24/04/2016

em dias bons



em dias bons eu não sinto culpa.
sinto qualquer coisa parecida com a serenidade de dias de dever cumprido. sinto quase como se eu não devesse nada para o mundo, como se não houvesse obrigação de nada e tudo o mais estivesse exatamente onde deveria estar. EU estou onde deveria estar. sozinha, como deveria ser. confortável com o silêncio como deveria ser.
em dias bons eu sei o porquê de tudo, do alto de uma tranquilidade quase apática, algo como perguntar "por que?" se transformando em "por que não?", uma meia estação, uma temperatura ambiente, chuva na janela e chá de maçã com canela. em dias bons eu pareço ter razão, pareço racional, pareço razoável e me sinto tão sóbria, tão sóbria. em dias bons eu observo o abismo e ele me observa. não há nada que me abale daqui de cima, não há amor, não há tristeza, não há extravagância ou exageros, não há gritos, não há choro nem lamentos. de fato, não há nada. apenas eu e um silêncio tão delicado que poderia ser descrito como qualquer coisa entre o diáfano e o palpável.

dias bons me assustam quase tanto quanto dias ruins.

18/04/2016

Empilho livros, encaixoto coisas do passado, papéis, jogo fora coisas que não uso, doo roupas, conserto e lavo e costuro casacos de inverno como se fosse me preparar para uma longa temporada sitiada em algum lugar com escassez de recursos. Há algo se aproximando, pronto pra cercar tudo, pronto pra me deixar sozinha de vez e eu me preparo, me preparo como não me preparei anos atrás.
Mas pareço simplesmente me preparar pra morrer sem deixar pontas soltas, sem deixar coisas não ditas, sem deixar coisas desarrumadas. Há alguma temporada com cheiro de morte se adiantando pelo caminho, pareço precisar me sentir pronta pra perdas e danos irreparáveis.
Ou para fugir.

Mas fugir...
...pra onde?


17/04/2016

Circles

Eu sinto que já fiz isso antes, que já quebrei a cara por causa do mesmo motivo. Sinto que revivo momentos estranhos de uma lembrança meio apagada, algo que se desmanchou numa poça de lama do passado. 

again

Me parece que o eu de quase dez anos atrás ainda não aprendeu a lição.

(me vem num sussuro agora, esperando pra se tornar uma obsessão - "tu vai morrer sozinha")

15/04/2016

Salty

Do que são feitas as relações humanas?
E eu me desmancho em lágrimas por não saber a resposta.
(inútil)


13/04/2016

Why do I feel like this?

O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?

De mim e de mais ninguém?

Mas não há nada, não há absolutamente nada, há um buraco, algo rompido, pedaços de coisas espalhadas pelo chão, desconectados (meus braços jogados de um lado, minhas pernas de outro, minha cabeça recolocada cirurgicamente sobre o pescoço, mas tudo sem unidade que segure meu corpo no lugar) e um silêncio morno, como nos dias de baixa pressão atmosférica, como aquela urgência de aplacar a desigualdade de polaridade entre o chão e a terra. E tem eu aqui, sem um tanto de rumo e sem coração, sem lágrimas, agarrada a um pânico seco e infértil que tenta desesperadamente me jogar com o nariz aspirando a poeira do assoalho e arrancar fio por fio dos cabelos da minha cabeça.
Não há certeza de nada, há somente as vozes familiares, mornas que me dizem pra ser positiva, que me dizem que vai ficar tudo bem (é só dar o último adeus!), que me dizem "eu vou contigo", mas ficam enclausuradas aqui dentro. Troca-se lâmpadas e a luz branca faz qualquer coisa com os meus olhos que me deixa desconfortável, como se eu estivesse internada num hospital chamado casa. Tudo tem o mesmo cheiro, toda a comida tem ao mesmo gosto (amargo, seco, inquietante) e eu tento criar qualquer ligação, qualquer laço com a pessoa que me olha com olhos secos do espelho. Há elogios, mas não consigo ficar feliz porque sinto que não sei do que estão falando. Há qualquer coisa perdida da concentração, algo que deixei cair no caminho e saiu rolando barranco abaixo e eu não pude fazer nada pra conter.
Mas há incontestavelmente a ideia obsessiva de que tá tudo bem, de que eu não fiz falta alguma, e que é possível sustentar uma ausência (de quem? de quem?) o que me faz pensar que eu fui embora tarde demais ou cedo demais ou demorei demais pra voltar (ou voltei muito cedo?). Há sim algo perdido, um ruído branco que é facilmente confundido com a sutileza do silêncio, mas está no fundo, esperando pra se tornar um grito.

A fera por trás dos arbustos me espreita e espera, num deleite sádico, que eu morra antes que ela precise atacar.


11/04/2016

au revoir

Oh, veja, eu deveria comemorar o fato de que não há nada depois da esquina e o fato de que eu estou disposta a enfrentar qualquer animal predador que venha tentar rasgar minha garganta, mas...
Não há mais animal, não há mais perigo e de fato não há...



...mais nada.
E se há alguma coisa lá fora, tem cheiro de remédios, dorme metade do dia, planeja mudanças físicas na outra metade e no fim, não realiza nada. Mas é alguém sem nome, de fato é alguém muito perdido, muito novo e sem qualquer vontade de mudar isso.
Mas não dói, assustadoramente não dói, só cansa. E mais assustadoramente ainda consegue ser a possibilidade de que eu (e ela) conseguimos perfeitamente nos acostumarmos com esse silêncio.
(o silêncio me diz que vai ficar tudo bem)

Au revoir, ele diz. Au revoir!

03/04/2016

Unwind me

Esse meu novo eu, impúbere, incerto, indefinido, sonha.
Sonha como há muito tempo meu eu antigo não sonhava.
Sonha mais de uma vez por noite, durante horas. Sonha antes mesmo de fechar os olhos.
Sonha com tudo, sonha com sangue, com suor, sonha com os monstros do meu eu antigo, ri na cara do perigo e segue sonhando. Sonha com qualquer resquício de sensualidade que havia ainda no meu eu anterior, sonha com terror, sonha com sexo e pingos de selvageria crua.
Mas me deixa livre pra dormir, não me assusta ao acordar, não me cobra o preço alto do olhar pra cima e dizer "de novo não".
Meu eu de agora volta a dormir não sem medo, mas com qualquer coisa próxima a uma curiosidade mórbida pelo próximo passo da minha nova e livre imaginação.
Mas dorme. Dorme e sonha até que não haja mais escolha.