12/02/2010

Porque elas sempre estiveram lá

Eu balançava os pés descalços no infinito ar fresco da beira do abismo. Sentada com as mãos espalmadas sobre os pedregulhos, o capim e a terra, eu me sentia completa.
Claro, haviam os que me achavam louca. E havia os que me admiravam por ficar por ali há tanto tempo, fazendo o mesmo, sem nunca pensar em outra coisa. Tudo aquilo era o que eu tinha como paz inteira. Nunca havia percebido o quanto trinta anos poderiam passar rápido, mas não fazia mais diferença.
Num desses dias, desses que a gente acha que nada vai acontecer, um garoto de uns 7 ou 8 anos sentou-se cuidadosamente ao meu lado. Escorou-se no meu ombro, desajeitado enquanto se sentava. Eu via que ele não tinha medo do abismo também, e ele me lembrava eu mesma quado tinha a idade dele, sem medo. Ele tinha aqueles olhos muito astutos embaixo das sobrancelhas muito grossas e lábios finos, e fios de cabelo que eu nunca poderia imaginar mais negros.
Após algum tempo em silencio, ele tomou a frente:

- E então, o que há de tão bom aqui? Minha mãe disse que você fica por aqui há anos, olhando lá pra baixo. O que tem de especial lá embaixo, que que você olha tanto?

Na hora me ocorreu a resposta "Você não entenderia", mas me vi pensando que eu mesma não gostaria de ouvir aquilo se estivesse no lugar dele. Nenhuma resposta me parecia adequada a ele, com aqueles olhos redondos tão curiosos e sinceros me encarando pacientemente.

- Bem... Eu venho aqui porque daqui de cima posso ver os pássaros do abismo. O ar do oceano à nossa frente sempre me parece subir de forma mais limpa quando varre as pedras e faz com que os passaros aqui sobrevoem, quase flutuem na corrente morna. E... vou te contar um segredo... às vezes, no pôr-do-sol, por alguns poucos segundos em um momento especial tenho a impressão de ver pessoas voando, não são anjos, são só pessoas. Isso acontece com mais frequencia de madrugada, quando as pessoas dormem, então as vejo ali, próximo às nuvens, de olhos fechados e braços abertos deslizando na escuridão.

Ele prestava muita atenção ao céu quando eu terminei, tentava ver o que eu via, mas não via nada, é claro.

- E por que você não voa com eles também? - Ele me perguntou, com ar interessado.
- Ora, porque não tenho asas! - Eu sorri.
- Claro que as tem, todo mundo tem... Então se não tivessem, como voariam?

Sim, era simples assim então. As pessoas voam porque tem asas, simples e complexo ao mesmo tempo.

- E então Sr. Sabe-Tudo, por que eu não Vôo? - Eu ri e passei a mão nos cabelos dele, em um cafuné;
- É simples, há quanto tempo você não se olha no espelho? - Ele me encarou quase sério;
- Não sei, faz diferença? - Eu perguntei, dando de ombros.
- Claro que sim, se você se visse no espelho, então veria também as suas asas;

...


"Percebendo o pulsar que leva do simples para o intrincado,
que vai do cotidiano ao mágico, vamos para o norte,
até onde a vida nos levar."

Um comentário:

  1. Fiquei sem palavras , em meio a tanto sentimento e beleza.
    me identifiquei demais com os textos,tens um modo ímpar com as palavras menina *-* LINDO demais.

    Beijos.

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