03/12/2012

La Lettre


Me deitei no chão de madeira esperando que o sol se virasse pra tocar a ponta dos meus dedos. Um gato ronronava perto do meu ouvido.
Mas perdi o tino e acordei assustada com uma claridade assustadora gritando nos meus olhos marejados de sono.

Me levantei, meio sem saber onde estava e por debaixo da porta que dava pra rua, vi que alguém passava rápido, colocando um envelope na caixa do correio. Corri, mas os passos da pessoa foram mais rápidos que o meu e eu a perdi de vista. Abri a porta com um estrépido, tropecei com os pés descalços no concreto quente da rua, abri o correio com as mãos desajeitadas... E lá dentro havia uma carta, limpa... Sem nada escrito, sem remetente, sem destinatário.



E dentro dela, um papel em branco.
E tudo o que eu pude sentir foi um inesquecível cheiro de flor.

19/11/2012

E eu aqui pensando

na vida e em como meu corpo é errado e estranho e em como se modifica sem que eu tenha real controle...
... e alguém cantando insistentemente "don't worry, be happy".


E a vida é cheia dessas ironias.
Mesmo que de uma forma meio doentia... Eu ri.


"In your life expect some trouble
When you worry you make it double
Dont worry be happy"

14/11/2012

Stuck in reverse

Me desculpe, meu amor, se eu vim numa caixa amassada. Se o laço estava desfeito e a caixa estava violada. E lá dentro, solta com os acessórios revirados, eu estava quebrada.
Me desculpe, meu amor, se eu sou um brinquedo quebrado.

Os braços prum lado, as pernas pro outro, e eu vou procurando uma unidade que eu nunca vou ter com meu corpo. Os cabelos desfeitos e a roupa amassada, essa boneca que tinha tudo pra ser a tua favorita, estragada num manuseio errado.

Me usaram, me maltrataram, me machucaram. Meu amor, me desculpe, se a vida te deu uma boneca assim, defeituosa. Se no passado alguém abusou dessa boneca, que vai sempre achar que o corpo dela é um corpo errado.

Talvez ela não sirva mais pra brincar.
Eu sou um brinquedo quebrado e sem conserto.


07/11/2012

O peso dos livros, e meu coração que pesa


Esse calor que me mata, enquanto eu carrego uma sacola cheia de livros que insiste em cortar minha mão direita. Com a mão livre reviro os livros usados de um estande na feira. Minhas costas doem. Meu corpo dói. Minha cabeça pesa. Minha mochila pesa.

E meu coração... Esse eu já perdi de vista faz tempo.
Foi embora, embora enquanto eu escrevo cartas pra que ele volte.

E lá no fundo da feira, num palco improvisado patrocinado por um supermercado qualquer, um tango começa a ressoar num quarteto de cordas. Infinitamente, imponentemente, maravilhosamente é como se Por una cabeza me empurrasse rumo ao que eu precisava. E me trouxe meu coração de volta, cheio de nostalgia. E dor. E um peso quase insuportável.

E naturalmente eu vou às lágrimas.
Vou ás lágrimas porque amo tango, amo cordas, amo música. Amo livros, e amo essa cidade suja e as pessoas que estão aqui. Amo a saudade que eu sinto de poder compartilhar isso com alguém, e amo saber que, por mais que eu procure... eu sei que somos, afinal, insubstituíveis.


"Si ella me olvida
Qué importa perderme
Mil veces la vida,
Para qué vivir"

30/10/2012

The floating lady


Sentir que tua mão puxa meu ombro pra baixo, fazendo com que meus pés toquem o chão.
Ainda assim, flutuar infinitamente sem rumo.

Me dar uma chance.
Construir algo.
Ser, somente.

19/08/2012

São cinco da manhã...



... de uma noite atípica de Agosto.

Eu ainda estou um tanto embriagada, pela bebida, pelas luzes, pela música e pelas pessoas. Eu não pertenço à esse lugar. E essa sensação de vazio infinito não me pertence.
Cometi um erro, um GRANDE ERRO e voltei naturalmente a acreditar que há uma punição por confiar tanto nas pessoas. Uma garota me levou ao banheiro, apagou as luzes, me beijou... Arrancou minhas roupas. Me machucou. E eu não pude me defender... A maldita bebida fez com que ela confundisse gemidos de prazer em vez de gemidos de dor. Ainda dói. A que preço? Acabei por fingir um prazer que não existiu, camuflei uma dor que me atingiu como uma lâmina afiada entre as pernas. E a ironia é que ela não me deixou tocá-la. Eu fingi bem e consegui que ela parasse. Eu, dona do meu corpo, dona do meu próprio prazer... Roubada do direito de dizer não. A que preço?

Eu, com um corpo fragilizado pela condição de ser mulher, ela, com as mãos sujas de sangue e um sorriso irônico no rosto... Eu, me olhando num espelho revelador de banheiro de boate, me sentindo suja, usada, bêbada. "Eu avisei que eu estava nos meus dias"... "É, avisou"....

