24/01/2010

Lissofobia



Éramos três sentados em um bar qualquer das ruas de Porto Alegre. Passava das 4 da manhã, mas os efeitos do open bar ainda estavam lá. Foi entao que surgiu, o "círculo da Anistia";
Claro, cartas na mesa, sem meias palavras, sem aves-marias, sem interrupções, sem julgamentos. A proposta então era de jogarmos as verdades. Utilizar nossas habilidades etílicas para confessarmos nossos crimes.
"Eu sou má.", ela disse. "Sou um monstro" e seguiu apenas falando, deixando que as palavras tomassem formas. E as palavras tomaram as formas de um mundo estranho, assustador e maravilhoso. E os animais daquele lugar eram pequenos mamíferos inocentes e previsiveis na campina. E ela era uma fera, e eles eram indefesos. "Sou tudo isso. Isso faz de mim um monstro.", ela encerrou depois de um gole da vodka quente. Fechou os olhos vagarosamente e sorriu de uma piada interna que nós não entendemos.
"Eu sou bobo", ele disse. "Sou um ingênuo" e seguiu descrevendo seu mundo. E nele as pessoas nao passavam por ele, mas corriam, o atravessando. E ele refletia o quanto era sozinho naquele mundo de 76 bilhões de pessoas e possibilidades. E que não conseguia nenhum tipo de simbiose, porque as pessoas ali não ficavam tempo suficiente para criar raízes. "Sou tudo isso, ou sou nada. Isso faz de mim o vazio.", ele puxou o último cigarro do maço e acendeu. Escorou-se na cadeira e silenciou-se, pensando.

Então, veio a minha vez. Puxei o copo de vinho para minha boca, e de um gole tomei o copo todo. Absorvi devagar tudo o que aconteceu e tudo o que ouvi, e tentei permanecer eu mesma, antes de absorvê-los para mim, como o ar. Separei-me de tudo e pensei, pela septuagésima segunda vez pensei no que eu era.

"Eu sou... Eu sou confusa.", eu iniciei, incerta. "Sou um pedaço de vocês, e sou nada." e segui divagando.
"Eu busco aprovação. Eu sou uma criança, eu sei. Ás vezes eu preciso ser julgada. Seja pela minha roupa ou pela minha opinião. Eu me julgo o tempo todo. Meu corpo, meus cabelos, minhas roupas eu julgo e meus olhos são ferinos. Eu me exijo, eu me dôo, eu me penalizo. Não preciso de anistia, não quero indulto. Eu deixo de viver muito por causa disso. Eu penso demais. As melhores coisas do mundo, as que a gente faz sem pensar, são as que não combinam comigo, porque eu não sou tão Wild quanto eu me vendo. Eu me vendo. Eu minto, porque eu gosto de falar o que as pessoas querem ouvir. Se eu minto pra você não é porque eu quero mentir, é porque eu gosto de você... E quero que você goste de mim... Ou talvez goste do que eu venda pra você; Eu não sou como a água, eu não diluo, eu não faço erosões catastróficas. Eu sou o fogo, eu destruo e me consumo, depois eu pergunto. Eu combato terror com terror.
Houve uma noite, há um tempo atrás. Eu chorei durante muito tempo aquela noite, jogada em um canto de uma festa, bebada. Chorei como uma criança desesperada por mais de uma metade de hora. Aquilo foi eu registrada no meu espelho. Deixe-me contar o que aconteceu, talvez as coisas fiquem claras... Pra mim.
Aquela noite, eu fui testada por mim mesma. Me arrumei e pensei em ficar bonita. Pensei em ser desejável. Me arrumei pra você, porque queria ser aprovada. Queria que acontecesse o que acontece comigo quando eu vejo você: Eu gasto muita energia evitando o movimento de me ajoelhar diante da tua beleza, porque ela me é sagrada e arrebada meu sangue do corpo como se não houvesse chão. E então, estampei meu sorriso, vesti minha melhor máscara de 'menina bonita' e fui te encontrar. O tempo passou de uma forma muito devagar enquanto eu te esperava, mas eu continuei em pé. Achei que você não viria.
Eu te observei na multidão e fui tomada de um desespero tal que fiquei surda. Discretamente, segurei a mão do meu namorado e a apertei com força, porque precisava de algo pra me deixar no chão, pra me deixar firme, pra me lembrar que eu devia continuar viva, que não deveria pedir pro meu coração parar.
E então foi isso. Fiz meu papel, sorri, fiz de conta. E vinte minutos depois eu estava no chão, chorando o que eu não tinha chorado durante muito tempo. Minha máscara estava no chão, rachada de fora a fora, porque eu fui arrogante, porque eu cheguei a pensar que um dia eu chegaria a te chamar a atenção. Você estava companhada de pessoas tão bonitas e interessantes e inteligentes, que eu me achei tão feia, tão feia, tão feia e tive vontade de me atirar de um penhasco. Não era ciúmes... Eu acho. Pela primeira vez, eu reconheci a tolice de tudo aquilo e desejei que você não fosse tão bela. Desejei acordar. Desejei me despir na tua frente, bater no meu peito e gritar que eu era aquilo e que a monstra era eu. Senti o peso de tudo o que eu fingia ser, descer sobre mim e o quanto aquilo me deixava transparecer tão mal o que eu queria ser."

A sintese do Meu mundo. Meu mundo?

Meu mundo é cheio disso, de toda essa merda. Porque mesmo aqui, quando escrevo isso eu não consigo falar tudo o que eu quero, da forma que eu quero. Porque tudo o que eu escrevo aqui eu desejo que tenha atenção, porque eu quero a aprovação e quero o julgamento.
Porque acima de todas as outras coisas, eu conscientemente sou um animal indefeso esperando que a fera me arrebate. E conscientemente eu passo através dele e não crio raízes.

E eu sou uma tola por ter tudo isso, e não consigo conviver com o silencio. O meu silencio que é cheio de tudo, o meu vazio que é cheio da tua voz me chamando.






E eu te desejo, impotentemente, como homem.
Eu te quero, dolorosamente, como mulher.

Um comentário:

  1. os humanos mentem e é tao doce, tao doce...
    esta é uma epifania:
    eu nao me importo, se mentem é por que os motivos existem. e se existem, está nas maos, no movimento dos braços, no derrear de ombros, os olhares mais perdidos...durante o leve tombar de um corpo.
    ouço a respiração, percebo tremores que quase nao existem.
    nao parece doce?
    eu respiro e sorrio, faço qualquer outra coisa, os deixo a vontade, sempre e sempre.
    abro armários, fecho portas, junto coisas invisiveis. e...
    fujo dos olhos, por que,quando mentem, a imagem que vejo é só o que eles veem no momento da mentira. eu.

    nao suporto me ver, nao suporto a minha imagem.
    as vezes, o mundo me é tao claro, que parece que perderei a minha luz, ou... que a unica que existe sou eu, e todos encenam uma piada grotesca... piada que sempre sei o inicio, meio e fim.

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