28/04/2010

Vermelho intenso


Há nesses gestos, nesse movimentar de mãos,
nessa cova rasa do teu rosto
aquilo que admiro de forma tímida,
mas que evito esconder.
Gosto disso, desse teu cheiro de pele índia,
do teu cabelo desalinhado, do teu carinho contido,
da tua irritabilidade passeando
no tênue limiar da tuas mãos
me puxando pelo braço pra irmos embora.

Mas detesto tua complacência, teu olhar de desprezo,
tua rudeza que desperta às vezes, falsa, passageira.
E essa tua feminilidade anos 20
vinda dessa tua submissão observada,
essa tua inteligência escondida,
essa subliminaridade, subversividade, droga mal feita,
efeito mal projetado, gracejo-hiprocrisia,
falsa tolerância, engraçado e grotesco,
como outras coisas mais que existem aí dentro.

Talvez eu te dê um chá de sumiço,
Talvez um chá de cadeira, talvez um de cogumelos.
Talvez eu corra atrás do teu caminhão de sorvete,
três dias e 2 continentes atrasada...



Mas então... não vai fazer mais diferença.

27/04/2010

"Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem."

Escorou-se ao meu lado enquanto eu dava espaço para ele esticar seu braço no balcão, aguardando que alguém servisse nossa bebida. Sorriu demoradamente pra mim e ficou ali ainda um tempo, me vendo cantar alguma música do A-ha em um inglês-bêbado muito errado. Aparentemente ele se divertia bastante com meu papel etílico mais engraçado.
O nome dele era Rodrigo e tinha aquela beleza que me desperta internamente, aquela beleza de uma criança muito crescida, de um garoto prematuro e muito ativo. Portava um sorriso bonito de dentes brancos e uma voz arrastada e rouca, daquelas que eu gosto de ouvir. Tinha um perfume que lembra alguém de quem eu gostava, que não me recordo quem. Olhos muito claros e astutos, alegres demais, talvez por causa da cerveja. Ainda conversamos e rimos um pouco enquanto ele divagava sobre o quanto o garoto sério ainda nos fazia esperar horas por nossas bebidas. "Pelo menos temos música!" - eu ainda disse, antes que começássemos a dançar ali, escorados no pedaço apertado do balcão. Ele chegou a me perguntar se eu estava sozinha, disse que me achava muito simpática e engraçada. Eu disse que não, "Meu namorado está ali atrás" - e apontei; "Tudo bem, eu quero só dançar!"- ele disse, e ainda dançamos por muito tempo esperando uma vodka que nunca vinha.


Mas a vodka um dia veio e eu não o vi mais.
Talvez eu não o veja mais, nunca, mas não faz diferença, a vida é uma série desses "perder-se e encontrar-se" que eu aprendi a admirar. E eu vou lembrar dele ainda por um tempo, porque aquela dança perdida no meio de tudo me fez melhor do que todo o resto daquela noite.

22/04/2010

Amarelo-Ouro

Estávamos sentados na calçada, jogando conversa fora no silêncio de uma madrugada de semana. E eu estava ali, olhando praquele risco amarelo-ouro de fora a fora do céu de mais um dia que nascia.
- Há de ainda existirem mulheres que se apaixonem apenas pelas belas palavras? - Ele também olhava o risco de sol.
- Sim, e haverão de se apaixonar também pelos cenários e pelas provocações. Ou os poetas estariam lascados, sequer existiriam. E nem morreriam como morrem: sozinhos e muito novos, torpes nos amores que viveram, se desfizeram e foram embora. E nem morreriam assim, sentados na calçada divagando sobre as mulheres que perderam, nos amores carnais que desfrutaram, nas paixões de puta, de bebida, cigarro e loucura, não lembrariam-se da embriaguez dos sentidos, desse estado febril de paixão desenfreada pela vida, dessa filosofia herege de seguir os instintos, sozinhos. Então há sim de haver mulheres para esses homens ou então não haveriam poesias nem poetas.
(...)
- Ainda acha que se apaixona fácil demais pelas pessoas?
- Não, só achei apropriado divagar sobre isso. - E fui embora antes que também morresse ali, na calçada: Porque parte de mim é mulher e parte de mim é criança. Porque parte de mim chora poeta-puro e parte de mim não acredita em poesia.