"Qual é o teu nome mesmo?" - ela ainda chegou a me perguntar. A bebida não me preservou. Revelei nome, número de telefone... "Não vou bancar a cafajeste contigo. Vou te ligar amanhã". Ela foi embora, eu chorei. Chorei por me sentir sozinha. Chorei por sentir dor. Chorei uma inocência que eu achei que não existia. A que preço? Talvez minha punição deva ser conviver ainda por um tempo com as malditas três sensações (que há muito tempo eu havia esquecido como eram): DOR, VERGONHA e CULPA.

São cinco da manhã de uma noite atípica de Agosto e eu perco um pouco mais da minha fé na humanidade.

25/07/2012

Aprendi...


... que amor também é escolha.
E existe sim, um momento, uma bolha de ar, uma encruzilhada em que é possível optar por amar ou não amar. Entre o se entregar e o resistir.
E que temos que fazer muitas e muitas vezes essas escolhas ao longo da vida.

Aprendi que essas escolhas às vezes são precipitadas, às vezes são feitas com consciência, mas sempre, sempre... Sempre vão ser solitárias.
E que assim como tudo na vida, não têm volta.

06/07/2012

Meia-noite

Estranho como eu precisei por tanto tempo de alguém dizendo que me amava
e agora eu precise de alguém dizendo constantemente que não me ama.

01/07/2012

Sobre chegadas e partidas

É isso, a vida é feita de infinitos recortes e retalhos. Essas crianças criam asas, voam pra longe de casa, tomam o mundo, abraçam a vida. Eu fico aqui, ainda, sorrindo... Vendo esses vôos altos... Do chão.
Eu consigo me sentir perfeitamente triste e saudosa. Nostálgica às vezes.
Pensar que fui abandonada, me sentir uma vítima das circunstâncias, porque é fácil pensar assim.

...Mas... e quando a primeira a abandonar... fui eu?
Que direito eu tenho, afinal, de me sentir assim?


23/06/2012

Jogos Mortais



Hoje eu sofri.
Na frente de toda uma platéia séria, de sobrancelhas cerradas, fui chamada de coisas que nunca pensei ser chamada antes. Corei rosada, vermelha. Segurei um choro que trancava, que sufocava. Engoli uma saliva viscosa que teimava em atravancar na garganta. Do vermelho pro roxo, do sorriso pro desespero. Desespero. Sorri nervosa, disse que desistia. Eu não sei brincar disso. Eu não sou forte o suficiente, nem engraçada, nem nada. Eu não sou nada. Quero ir embora.



Me fizeram ficar. Me fizeram encarar os olhos inquisidores.
Meus olhos davam uma volta completa e encontravam o chão. Copiosamente, concreto cinza e vergonha.
No meu ouvido, apenas vento e pássaros. Nos meus ombros todo um peso de estar sendo julgada.
Uma lágrima me fazendo cega. Não caiu no chão, não rolou no rosto. Nem secou. Ficou ali, se fazendo pesada e visível num rosto deformadamente ridículo. Uma máscara. Uma máscara ridícula.



Isso não é um drama. Supostamente isso é uma comédia. E eu estava mesmo sendo patética.
Um passo de dança. De novo. Ninguém riu. De novo, faz de novo. "Isso é graça? Porque ninguém tá rindo"
Então um pavão. Um pavão fêmea. Um pavão fêmea em acasalamento. "O que?"

Uma risada despreocupada; Lá no fundo outra. Até que eu escorregasse na mentira, afinal eu não sou um pavão. Um chingamento aleatório, o ego, minha amiga, o ego sempre fode a gente quando a gente não quer.






Declaro aberta a temporada de Jogos Mortais. Teatro é máscara, mas também é desconstrução.
"Te senta, Jéssica. A gente tá só começando"

11/06/2012

We can dance forever


Aspiro com força teu perfume forte, ouço ele batendo fundo na minha cabeça enquanto eu fecho meus olhos, sinto o aroma fazer uma volta longa no meu pulmão, pegar denso no meu peito. São milésimos de segundo em que a ponta do meu nariz encontra a curva sensual do lóbulo da tua orelha bem feita.
Se eu me desviasse talvez, baixasse meu olhar por um segundo, o mundo pareceria menos real. Você tira uma mecha de cabelo da minha bochecha que eu deixei cair de propósito. Passa a mão morna no meu rosto, acaricia minha nuca, sorri, dança comigo, espreme teu corpo contra o meu num abraço que varia entre o protetor e o carente. Mas eu sei o que acontece na minha frente, vejo meu reflexo brilhante nos teus olhos de álcool, vejo tua intenção e sorrio. E eu cada vez mais aprecio.
Estendo o braço, pego na ponta dos teus dedos macios e eles deslizam pra longe. Isso se repete infinitamente, e no final, dormimos exaustos de uma noite de festa e nossas mãos continuam entrelaçadas.

