de todas as outras coisas, eu conscientemente sou um animal indefeso esperando que a fera me arrebate. E conscientemente eu passo através dele e não crio raízes.

E eu sou uma tola por ter tudo isso, e não consigo conviver com o silencio. O meu silencio que é cheio de tudo, o meu vazio que é cheio da tua voz me chamando.






E eu te desejo, impotentemente, como homem.
Eu te quero, dolorosamente, como mulher.

19/01/2010

A-temporal

Da tua boca macia, quero só o toque;
Do ontem, quero só a lembrança.
Do hoje, quero só a intensidade;
Porque do amanhã, só quero o acordar.

Do verso, não quero rima.
Da briga, não quero o ódio;
Das lágrimas não quero a tristeza;
Porque tudo o que vai, tem que voltar.

Do café amargo, quero só o cheiro.
Dos olhos verdes, quero só a chama.
De ti, acho que só o silencio,
Porque não tenho nada pra te dar.


"Não tema o que você está prestes a sofrer.
Contemplar o demônio é se jogar dentro de uma prisão."