29/09/2007

Duas de mim (Sempre Irônicas)


Como eu gostaria que as coisas acotecessem de uma forma mais simples, como a água simplesmente correndo num rio, que não houvessem tantas curvas no leito, tantas pedras... Que minha cabeça fosse menos complexa e que tudo parasse de se misturar e confundir. Eu vivo na divisa entre o rio e o mar. Eu deságuo no oceano, eu sou o oceano. Eu me sinto fechada pra tudo o mais e ao mesmo tempo aberta e infinita no horizonte de maresia.

Às vezes eu tento parecer coerente, ao menos uma vez. Às vezes eu consigo, mas na maioria das vezes eu sou apenas uma criança falando sem parar as coisas que me aparecem na cabeça, de uma forma absolutamente vazia e nem sempre inocente.
Às vezes eu tento parecer incoerente, ao menos uma vez. Às vezes eu consigo, mas na maioria das vezes eu sou apenas uma velha medindo o que dizer, pensando e rancorizando tudo o mais, sempre desconfiada, protegendo-se da própria sombra, da própria voz, mas nem sempre maliciosa.

É como se eu visse de duas formas tudo. Como duas loucas sempre rindo de mim no final. Enxergar com ciúmes e inveja, tudo o que me rodeia (ela?). Algo como "por que eu não sou assim?" ou "por que (ela) é sempre assim?". São meus dois lados, o lado que morre de um ciúmes estúpido sem fundamento e o outro que morre de uma inveja absurda, com uma raiva represada e um desprezo angustiante. Ambos errados, errôneos, imperfeitos, calejados e cansados. Como se sempre ocorresse a mesma pergunta com a mesma entonação chorosa: "Por que eu?"
Maldita pena de mim mesma.


E eu gostaria de ter o mesmo talendo, o mesmo perfume, o mesmo encantamento, as mesmas roupas, o mesmo azar (!), as mesmas companhias, o mesmo mistério, a mesma pele, a mesma dor, o mesmo passado, e a fala e o gosto e tudo o mais.



"Sim, sei bem
Que nunca serei alguém.
Sei de sobra
Que nunca terei uma obra.
Sei, enfim,
Que nunca saberei de mim.
Sim, mas agora,
Enquanto dura esta hora,
Este luar, estes ramos,
Esta paz em que estamos,
Deixem-me crer
O que nunca poderei ser."
Ricardo Reis

22/09/2007

Dogma-mor

Como a essência que me persegue desde muito pequena, ao nunca querer ficar apenas por cima, nas aparências, eu sempre perguntava o porquê das coisas. Ao ouvir um "Porque sim, Jéssica!" sempre ficava muito chateada. Isso não era resposta, ora bolas! As coisas não são simplesmente como são e pronto... Elas têm um porquê!
Quando me perguntavam o porque das coisas tentei nunca falar "Porque sim!". Eu sempre fui além, eu sempre dei mais, mais como algo que eu gostasse (e inconscientemente esperasse) que fizessem comigo do que por realmente saber o porquê de tudo. Quando eu não sabia responder (e isso acontece o tempo inteiro), simplesmente dizia "Não sei" e então eu perguntava pra quem sabia, fossem livros ou pessoas. E é assim até hoje.
Eu não sou humana o suficiente pra um simples "Não pergunte, apenas aceite". Nunca funcionou comigo. Nem acho que vá funcionar tão cedo.
As pessoas me conhecem bem quando querem, nada lhes é escondido, nunca. Eu sei, pode ser um grande erro que eu vá pagar mais na frente, ser assim tão exposta, mas... Não consigo ser diferente.
E às vezes eu sinto que exijo demais das pessoas. Elas não têm o dever de expor suas vidas à mim. E nem eu tenho o direito de esperar demais de ninguém. Todos saem machucados quando a troca não é recíproca e disso eu sei bem. É como se eu estivesse nua andando por uma rua em que todos estivessem muito bem vestidos e tapados, e exigisse que todos também estivessem nus como eu.
Doce loucura. E um arzinho batendo nas partes baixas.


O grande problema agora, é aceitar que nem todos são assim, sem perguntar o porquê.

19/09/2007

Seja bem vinda ao Vôo de Sua Vida


- Sente-se e mantenham-se calmos. Passaremos agora por uma zona densa de brigas e discussões com possibilidade de ofensas graves e perda de respeito mútuo. Nada do que qualquer um dos passageiros disser (que seja abaixo da racionalidade) nesse período será levado em conta, devido à tensão que é estar em um vôo potencialmente mortal. Tentem permanecer em seus assentos, visto que quanto menos quedas e ferimentos, melhor. Em breve deveremos estar de volta à nossa rotina normal de vôo, contando com o menor número de mortos possível. Obrigada :]

Tá. Eu gostaria de ser avisada sobre possíveis turbulências na minha vida.