Eu me acordo assutada, teu perfume ainda na minha cabeça, tua mão ainda na curva das minhas costas.
Você vai embora, se despede com um novo abraço apertado, um "se cuida, criança" e parte pra casa em meio à alguns tropeços sem ritmo.

Eu não sei se me preocupo com você, e no final, deito e durmo tranquila enquanto meu telefone toca enlouquecidamente. Alguém me liga. É você. Mas é o vinho me ligando. Você quer dizer que me ama, que me quer ao seu lado. A música do celular entra nos meus sonhos até que eu deixe de percebê-la. Mas eu não atendo...




E tudo fica bem, no final.
Eu não me importo, você se esquece.

Da porta pra fora, a amizade manda lembranças.

10/06/2012

Kiss me, Kate!



You're chatting to me, like we connect
But I don't even know if we're still friends
It's so confusing,
Understanding you is making me not want to do

And think things like 'I know I should do'
But I trip fast and then I lose
I hate looking like a fool

I just want your kiss boy
(kiss boy, kiss boy, kiss boy)
I just want your kiss
I just want your kiss boy
(kiss boy, kiss boy, kiss boy)
I just want your kiss

The lights are on
And someone's home
I'm not sure if they're alone
There's someone else inside my head living there too
Fills me with dread
This paranoia is distressing
But I spend most of my night guessing
Are we not, are we together?
Will this make our lives much better?

I'm not in love
I just wanna be touched

I just want your kiss boy
(kiss boy, kiss boy, kiss boy)
I just want your kiss
I just want your kiss boy
(kiss boy, kiss boy, kiss boy)
I just want your kiss

Whoops, I think I've got too close
Cause now he's telling me I'm girl that he likes most
I messed up it's not the first time
I'm not saying you're not on my mind
I hope that you don't think I'm unkind

I just want your kiss boy
(kiss boy, kiss boy, kiss boy)
I just want your kiss
I just want your kiss boy
(kiss boy, kiss boy, kiss boy)
I just want your kiss

05/06/2012

Recado sincero de uma mulher que só quer sexo e nada mais


Garoto, você tem que ir. Não é nada pessoal. Bem, na verdade é. Mas é comigo. Não há nada de errado em você. Mas eu não costumo passar uma noite inteira com alguém. Tenho insônia diante da cama dividida. Por favor, me entenda. Você transa maravilhosamente. Sei que estamos nessa há umas três semanas e eu até agora não respondi romanticamente nenhum de seus SMS. Mas eu não quero me envolver além do corpo, sabe?


Não é para dormirmos de conchinha. Não quero dividir casquinhas de sorvete, presentes comuns ou travesseiros. Não é para eu conhecer a sua mãe e ouvi-la dizer todas as coisas que você gosta e ver as suas fotos de infância na qual você dançava quadrilha de chapéu e bigode pintado. Não quero conhecer o seu pai e vê-lo te olhar com cara de aprovação pelo “belo trabalho”. Não quero que você conheça a minha família, também. Eles te perturbarão com mil perguntas que tenho certeza que não está disposto a respondê-las. Então, pegue tuas coisas na sala e durma em sua casa, por favor.

Qualquer dia eu te ligo e a gente se vê para fazer alguma coisa carnal.

Nada de cinemas, teatros, passeios no shopping ou coisas assim. Andar de mãos dadas me sufoca como apertar diretamente a minha jugular. Relacionamentos cada vez mais acabam cedo. E o que restará para mim é um coração machucado e tuas camisas em meu armário. Não quero, sabe? Não quero ter que saber se você esta me traindo ou não. Se seus amigos gostam de mim ou não. Não quero ter uma música romântica que cisma em tocar em qualquer lugar e eu me alegre por lembrar de você. Não quero encontrar fios do teu cabelo em meu travesseiro e sorrir como uma boba. Não quero encontros no meio do dia que me deixarão com seu perfume impregnado em mim durante o dia todo. Não quero beijos naquele museu interessante porque eu quero poder ir lá sozinha e não lembrar de você. Não quero sentir saudades quando você se atrasar para chegar em casa.

Não quero andar no teu carro e ver você colocar a mão na minha coxa esquerda enquanto dirige e isso me parecer o cinto de segurança mais perfeito do mundo. Não quero chorar quando for se cansar de mim de ir embora. Não quero canecas, nem chás. Não quero que você venha cuidar de mim quando estou gripada. Nem que venha com milhões de piadas e me fazer brilhar os olhos quando eu estiver menstruada. Não quero fotos, cartões, chocolates. Nada disso. Nosso mundo é este colchão aqui e só. Portas abertas e corações fechados.

Segue teus dias, que sigo os meus. A gente se vê. Ou não.

28/05/2012

Me parece

...que hoje eu vivo uma outra vida.


