01/11/2016

run away, little girl, run away

ai se teus braços virassem ao contrário
ai se tuas costas virassem teu peito
se eu diminuísse a ponto de caber no espaço perfeito entre teu pescoço e teu ombro

e lá pudesse ficar

como eu fico quando forço meu abraço nas pessoas
como se pudesse achar qualquer conforto
na ideia de fazer com elas o que eu queria que fizessem comigo


qualquer alento, qualquer silêncio


qualquer serenidade


qualquer paz que tirasse o pânico e o medo de assumir a dependência doentia que eu tenho








d e u m c a r i n h o s e m s o l u ç ã o




28/10/2016

an old, old friend

minhas mãos estão frias
meu coração bate aos pulos
minhas pernas tremem
minha boca fica seca

eu deixei de dormir
eu deixei de comer
eu deixei de me deixar sentir prazer

I
am
running
out
of
excuses



13/10/2016

Invencível, invisível

é como um déja vu
aliás sempre é como um déja vu

(eu abro e fecho livros, ligo e desligo computadores, abro e fecho janelas, ligo e desligo luzes, abro e fecho páginas, olho e torno a olhar as mesmas coisas, os mesmos rostos as mesmas vidas de novo e de novo como se por algum motivo especial fosse brotar uma novidade, fosse aparecer alguma coisa inesperada, um milagre talvez)


ainda assim tudo o que vem, vem como enxurrada
dor, dúvida, alegria, energia, quente, frio, tristeza, dor, dor, dor

por que eu me sinto traída?
eu me sinto traída?
eu tenho direito de me sentir assim?
e sobre afogar tudo num esforço consciente de deixar essa amargura pra trás?
se eu sou o que disseram que eu sou como não me deixar definir por isso? se eu não sou então... quem sou eu?


tudo o que eu sinto é um gosto salino na boca, uma saliva difícil de engolir e o palato seco
qual é o nome disso? que nome tem esse sentimento?





e se eu continuar não nomeando... será que ele deixa de existir?

09/09/2016

Um amontoado de palavras

Eu queria um texto assim: pronto. Uma historinha curta pra falar desse negócio que tem aqui engasgado, atravessado na minha garganta, pra expressar, pra explicar pra por as coisas em palavras, pra desmistificar, pra materializar, pra fazer se tornar verdade. Há quem diga que se não há em palavras não existe e se não existe a gente não pensa a respeito.

Pois bem, há de se dizer que estou cansada.

E que eu penso sim muito sobre isso. Isso existe, e não tem palavra pra isso, mas existe. Porque cansada não é a palavra. O que eu sinto é mais que isso. É pesado e dói. Canso só de pensar sobre pensar sobre estar cansada.
Dói porque eu não vejo saída. Eu não vejo saída. E isso é aterrorizantemente triste. Dói porque é triste. Dói porque triste também não é palavra grande e profunda suficiente pro cansaço que eu sinto. As palavras faltam onde todo o resto sobra. Sobra cansaço, sobra tristeza, sobra desespero, sobra dor. Dói porque tudo tem início no mesmo denominador comum, tudo tem início nos princípios da idealização e da expectativa. Na projeção, na espera depositada em tudo o que acontece ao nosso redor sobre absolutamente tudo. Sobre amor, sobre futuro, sobre outras pessoas, sobre relacionamentos, sobre escolhas, sobre decisões, sobre aproximações, sobre palavras escolhidas, sobre o que é falado mas absolutamente acima de tudo sobre o silêncio. Sobre o peso que é escolher amar. Sobre o fardo que implica ser amada. Sobre como a convivência humana é baseada num ritmo inconstante de acertos e erros e sobre como a natureza ainda implica em tentar cultivar amor no meio disso tudo. Amor químico. Amor biológico. Amor evolutivo. Amor que não cabe, amor impossível, amor platônico, amor à distância, amor que dói. Pra bom entendedor nenhuma opção parece confiável. Pra alguém cansado, tudo parece a mesma coisa. Tudo leva ao mesmo lugar: ruína e mais cansaço.
Não existem palavras pra designar o quão estúpida é a existência humana baseada em constantes tiros no escuro. Se viver é não saber e eu consigo ter tanta certeza de que não há nada fora das opções de intimidade mergulhada na tríade da projeção, ingenuidade e egoísmo, e que não há sentimento fora da sensação de me sentir um rato de laboratório, como não me sentir tão próxima desses níveis de exaustão? Como simplesmente não desistir? É como se o futuro me reservasse versões menores do que eu já vivi. Como um constante déja vu em que alguém sempre sai machucado de alguma forma, frustrado, ferido, magoado. Despedaçado, traumatizado, quebrado, dilacerado, irrecuperavelmente cético.
Eu fico triste por não acreditar mais em relacionamentos. Eu fico triste por não acreditar mais em sentimentos genuínos. Mas acima de tudo eu fico triste por querer desesperadamente voltar a acreditar e não conseguir. Por querer irremediavelmente voltar a não enxergar essas nuances, por querer inevitavelmente fechar os olhos e acreditar que as relações humanas podem ser perfeitas.

