11/08/2016

Barlavento

"Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento. O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações."
(Cem dias de Solidão, Gabriel Garcia Márquez)

Que aqui chovesse por quatro anos e chuviscasse por mais alguns dias, eu ainda assim respeitaria os dias que ameaçavam estiar. Mas não houve tempo seco que não invocasse a ira de um dilúvio digno de mover montanhas e varrer da terra qualquer resquício de vividez. Quatro, dez, vinte e cinco anos, aqui não para de chover e quando para há de se desconfiar.
Vejo o estrago até a linha que o horizonte enxerga, milhas náuticas de toda a espécie cadavérica de memória remexida a ponto de parecerem-se todas a mesma coisa. E nesses dias em que não há quase nada no céu, nesses dias em que o sol parece exibir-se insolente e deslumbrante com uma luz espetacular, eu reparo meu barco, costuro minhas velas, selo meu casco e observo o silêncio. Me preparo, mas não espero. Há de se dançar de pés descalços no lodo alguma vez mais, antes de encarar a próxima tormenta.