Me parece que hoje eu aceito tudo como se sempre me tivesse sido natural dizer sim às pessoas e às coisas.
Perdi o medo. Perdi a vaidade. Perdi o pudor.
Mudei de nome, mudei de corpo, mudei de vida.
Em algum momento perdido me arrancaram a alma, e eu deixei de estar aqui, presente. Mas sabe, eu ainda me encontro em cada esquina, então, eu ainda me espero. Eu me vigio, ainda que de longe.

E depois...
Depois eu me recebo de peito aberto, com um abraço de velho amigo e desejos renovados. Um beijo na testa, um "boa noite" sussurrado e um pouco de loucura e desapego a mais na bagagem.

20/05/2012

J'ai tellement besoin d'amour

Respirei fundo, subi e desci as escadas um milhão de vezes, parei de sentir os lábios e as pontas dos dedos das mãos.
Dancei até não sentir mais os joelhos, sorri até me doer o rosto. Um noite feita de doces corpos sem nome, de alguns beijos perdidos em uma multidão que me levava adiante e talvez um par de olhos amendoados me olhando timidamente.
Luzes na minha mente, inundando salgado o rio calmo que eu fui. Talvez eu só esteja apaixonada. Apaixonada por essa nova vida, tão macia e cheia de possibilidades.

Me chama novamente com esses teus olhos inocentes,
vamos passear sob o pôr-so-sol.

14/05/2012

The sun will warm our souls

Dançar num derrear infinito de retornos, tocar seus rostos breves de inocência.
Erguer meu corpo acima do limiar dos sonhos, conhecer talvez mais um ou dois pares de pés brancos tensos em saltos impossíveis.
Colar meu lábio entreaberto na fronteira macia da lembrança... Talvez mais alguns dias, meses... Ver esse teu sorriso mais uma vez, insano nos meus braços. Esse permanente derreter de inverno intenso.
Sentir suas cinturas sufocadas num doce puxar de tecidos e metais, sentir suas respirações entrecortadas ao deslizar as amarras no cetim. Ensurdecer ao som dos trompetes, dormir e acordar e dormir nesse constante embriagar de desejos.
Me permitir ser carregada escada acima, num infinito perder e encontrar de olhares. Contar as estrelas do céu um trilhão de vezes, buscar o erro, respirar o doce escorregar e cair do que é ser humana.
Pressionar as palmas das minhas mãos sobre seus ombros, um beijo talvez... "Eu ainda te admiro e te respeito. Talvez... Talvez... ainda mais do que antes, mais do que nunca."


12/05/2012

A vida é feita de lembranças e promessas, de vislumbres, de sonhos que não se realizam e de constatações sobre uma realidade que talvez nunca tenha ocorrido.

Somos todos crianças ainda, e apenas crianças mais velhas.

05/05/2012

Ausência


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinícius de Moraes

28/04/2012

Diamonds of light


Soltar, devagar, a corda que nos prende,

até o limite,

 pra no instante seguinte amarrá-la no próprio pescoço.




Enforcada eu estou livre.

27/04/2012

Pedi por tantos anos...

...que isso acontecesse, de fato.
E me sinto um tanto culpada, por de alguma forma ter acontecido tão tarde.
Porque eu pensei por muto tempo que eu era forte, mas descobri o que era minha fraqueza.
E é isso: silêncio e renovação, algumas noites mal dormidas e um pouco mais do prazer de estar viva.









Talvez, finalmente eu tenha me transformado em um monstro.
E talvez, finalmente, eu não me importe.

07/04/2012

It justs sex and violence, melody and silence...



Bittersweet Symphony

'Cause it's a bittersweet symphony, this life
Try to make ends meet
You're a slave to money then you die
I'll take you down the only road I've ever been down
You know the one that takes you to the places
where all the veins meet yeah,

No change, I can change
I can change, I can change
But I'm here in my mold
I am here in my mold
But I'm a million different people
from one day to the next
I can't change my mold
No, no, no, no, no

Well I never pray
But tonight I'm on my knees yeah
I need to hear some sounds that recognize the pain in me, yeah
I let the melody shine, let it cleanse my mind, I feel free now
But the airways are clean and there's nobody singing to me now

No change, I can change
I can change, I can change
But I'm here in my mold
I am here in my mold
And I'm a million different people
from one day to the next
I can't change my mold
No, no, no, no, no
I can't change
I can't change

'Cause it's a bittersweet symphony, this life
Try to make ends meet
Try to find some money then you die
I'll take you down the only road I've ever been down
You know the one that takes you to the places
where all the things meet yeah

You know I can change, I can change
I can change, I can change
But I'm here in my mold
I am here in my mold
And I'm a million different people
from one day to the next
I can't change my mold
No, no, no, no, no

I can't change my mold
no, no, no, no, no,
I can't change
Can't change my body,
no, no, no

It justs sex and violence melody and silence
It justs sex and violence melody and silence
(I'll take you down the only road I've ever been down)
It justs sex and violence melody and silence
(I'll take you down the only road I've ever been down)
Been down
Ever been down
Ever been down
Ever been down
Ever been down
Have you ever been down?
Have you ever been down?
Have you ever been down?