Eu desistiria de tudo pra voltar a ser ingênua.
Eu desistiria de tudo pra voltar a ser.
Eu desistiria de tudo pra voltar.


08/09/2016

Abandono

A vida ficou de repente
apática e desinteressada,
como se pretendesse descer na próxima parada.
Abafou os sons que costumava ouvir,
com medo de sentir saudade.
Baixou os toldos sobre a claridade,
para que o brilho do dia
não arranhasse a solidão.
Preferia permanecer quieta e sombria.
Guardou o açúcar como se quisesse
impedir o doce
de mesclar o fel que, porventura, houvesse.
Sensações e sentimentos devidamente amordaçados,
rabiscou no papel seu breve recado:
“Saí para almoço.
Pretendo voltar, não sei se posso.
Seja, por favor, condescendente.
Quando o amor não está,
é costume da vida suspender o expediente.”

(Amor a céu aberto - Flora Figueiredo)


05/09/2016

Ele me pega pelo pescoço dia sim, dia não, e sacode meu corpo pra fazer qualquer coisa balançar aqui dentro. Sinto um barulho hediondo partir de dentro do meu torso, um ruído de coisas quebradas batendo umas contra as outras, um gosto atípico de sangue gelado banhar minha língua enquanto eu só tento me livrar da sensação fantasma de ser chacoalhada pelo passado.
Mastigo partes estilhaçadas de baixa auto estima enquanto me recupero olhando meu futuro indeciso pela janela. Espero a chegada da serenidade com meu cigarro mentolado fazendo curvas de fumaça branca no ar. Mas a serenidade não chega. Enquanto isso, pacientemente o caos me estende as mãos.

"v e m c o m i g o"


11/08/2016

Barlavento

"Choveu durante quatro anos, onze meses e dois dias. Houve épocas de chuvisco em que todo mundo pôs a sua roupa de domingo e compôs uma cara de convalescente para festejar a estiagem, mas logo se acostumaram a interpretar as pausas como anúncios de recrudescimento. O céu desmoronou-se em tempestades de estrupício e o Norte mandava furacões que destelhavam as casas, derrubavam as paredes e arrancavam pela raiz os últimos talos das plantações."
(Cem dias de Solidão, Gabriel Garcia Márquez)

Que aqui chovesse por quatro anos e chuviscasse por mais alguns dias, eu ainda assim respeitaria os dias que ameaçavam estiar. Mas não houve tempo seco que não invocasse a ira de um dilúvio digno de mover montanhas e varrer da terra qualquer resquício de vividez. Quatro, dez, vinte e cinco anos, aqui não para de chover e quando para há de se desconfiar.
Vejo o estrago até a linha que o horizonte enxerga, milhas náuticas de toda a espécie cadavérica de memória remexida a ponto de parecerem-se todas a mesma coisa. E nesses dias em que não há quase nada no céu, nesses dias em que o sol parece exibir-se insolente e deslumbrante com uma luz espetacular, eu reparo meu barco, costuro minhas velas, selo meu casco e observo o silêncio. Me preparo, mas não espero. Há de se dançar de pés descalços no lodo alguma vez mais, antes de encarar a próxima tormenta.


20/07/2016

Já é de manhã

Antes eu achava que a dor não era natural. Apertava meu peito como se alguém tivesse chutado meu esterno com botas de combate, doía como se eu tivesse três ou quatro costelas quebradas, uma dor persistente, latejante, debilitante. Eu até hoje não sei como conseguia ainda respirar. Doía demais.
O problema é que ainda dói. Mesmo depois dos remédios, mesmo depois da terapia, mesmo depois de passar por todos os altos e baixos da montanha russa que se tornou minha vida, ainda dói. Mesmo depois de falar sobre isso, de praguejar, de chorar e gritar desesperadamente sobre isso até que as veias do meu rosto estourassem. Às vezes eu me pego pensando que essa dor sempre fez parte de mim e isso me deixa aterrorizada. Essa é a minha dor. Ela nasceu comigo. Em maior ou menor escala ela vai morrer comigo.
Ou não?
Como se conserta um coração mil vezes partido e mil e uma vezes remendado? Como cicatrizar as fibras do coração, fazer com que elas se entrelacem entre uma batida e outra, fazer com que tudo volte a ser como era antes?...