15/09/2007

Da Carta Escrita que Nunca Foi Remetida

Eu não espero que algum de vocês leia. Sinceramente, só me importa que isso conste nos autos quando eu for julgada antes de ir parar no inferno.
E espero que isso fique aqui por muito tempo, mais como um lembrete a mim mesma (mais um?), do que como uma carta que nunca foi realmente escrita ou remetida.
Que isso fique aqui como uma prece,
vinda da minha mais profunda parte insensata
.
("...)
Que todos os dias sejam dias bons e claros para vocês dois.
Que vocês aproveitem todo o tempo que têm juntos e que não deixem um do outro, porque são opostos, mas iguais.
Não deixem ninguém invadi-los e parem de invadir-se. Acreditem cegos um no outro, como eu não consegui acreditar, como eu me recusei a ter apenas uma meia verdade, e que cansei de apenas acreditar e nada mais. Tornem-se cativos um do outro e zelem sempre! Não façam como eu, que um dia fui inteira coração, que inteira palpitei, me precipitei, que fiz papel de boba por tanto tempo, tanto tempo... Que por tanto tempo sofri sozinha por estar errada, que por tantas vezes me contestei e perdi o sono e lamentei por não ter feito diferente.
Eu, que não soube me controlar, que não soube represar tudo aquilo, não mais. Haveria de estourar um dia (eu me lembro de ter profetizado isso), e estourou. Tudo se desfez e a minha voz mudou e meus olhos escureceram, e então tudo saiu do meu alcance. E eu senti como se não tocasse no chão... Eu ouvia aquele riso na minha cabeça e meu rosto vermelho doía de vergonha. Tudo o que eu sinto é intenso, sempre, e vocês sabem disso.
Eu corri pro escuro porque era como se eu não tivesse pálpebras (e afinal, é sempre assim!), como se eu visse e vivesse tudo de novo (e era real, eu via!), repetindo-se milhares e milhares de vezes, e o som... E a sensação... Eu queria fechar meus olhos, mas minha mente tornava a lembrança tão próxima, tão próxima! Eu via! Eu vi! Eu não pude controlar tudo aquilo... Eu não consegui...

Por favor, eu peço. Fiquem juntos, e que tudo isso sirva para aproximar vocês dois, porque pra mim acabou. Eu sempre quis um motivo real pra me afastar, porque sim, eu sempre acho que as pessoas são melhores sem mim. E eu tenho um talento nato pra estragar as coisas! É uma coisa que vem de dentro.
E sou dramática, fazer o quê? Se vocês me conheceram sendo de outro jeito, que atirem a primeira pedra!
E se hoje eu vivo uma mentira, andando como um fantasma infeliz em um mundo construído sob as ruínas da minha fortaleza, eu só estou fazendo a minha parte. Sejam boas crianças, façam as suas.

Não pensem que não dói, porque eu os amo, mas acreditem, vai ser melhor assim.
Eu sempre fui o centro, a cola, um ponto de equilíbrio (errôneo) entre os dois mundos. Quase como o meio dos três. Eu sempre fui uma espécie de demônio mutável que transitava entre o Mundo Inconstante dos Mistérios Inomináveis e o Vale Liberto das Cores Vivas, mas sem nunca conseguir ter uma própria casa. Vocês não precisam mais de mim. E eu estou tentando não precisar mais de vocês.
Que me deixem construir minha própria Terra, minha própria história. O meu próprio lugar seguro, longe dos abraços e da atenção estúpida que eu (imatura) sempre precisei. Se me provaram que podem ser auto-suficientes, eu também posso, não posso?
Deixem que meu cais seja vazio, mas que seja meu, e que lá eu tenha certeza de estar sozinha e feliz. Mesmo que em mim, isso seja uma mentira. Um placebo pra minha mente esgotada, que eu recebo com um sorriso de alívio e os braços abertos.

Em mim não há mais raiva. A raiva não passou, mas não permaneceu.
A raiva não passou, mas tornou-se outra coisa. O que eu sinto é um enjôo, um enjôo denso, que me faz salivar grosso, um asco, uma mágoa indefinida, como uma pedra no estômago, com um gosto agre na boca. Um nojo de qualquer coisa, um desprezo absoluto, uma agonia imperfeita, um buraco mal-feito no meio da barriga, como se um tiro de canhão me tivesse atravessado e eu sentisse o gosto e o cheiro da pólvora ainda morna.
Paciência se eu não consigo sobreviver assim, mas é quase insuportável pra mim. Me desculpem, mas não dá mais.

Minha vó foi quem me ensinou, desde quando eu era muito pequena, uma das coisas mais verdadeiras que eu provei na vida (e que eu ainda não digeri nas minhas aulas de filosofia barata, vinda de quem tem experiência no assunto): Ninguém é insubstituível. Nem vocês, nem eu.
"- Minha filha... Sempre haverá alguém mais inteligente, mais bonita, mais amável e mais amiga do que tu. Não te espanta o dia em que tu for esquecida, porque tu não é a melhor ou a única, e nunca vai ser!"
As pessoas são substituídas todos os dias. Todos os dias. Às vezes mais de uma vez. E vocês deveriam aceitar isso, porque foi provado, e não é privilégio de alguns, mas de todos.