02/04/2012

Eterno looping de alguém na fossa


Doeu. Como sentir a pele do peito rasgando enquanto meu coração se consumia em chamas vis. Derretendo, devagar e dolorosamente, por meses, até que eu assoprei a brasa e ela se extingüiu.
Foi como me atirar de um abismo, como prender a respiração até o limite. Como dar um mergulho em águas profundas e não saber nadar. Tudo escuro e claro ao mesmo tempo. E eu perdi, é claro. Perdi uma parte de mim, perdi uma parte do meu chão, perdi uma parte do meu mundo real.
Hipocrisia falar que continuaremos amigos, isso não existe. Triste pensar que ao perder um namorado, também joguei fora meu melhor amigo, mas suporto resignada uma escolha que eu mesma tracei. A opção foi minha. Resignação é a palavra.

E eu choro. Choro por tudo de ruim que causei a ele nesses últimos quatro anos, choro pelo tempo que esperei uma mudança que nunca veio. Choro porque estou cansada. Lamento porque estou de mal comigo mesma. Bebo de um copo com puro álcool e danço pra expulsar os demônios que me fazem não dormir. Danço num eterno devaneio. Sofro num eterno derreter de dentro pra fora.

Não é arrependimento, ainda é cedo.
Só acho que mereço um pouco de paz, livros e fossa por uns tempos.

30/03/2012

O amor não acaba, nós é que mudamos


"Um homem e uma mulher vivem uma intensa relação de amor, e depois de alguns anos se separam, cada um vai em busca do próprio caminho, saem do raio de visão um do outro. Que fim levou aquele sentimento? O amor realmente acaba?

O que acaba são algumas de nossas expectativas e desejos, que são subtituídos por outros no decorrer da vida. As pessoas não mudam na sua essência, mas mudam muito de sonhos, mudam de pontos de vista e de necessidades, principalmente de necessidades. O amor costuma ser amoldado à nossa carência de envolvimento afetivo, porém essa carência não é estática, ela se modifica à medida que vamos tendo novas experiências, à medida que vamos aprendendo com as dores, com os remorsos e com nossos erros todos. O amor se mantém o mesmo apenas para aqueles que se mantém os mesmos.

Se nada muda dentro de você, o amor que você sente, ou que você sofre, também não muda. Amores eternos só existem para dois grupos de pessoas. O primeiro é formado por aqueles que se recusam a experimentar a vida, para aqueles que não querem investigar mais nada sobre si mesmo, estão contentes com o que estabeleceram como verdade numa determinada época e seguem com esta verdade até os 120 anos. O outro grupo é o dos sortudos: aqueles que amam alguém, e mesmo tendo evoluído com o tempo, descobrem que o parceiro também evoluiu, e essa evolução se deu com a mesma intensidade e seguiu na mesma direção. Sendo assim, conseguem renovar o amor, pois a renovação particular de cada um foi tão parecida que não gerou conflito.

O amor não acaba. O amor apenas sai do centro das nossas atenções. O tempo desenvolve nossas defesas, nos oferece outras possibilidades e a gente avança porque é da natureza humana avançar. Não é o sentimento que se esgota, somos nós que ficamos esgotados de sofrer, ou esgotados de esperar, ou esgotados da mesmice. Paixão termina, amor não. Amor é aquilo que a gente deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto for bem-vindo, e que transferimos para o quartinho dos fundos quando não funciona mais, mas que nunca expulsamos definitivamente de casa."




Martha Medeiros, que ainda de vez em quando consegue completar minhas frases quando minha palavras calam.

25/03/2012

Mea Culpa

"Não é infrequente que as mulheres, entre o homem que amam e o homem que as ama, acabem por escolher aquele que as ama. Ao risco de de amar preferem a certeza de serem amadas...





Porém, também chamam a isso amor."




- Francesco Alberoni, em "O Erotismo - Fantasias e realidades do amor e da sedução"

20/03/2012

The bird girl

"Histórias, assim como pessoas, borboletas, ovos de aves canoras, corações humanos e sonhos, também são coisas frágeis, feitas de nada mais forte ou duradouro do que 26 letras e um punhado de sinais de pontuação. Ou então são palavras no ar, composta de sonhos e idéias – abstratas, invisíveis, sumindo no momento em que são pronunciadas -, e o que poderia ser mais inútil do que isso?
Mas algumas histórias, pequenas, simples, sobre gente embarcando em aventuras ou realizando maravilhas, contos de milagres e de monstros, duram mais do que todas as pessoas que as contaram, e algumas duram mais do que as próprias terras onde elas foram criadas."

- Neil Gaiman in “Coisas Frágeis”

08/03/2012

E eu tenho essa tendência louca

... de sempre achar que todas as pessoas precisam de mais uma chance. E de novo, e de novo, eu não mudo.