Antes de que?
Se o meu coração se parte e se junta e se estilhaça e se emenda desde que eu me lembro? De diferentes maneiras, sendo chutado, sendo pisado, sendo apertado entre dedos desonestos ou por perdas irreparáveis, esquecimentos, substituições, raiva, impotência, ciúmes e inveja.
Como aceitar o amor se ele vem com um preço? Como amar se isso me traz dor? Como aceitar ser amada se isso se torna um fardo?

Quanta terapia é necessária para curar o medo da dor?
Quanta terapia é necessária para curar o medo?
Quanta terapia é necessária para curar?


17/05/2016

"Há no meu olhar uma ruptura por onde a loucura sempre escoa"

"Estou doente da persistência de imagens, reflexos e espelhos. Eu sou uma mulher com olhos de gato siamês que por detrás das palavras mais sérias sorri sempre troçando da minha própria intensidade. Sorrio porque presto atenção ao OUTRO e acredito no OUTRO. Sou marionete movida por dedos inexperientes, desmantelada, deslocada sem harmonia; um braço inerte, outro remexendo-se a meia altura. Rio-me, não quando o riso se adapta ao meu discurso, mas porque ele se implica nas correntes subjacentes do que eu digo.
Quero conhecer o que lá corre em baixo assim pontuado por convulsões amargas. As duas correntes não se encontram. Vejo em mim duas mulheres bizarramente ligadas uma à outra como gêmeos de circo. Vejo-as arrancarem-se uma da outra. Consigo mesmo ouvir o rasgão, a ira e o amor, a paixão e o sofrimento. Quando esse ato-deslocação de repente pára – ou quando deixo de ter consciência do som - o silêncio torna-se então ainda mais terrível uma vez que à minha volta não há senão loucura, a loucura das coisas que atraem coisas de dentro de cada um, raízes que se afastam para crescerem separadamente, tensão provocada para atingir a unidade."

(...)

"Engulo as minhas próprias palavras. Rumino e rumino tudo até que se deteriore. Cada pensamento e cada impulso é mastigado até que se transforme em nada. Quero controlar todos os meus pensamentos de uma vez, mas eles fogem em todas as direções. Se o conseguisse seria capaz de capturar os espíritos mais sutis, como um cardume de pequenos peixes de água doce. Poderia revelar inocência e duplicidade, generosidade e cálculo, medo, covardia e coragem. Pretendo dizer toda a verdade e não consigo dizer toda a verdade porque, para isso, teria de ser capaz de escrever quatro páginas simultaneamente, quatro longas colunas simultâneas, quatro páginas resultando numa, e essa é a razão porque não escrevo nada. Teria para isso de escrever em reverso, voltar atrás constantemente para agarrar os ecos e os acordes."

Anaïs Nïn - A Casa do Incesto, 1936


07/05/2016

Wistful bitch

Eu sou uma pessoa que não sabe lidar com a perda que sofreu.
Essa que é uma perda sem nome, sem tamanho e sem forma, que eu só sei que é grande demais pra ser imaginada, e que está aqui, estável, estagnada, silenciosa, decidida a ficar.
E eu me vejo num quarto vazio, cantarolando uma música qualquer, dançando enquanto observo o movimento dos meus pés no chão. E o tempo passa, e as coisas só... ficam... como estão. Não há paixão em nada, há só o som esquecido de algo se quebrando.
A pessoa no espelho ainda me olha com olhar direto, como se esperasse algo acontecer. Tem um olhar curioso e paciente. Um olhar inesperadamente sério e surpreendentemente quase desinteressado.

Quem
sou
eu?




01/05/2016

Break my heart

Meu coração que era de carne se tornou alguma outra coisa sem nome. Um material transparente e frio como cristal em que é possível ver o sangue passando por dentro, e ele batendo de maneira impossível, quebrado em mil pedaços transparentes como um véu de gelo. Bate obstinado, mas não sabe porquê. Bate frio com sangue denso como mel. Bate porque isso ele ainda não desaprendeu. Mas não ama, não se alegra, não se entristece por tempo demais. Por tempo nenhum. Derruba uma ou duas lágrimas, amarra a garganta por um ou dois minutos, torce um rosto por um segundo... e se esquece do porquê. Nenhum sentimento parece durar tempo suficiente pra fazer sentido.
Eu sei que existe alguma coisa, algum motivo pra ele continuar batendo, mas não consigo sentir nada que não seja o nada. É só perda, meu amor. Uma perda que eu não consigo nem sentir direito, uma perda que não tem forma, que não é palpável nem dimensionável. Perdi o prazer das coisas simples e das coisas complexas, e não consigo achar culpados porque nem isso parece fazer sentido.
É ouvir a música, é dançar pra espantar uns demônios, é performar pra uma platéia vazia. Desde quando ela não está lá não faz a menor diferença. Não há prazer, só há dever. As coisas parecem ser o que são, nada fora do lugar. Há o respirar e o viver e parece que a vida se resume a isso. Mas se não há tristeza e logo não há felicidade, se não há a extravagância pra contrapor a serenidade...