E isso é tudo o que eu tenho.

19/04/2010

Azul Turquesa


- Tenho muitas coisas escritas aqui sobre você; - Eu não desvio os olhos do computador.
- Alguma é mentira? - Ele também não me olha.
- Não, aqui não costumo mentir, sobre nada, nem sobre mim.
- Por que?
- Porque isso é minha bolha de ar, meu lugar seguro, meu oxigênio, minha caverna sem portas.
- E porque tá me contando isso? - Ele me encara, sério.
- Não sei, nunca sei de nada. Gosta daqui?
- Não. - Ele suspira forte - É verdade demais, eu não precisava saber de tudo isso.
- Por que? Tem medo de algo?
- Não, não tenho medo, só acho que as pessoas não deviam se expor tanto. - Pega o casaco da cadeira e a mochila;

Ele vai embora, fechando a porta em um estrépido. E eu continuo escrevendo, talvez sobre sua ausência ou sobre a atenção que creio ele não dar às verdades que vem de mim.

15/04/2010

Diário de Nubia

(...)"Naquela noite me arrumei com cuidado, fiquei sabendo que ele não gostava de mulheres vulgares, que gostava de mulheres sofisticadas, contidas e educadas. Sabia que ele gostava de bancar o dominador, e que tinha talvez uma queda por mulheres mais novas.
Ao chegar ao local combinado, entrei na ante-sala ampla e as portas altas à frente estavam fechadas. Ouvia apenas uma melodia calma vindo de lá dentro, e a respiração acelerada daquele desconhecido me esperando. Avancei no que pareciam ser os passos mais difíceis da minha vida, ouvindo o eco de cada centímetro caminhado no mármore do chão. Pensei que a luz talvez poderia tornar tudo mais fácil, uma luz morna e amarelada, vinda indiretamente de abajures e cachepots espalhados nas paredes e pequenas mesas, mas ainda sentia meu rosto queimar como de uma garota. Toquei a maçaneta devagar e respirei fundo. Apertei-a junto às minhas luvas brancas ouvindo o roçar suave do couro com o metal.
Mas talvez algo tenha disparado na minha mente, uma vergonha, talvez medo. Eu que já tinha feito aquilo tantas vezes me julguei assustada, insegura e patética, uma caricatura de um comportamento humano que sentia desprezar. Pensei muitas vezes, talvez por um segundo, talvez por dez, talvez por uma hora.

Então, em um determinado momento repentino tive a revelação de que meu corpo era só meu e que eu poderia fazer o que quisesse com ele, vi que a vontade de usá-lo era minha também e no fundo apreciava o que ele poderia me proporcionar. E que eu poderia proporcionar esse prazer íntimo de desapego não só à outras pessoas, mas a mim mesma. Que isso no fundo não me fazia pior ou melhor pessoa, não me fazia ser má ou boa, mas me fazia humana, simples e instintiva, sendo caça e caçadora.

Entrei no quarto aparentando timidez e fechei a porta atrás de mim com o máximo de delicadeza que consegui. Ele me esperava aparentemente ansioso sentado na cama, e me fez um gracejo que ignorei sumariamente antes de me iniciar naquele teatro que fazia com tanta naturalidade.(...)"

 {***}

"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo." 
C. Lispector

13/04/2010

Delirium


Há tempos que penso que deveria mudar partes importantes da minha vida, devagar, absorvendo cada parte dessa mudança suave, quase indistinta. E agora mudo todos os dias um pouco, então páro e observo o que ficou para trás, como se fizesse parte de alguém que não eu mesma.
Mudo lentamente, porque isso é uma das coisas que é só minha, esse desejo de mudança tímida. E não me imponho velocidade, apenas vou moldando o que eu desejo. E tento não me impor metas, porque sempre as tive e não as quero mais.