Seria tão mais fácil, tão mais simples, tão menos complexo e pesado de alguma forma simplesmente deixar de me importar... Mas eu não consigo.


Sorrir e fingir que me importo, enfim.

10/02/2012

Buried alive

Eu tenho pensado em me consumir, em me anular.
Em abrir os braços não pra abraçar, mas pra ser abraçada.
Em fechar os olhos que chamo de meus e de abri-los pra fora.

Tenho pensado em trocar meus vícios por outros prazeres.
Em deixar de ser, em aproveitar o estar.
Em usar a eloquência dos loucos, pra dizer que eu não estou mais em mim, faz tempo.

Nesse momento, gostaria sinceramente de ser absorvida.
De ser engolida, engolfada, levada embora.
De pegar meu coração quente na mão e apertá-lo como uma garra até que pare de bater.


E em talvez, enterrar-me na terra úmida e fresca da próxima primavera.

01/02/2012

Burn!


É interessante pensar que a imagem que ele tem de mim é de alguém sempre no limiar da loucura. Sentada no chão, abraçando os joelhos e os olhos crepitando de pensamentos confusos, como uma fogueira que teima em não apagar.
Quando ele disse que ia mudar eu sorri resignada e fingi que acreditei. Me levou pra uma volta no ar condicionado do carro, me pagou um Apfelstrudel e disse que se preocupava comigo. De novo eu sorri e aceitei. E ele me deu razão, uma razão que em quatro anos eu lutei pra manter, uma razão que se abria além de mim.

Mas eu errei... E sabe, errei feio.
Eu decidi demais. Assumi coisas demais. Por mim, por nós.

Bobagem minha ficar surpresa com a acomodação que surgiu com tudo isso. (E se essa minha tenacidade acabar?) A verdade é que eu desisti. Desisti de pensar que eu mudaria alguma coisa de verdade, desisti de tentar, acabei por me dar conta que o caminho da ajuda tem duas vias e que uma viagem dessas, sabe... Não se faz sozinha.

30/01/2012

Mi piace


Um café deliciosamente açucarado e uma torta de chocolate saboreada pedaço por pedaço. Luz indireta e o abençoado ar condicionado zunindo incoerente ao fundo. Talvez eu esqueça que estou encravada no meio do asfalto numa cidade que só cresce.
Vou botar minha melhor roupa de despreocupada, pentear os cabelos como se não desse bola, me maquiar com água corrente. E vou deixar o relógio em casa, junto com todas as coisas ruins da semana, logo ao lado da pilha de coisas que eu tenho que lidar em mim mesma todos os dias.

E uma compania inesperada, talvez, pra me lembrar da vida que eu vivia antes. Pra me afundar em coisas que eu não sabia, pra fazer secar as lágrimas que guardo no fundo da alma, pra completar o último passo dessa dança cuja música eu já sei de trás pra frente.

23/01/2012

Eu sabia...

...o que estava pra acontecer. Eu sabia, um ano atrás.
Nessa mesma época, em 2011, eu tive esse medo, porque não queria que acontecesse. E depois, me esqueci, pensei ser bobagem, todas as minhas previsões viam uma mudança que pra mim seria a curto prazo. Eu me esqueci porque então era só uma sensação, um medo primitivo, infantil. Medo do novo, medo do desconhecido, medo do escuro e do que há nele.

É engraçado, não é? Me lembrar só agora do que eu havia pensado e sentido lá atrás, num ano tão diferente, que me parece tão parte do passado que poderia ser 10 anos atrás. Mas está aqui, a mudança, própria, dentro de mim, viva e irreversível.
"Eu tenho medo. Não quero mudar, não quero que seja assim. Nosso relacionamento vai mudar. Eu tenho medo. E eu vou ficar tão diferente que quando olhar pra ti, nada vai haver lá de que eu ainda goste."

Talvez nossos passos tomem ruas diferentes. Talvez eu tenha te deixado pra trás e nem tenha me dado conta da distância que há entre os nossos caminhos. Talvez eu não queira aceitar que o que nos unia, agora nos separe. Nada incomum, nada em comum.

C'est au revoir?

19/01/2012

Mind fever

Acordei relutante às quatro da manhã ainda enterrada entre os travesseiros da cama. Me sentei ainda de olhos fechados, ciente demais de estar desperta sabendo que meu corpo lutava com meu cérebro e implorava silencioso pra ficar mais um pouco na cama.
Fui até a janela da sacada e a noite estava morna como há muito tempo eu não sentia. Nenhum vento. Eu estava sozinha.

Ah... como eu gostava da cidade assim, suspensa, com todo o farfalhar de folhas de árvores que de onde eu estava apenas conseguia imaginar balançando-se junto ao breu. As ruas, iluminadas com as lâmpadas amareladas que eu consigo gostar de um jeito estranho e nostálgico, estavam vazias como se o tempo não existisse. Parecia que se eu decesse as escadas rápido o suficiente, poderia dançar livre nas ruas asfaltadas ainda mornas do dia cheio, em meio àquela sinfonia noturna e silenciosa.