Talvez eu esteja errada sobre tudo isso. Talvez eu acorde daqui a cinco minutos e veja vocês dois ao meu lado, assustados porque não conseguiam me acordar de um pesadelo.
Talvez eu ainda sinta saudade de vocês quando estiver bem velhinha, ou que reveja tudo o que passou um segundo antes de morrer e que me arrependa amargamente de não ter conseguido abraçá-los e amá-los e aproveitá-los tanto quanto fora possível.
Talvez a gente se encontre mais na frente, em uma outra vida, quem sabe, como eu acho que a gente já tenha se encontrado por aí outras vezes.
Quem sabe tudo isso nunca tenha existido... Quem sabe a gente faz parte de um jogo idiota em que as peças sejam movidas por um grande macaco de cérebro atrofiado.

E pela enésima vez eu ouço (vindo sempre de pessoas que julgam me conhecer): "Tu te preocupa demais com tudo."
Desculpa. Eu não sei não me preocupar demais.

E eu prefiro acreditar em uma mentira possível, do que em um sonho irrealizável.
Eu sou pequena em mim, perdida e sozinha. E sinceramente? Eu só jogo os dados porque o jogo pra mim já acabou, e não há mais perdas ou danos.
Eu perdi.
(...")

12/09/2007

Take your candy back


Reduzo-me a quase nada e refaço a história.
Releio o livro e desfaço-me das intruções para ter a minha própria versão dos fatos.
Nada me impede. Nada me impede agora.


Grito, giro, pulo elevando os braços ao céu de diamantes negros...
Nunca o meu carinho foi tão terno.
Eu nunca fui tão mais que eu. Eu sou a minha própria caçadora, minha própria presa.
Agora nada me impede, eu sou livre de mim, livre em mim.


Refeita agora, daquele baque surdo que destruiu minha fortaleza;
Esquecida agora, das cicatrizes de um coração mal-feito;
Desfeita agora, do movimento frenético dos olhos dentro das órbitas...

Eu sou minha.



"You're on your own now
We won't save you
Your rescue-squad
Is too exhausted

And if you complain once more
You'll meet an army of me"

(Army of me - Björk)

10/09/2007

Doce Teimosia

Que me digam que eu não devo ser teimosa assim, pra ver o que acontece. Deço do salto e rodo a baiana. Chega de ficar quieta. Cansei dessa vida mesquinha.
Ninguém tem o direito de me dizer o que fazer, ou com quem falar, ou o que falar. Não mais. Estou cansada de tolerar e relevar sempre. Agora chega, de verdade.
Estou afim de provar pra mim mesma que posso conviver com rancor, com uma raiva estúpida que dá e passa, que arrasa tudo e então se extingüe como se nunca tivesse existido. Uma raiva rancorosa que às vezes se mostra muito necessária, pra me lembrar das cicatrizes, que às vezes me provocam amnésia. Uma amnésia bem conveniente para alguns. Uma amnésia que me deixa vulnerável e tola, como nunca.
Agora eu estou vacinada, baby. Ninguém mais passa por cima de mim.

É orgulho sim. Eu sei.
E estou aprendendo a gostar.

Give myself back.

05/09/2007

Luz morna e Saudosismo

A casa vazia, a poeira sobre os móveis. Ela pega sua xícara de chá e bebe lentamente ao olhar através da vidraça antiga o pobre jardim abandonado. Há muito que não ia àquela casa, tão cheia de vida quando ainda havia amor. Quando ainda havia alguém.
Lembrava-se de quando a casa ainda lhe parecia gigantesca sob os pezinhos em sapatos pequeninos. Lembrava-se do cheiro do leite quente que a ama lhe levava toda manhã, lembrava-se da sensação de andar pelo jardim ao anoitecer e de como lhe assustava o fato de poder perder-se naquela imensidão. Lembrava-se saudosa das conversas solitárias com as flores da janela, de como ela lhes segredava histórias inventadas, de como elas pareciam entender seus sussurros de criança. Lembrava-se da água cristalina jorrando farta da fonte de mármore, e de como gostava de observá-la da janela do quarto. Sentia saudades do calor da lareira e de como os cães deitavam-se aos pés de seu pai quando ele lia seus grossos livros de filosofia na poltrona alta. Sentia saudade do perfume dos cabelos longos de sua mãe e de como ela se arrumava elegantemente antes de cada jantar, sempre vaidosa.

Agora tudo se fora.

Já não havia mais ninguém lá.
Nem o sol do fim da tarde penetrando as janelas altas traziam algum calor àquele lugar.
Uma casa vazia. E agora era dela.

E ela, saudosa dos tempos de criança, se dava a chance de ser feliz sozinha novamente, como fora há muito tempo.Ela e ela mesma, nos seus sapatos pequeninos e seus sussurros de criança.