"Não, não devo lhes perguntar mais nada. Já perguntei demais sobre mim mesma aos outros. As respostas sou eu mesma que tenho que dar e elas deverão ser suficientes."

E agora Jess, o que VOCÊ quer?

06/04/2010

Perda minha, azar o dele

 

Não voltei pra casa, não fui o encontrar, perdi o ônibus.
Perdi o endereço, ele não tem celular, perdi a paciência, encontrei outra pessoa.








*Livremente inspirado em resposta à esse microconto.

05/04/2010

Roxanne

- Talvez, um pouco mais de paixão... É isso, mais paixão! - A professora ecoava do canto do salão envolta no perfume do cigarro aceso.
1, 2, 3... A mão que não se encontra com a outra, o olhar perdido, passo desencontrado da música. O que deveria ser um caso de ódio-amor-assassinato-drama então poderia ser brincadeira de criança. E ela gritava:
- Raiva! Você está com raiva! E amor! Você está confusa, você o viu com outra, seu amor despedaçado, seus sonhos no chão! O que há com vocês dois? - Ela esbravejava impaciente.
Uma, duas, três, dez vezes. E ele, que a segurava com cuidado contido, com postura insegura demais... Não, errado, errado! Ela, que o olhava com seriedade, seu rosto vazio, contando os passos. Tango não é isso!
Pegou a aluna pelo braço, deixou-a de lado. Pegou o par e lhe mostrou como deveria fazer. Raiva, desconfiança, acusação! E ciúmes, sim, ciúmes... E loucura! Força, descontrole, olhos semicerrados entre lágrimas de desgosto e ódio... Como ele pôde?
4, 5, 6... E a música que levava seus sentimentos talvez para algum lugar longe dali... Diretamente para aquele estado de torpor. E ele a acusaria, e ela veria os olhos dele crivados de culpa... E o perfume de alguma outra, vagabunda, em sua roupa. Um tapa no rosto, com força, com motivo, carregado com o desprezo de uma mulher enganada, pelo preço que toda a mulher paga mais cedo ou mais tarde pelo simples fato de nascer mulher. Por ser essa mulher assim, forte como um temporal, louca e destrutiva, assim, filha de uma natureza que sempre cobra seu preço. E ele, coeso, seguro, com todo seu corpo esbravejando a culpa dela, fluindo sua natureza masculina, cheia de razão, cheia de desprezo pela fraqueza dela. A pega pelo pulso, e ela sofre. Tenta se soltar, se esquece de que é muito menor, apenas uma mulher, afinal. E ela cai no chão, com força, se arrasta enquanto ele a olha de cima, do alto de seu orgulho. E ela grita.

E a música pára, talvez por tempo demais.


03/04/2010

Warten



Vi anoitecer e a noite cair gelada e cálida, silenciosa, enquanto o esperava do lado de fora da catedral. Vi todos os seres daquela cidade, correrem rápido por medo da escuridão apressarem seus passos espaçados em direção ao conforto incólume de suas casas. Vi os que não têm o medo, os que não se importam, e os que não tem vida.
E vi meus iguais, pessoas que esperam, assim, do lado de fora, que a porta se abra para que possam entrar ou que de lá saia alguém que esperam.
Ouvi o batente da porta velha ranger e o escuro que pra mim não era escuro se iluminar sob a silhueta dele, descendo os degraus gastos de pedra. Ele estava mais velho, talvez, com alguns fios brancos dos quais não lembrava que existiam. Desceu devagar, contando os passos em direção à rua infinita, de ar ainda carregado do dia. O vi passar por mim e lentamente virar-se para me encarar por um instante e seguir seu rumo para não sei onde, logo depois, como se passasse diretamente por dentro do meu corpo, inexistente.

"Era ele quem você estava esperando?" - Alguém do outro lado da escada me perguntou.
"Não, não era ele. O que eu espero é diferente." - Ainda respondi, abraçando os joelhos e preparada para esperar durante ainda muito tempo.