E eu dançaria num enfunar infinito de tecidos de saias rodadas, e a única coisa que eu ouviria seria minha respiração entrecortada de liberdade. Dançaria em círculos com os braços muito abertos, com os olhos muito fechados, com a boca seca de excitação, com os lábios presos em um sorriso sincero e inabalável. Eu nunca me cansaria.



Resolvi voltar para a cama na esperança que ela ainda guardasse o molde do meu corpo. Uma nota azul já despontava no horizonte e em breve eu seria inundada do calor do sol de verão e me lembraria de todas as coisas desagradáveis que teria que pensar quando fosse "um novo dia".
Naquele momento eu me senti muito velha e cansada e me recolhi imóvel em um canto da cama a me lamentar silenciosa por imaginar ser a única a ouvir e apreciar aqueles sons, os sons da própria terra e do mundo ressonante debaixo dos meus pés. A única em um raio de quilômetros. A única em um raio infinito de milhas náuticas.
Me pareceu por um instante que todos os anos somados de todas as pessoas que já viveram naquele pedaço de terra antes de mim, se derramaram sem cerimônia sobre as minhas costas. Meus ombros pareciam ter cedido ao peso de uma idade que eu sequer imaginava ter.

Meus olhos úmidos de inverno vagarosamente se tornando olhos áridos de verão.

17/01/2012

Invulnerável

Ontem, eu disse pra mim mesma que eu não teria medo da morte. Que não teria medo dos mortos.
Duas horas depois tomo uma cusparada na cara, como se tudo o que eu dissesse se voltasse contra mim e risse de escárnio.

Não falei aqui sobre meu avô, nem aqui, nem em lugar nenhum. Nem um rascunho ou vontade de me expressar sobre o que aconteceu. Mas essas coisas vão e vem... E meus sonhos estão pra me dizer na cara as verdades que eu não consigo me dizer acordada.

Pois meu avô veio. E veio nesse pesadelo exatamente do jeito que vinha quando era vivo. Ligou o rádio, batucou um samba de raiz na mesa da varanda, distraído, feliz como quando eu o tinha visto pela última vez, meses antes de morrer.
Então virou-se para mim. Ele me dizia que não havia notado minha presença e entrava na casa que em vida fora dele. Ele continuou ali, perguntando pra mim se eu não estava com calor, porque ele via que eu estava suando, perguntou se eu não queria uma camiseta emprestada, se não estava com fome... E matraqueava enquanto meu eu do sonho via incrédulo um morto andar pela cozinha em plena madrugada sem luzes.

Na primeira oportunidade eu tomei ar e gritei. Gritei um grito vindo da alma, desesperado. Empurrei meu corpo contra a parede oposta a meu avô e o medo que eu senti foi suficiente para que eu tivesse vontade de entrar parede adentro. Meus gritos eram tão fortes que a caixa acústica do meu crânio retumbava enquanto eu observava o corpo do meu avô ali, matraqueando sobre qualquer coisa.

"Quem quer que seja que esteja fazendo isso, não faça mais. Eu não gosto!" - ainda me ouvi berrar pro vazio e pra imagem do meu avô. Ele não pareceu não notar e meus gritos de desespero não pararam.

Eu queria acordar a casa. Eu ouvi latidos de cães enfurecidos vindos da rua, despertos com meus gritos. Olhei pro teto, ciente do que viria. Ciente do lugar onde eu realmente estava, ciente dos braços que me seguravam enquanto eu desmaiava prostada no sonho, dos braços que me puxavam para o mundo real.

Já acordada eu sufoquei um grito. Cinco da manhã.

16/01/2012

¿Qué mas quieres? ¿QUIERES MÁS?

Bebi da tua taça, mordi com força minha própria carne amarga.
E compartilhei esses sonhos e as perdas e tudo o que me fez ser assim, tão sozinha.
Estiquei a mão além da barreira doce dos desejos, toquei tua pele morna, tão próxima, tão densa.
Fechei os olhos, bati com raiva na mesa, neguei a mim mesma pra me ter de volta um segundo depois.
Abri os braços para o infinito do não pensar, para a inocência, para o ser única, para o ser humana.

"Estar" não é tão mais fraco do que o "ser". Sonhar não é tão longe do realizar.
Como eu posso ainda ter algum respeito por mim mesma?


14/01/2012

Speechless

Respirei fundo mais de uma vez, pensando em não pensar. Atrás de mim algumas vozes conversavam sobre suas vidas e sobre como elas eram prósperas e cheias de aventura. Concentrada, eu sentia meus lábios em um sorriso silencioso de desdém.
É claro, meus amores, um pulo desses faz com que a gente pense em tudo, em todo mundo, tome ar até que o peito dobre de tamanho e o fluxo intermitente de adrenalina faça com que o buraco de bala que tem no meio do teu coração se encha do sangue morno que tu vai espalhar no asfalto quando chegar lá embaixo. Pula, meu bem, pula. Ninguém te viu se aproximar da janela, ninguém te viu abri-la.
Eu sei que você calculou isso, e eu sei que você tentou evitar. Mas a noite estava tão doce e fresca e clara. E as pessoas pareciam felizes com suas vidas brilhantes... Eu deveria ter apagado as luzes, seus corpos brilhando na escuridão... Era isso que eu queria ter visto pela última vez. Eu não merecia aquela lua tão bonita.
Eu não senti medo, só aquela sensação de choque partindo do centro do meu peito em direção aos meus braços e pernas, estremecendo meu corpo. Eu não fiz barulho, ninguém me viu pular, e a única coisa que eu ouvi foi o vento entrecortando rápido próximo aos meus ouvidos. Nenhum grito, nenhum lamento, ninguém me impediu. E a lua cobriu-se de nuvens pra depois se revelar mais bonita e mais branca.

Um último pensamento... "Eu não me arrependo".
E meus olhos abrindo-se antes mesmo de se fecharem: "Eu não te amo mais".

07/01/2012

Colombina desolada

Ah, mas eu nunca poderia deixar de me culpar por um amor tão destruidor. Mas ele era carinhoso e havia sempre sido, até o final. Ele havia guardado minha virgindade porque achava que com a minha pouca idade eu não aguentaria seu desejo.
Eu lembro de nos primeiros dias eu senti repulsa e medo, depois raiva e medo. Depois de alguns anos, só medo e terror. Por muito tempo.
Ele tinha me tirado dos meus pais quando eu ainda era muito pequena... Eu devia ter uns 5 anos talvez. Lembro que de ter me agarrado no colo do meu pai e lembro de que na luta meus pais me deixaram e ele me levou. Lembro dele enfiando as mãos por debaixo do meu vestido e que sua mão estava suada enquanto ele resfolegava no meu pescoço. Eu sentia nojo e desespero. Lembro de em vão arrastar suas mãos pra longe do meu corpo indefeso e lembro que ele ria sarcástico com as minhas tentativas inúteis. Mas ele não fazia nada demais, nada do que poderia ter feito, apenas respirava forte perto da minha pele e mantinha sua mão parada entre as minhas coxas, aparentemente refreando qualquer coisa no seu íntimo.
Mais de uma vez vi seu rosto se encher de sombras e de quando isso acontecia ele correr em direção a alguma mulher feita, profissional, e derrubar sobre ela tudo o que gostaria de derrubar sobre mim. Ele as tratava com brutalidade, fazia com elas qualquer coisa como um estupro e no final saia correndo delas com aparente asco ou medo. E corria comigo erguida pelo braço, andando rápido sob as pontas dos pés, nunca sem ele antes deixar alguma gorjeta gorda para a mulher para evitar o porquê dele andar sempre com uma criança a tira-colo mesmo quando estava num puteiro.
Mais de uma vez eu tive chance de fugir. Mas nunca fugi. Me sentava num canto e esperava ele terminar com a garota anônima que nunca fazia perguntas. E eu nunca tirava os olhos daquele espetáculo horrendo e animalesco. Era brutal e chocante, mas eu continuava o encarando ali, sobre aquela mulher que ele me garantia que um dia seria eu. Eu não sei se entendia, mas sentia um medo que nunca vou esquecer.
Nunca havia contado nada para ninguém, é claro, mesmo porque, naquele mundo as coisas mudavam rapidamente, inclusive a minha idade e a aparência dele. O ambiente era igualmente mutante, e o dia passava para a noite enquanto tomávamos sol ou ele me levava para passear no parque à pouca luz da lua nova.
E ele trabalhava, era ator, e me lembro que em algum momento eu havia o ajudado com uma maquiagem de pierrô. Lembro que a lágrima do seu rosto era real enquanto ele me contemplava em silêncio e tristeza. Nesses momentos eu não sentia ódio ou raiva, nem terror. Eu o amava, como um homem. Lembro de olhar pra baixo nesse momento e ver que estávamos andando sobre cabeças de bonecas horrendas, com seus cabelos desgrenhados e olhos arrancados. E eu sentia o pôr-do-sol  de inverno queimar meu rosto e não entendia o porque de estarmos ao ar livre... Como se fôssemos atores de rua.


E era horrível pensar como esse homem, esse monstro, havia me raptado tão pequena e me criado como sua amante desde os 5 anos de idade. Era horror o que eu sentia. E profundo desespero por amá-lo.

E foi alívio o que eu senti por um momento ao acordar, logo antes de cair em um choro profundo e inconsolável às 3 da manhã. E essa é a mais nova cicatriz encravada no meio do meu peito, que me parece que nunca vai sarar.