Quem
sou
eu?


24/04/2016

em dias bons



em dias bons eu não sinto culpa.
sinto qualquer coisa parecida com a serenidade de dias de dever cumprido. sinto quase como se eu não devesse nada para o mundo, como se não houvesse obrigação de nada e tudo o mais estivesse exatamente onde deveria estar. EU estou onde deveria estar. sozinha, como deveria ser. confortável com o silêncio como deveria ser.
em dias bons eu sei o porquê de tudo, do alto de uma tranquilidade quase apática, algo como perguntar "por que?" se transformando em "por que não?", uma meia estação, uma temperatura ambiente, chuva na janela e chá de maçã com canela. em dias bons eu pareço ter razão, pareço racional, pareço razoável e me sinto tão sóbria, tão sóbria. em dias bons eu observo o abismo e ele me observa. não há nada que me abale daqui de cima, não há amor, não há tristeza, não há extravagância ou exageros, não há gritos, não há choro nem lamentos. de fato, não há nada. apenas eu e um silêncio tão delicado que poderia ser descrito como qualquer coisa entre o diáfano e o palpável.

dias bons me assustam quase tanto quanto dias ruins.

18/04/2016

Empilho livros, encaixoto coisas do passado, papéis, jogo fora coisas que não uso, doo roupas, conserto e lavo e costuro casacos de inverno como se fosse me preparar para uma longa temporada sitiada em algum lugar com escassez de recursos. Há algo se aproximando, pronto pra cercar tudo, pronto pra me deixar sozinha de vez e eu me preparo, me preparo como não me preparei anos atrás.
Mas pareço simplesmente me preparar pra morrer sem deixar pontas soltas, sem deixar coisas não ditas, sem deixar coisas desarrumadas. Há alguma temporada com cheiro de morte se adiantando pelo caminho, pareço precisar me sentir pronta pra perdas e danos irreparáveis.
Ou para fugir.

Mas fugir...
...pra onde?


17/04/2016

Circles

Eu sinto que já fiz isso antes, que já quebrei a cara por causa do mesmo motivo. Sinto que revivo momentos estranhos de uma lembrança meio apagada, algo que se desmanchou numa poça de lama do passado. 

again

Me parece que o eu de quase dez anos atrás ainda não aprendeu a lição.

(me vem num sussuro agora, esperando pra se tornar uma obsessão - "tu vai morrer sozinha")

15/04/2016

Salty

Do que são feitas as relações humanas?
E eu me desmancho em lágrimas por não saber a resposta.
(inútil)


13/04/2016

Why do I feel like this?

O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?
O que eu estava esperando?

De mim e de mais ninguém?

Mas não há nada, não há absolutamente nada, há um buraco, algo rompido, pedaços de coisas espalhadas pelo chão, desconectados (meus braços jogados de um lado, minhas pernas de outro, minha cabeça recolocada cirurgicamente sobre o pescoço, mas tudo sem unidade que segure meu corpo no lugar) e um silêncio morno, como nos dias de baixa pressão atmosférica, como aquela urgência de aplacar a desigualdade de polaridade entre o chão e a terra. E tem eu aqui, sem um tanto de rumo e sem coração, sem lágrimas, agarrada a um pânico seco e infértil que tenta desesperadamente me jogar com o nariz aspirando a poeira do assoalho e arrancar fio por fio dos cabelos da minha cabeça.
Não há certeza de nada, há somente as vozes familiares, mornas que me dizem pra ser positiva, que me dizem que vai ficar tudo bem (é só dar o último adeus!), que me dizem "eu vou contigo", mas ficam enclausuradas aqui dentro. Troca-se lâmpadas e a luz branca faz qualquer coisa com os meus olhos que me deixa desconfortável, como se eu estivesse internada num hospital chamado casa. Tudo tem o mesmo cheiro, toda a comida tem ao mesmo gosto (amargo, seco, inquietante) e eu tento criar qualquer ligação, qualquer laço com a pessoa que me olha com olhos secos do espelho. Há elogios, mas não consigo ficar feliz porque sinto que não sei do que estão falando. Há qualquer coisa perdida da concentração, algo que deixei cair no caminho e saiu rolando barranco abaixo e eu não pude fazer nada pra conter.
Mas há incontestavelmente a ideia obsessiva de que tá tudo bem, de que eu não fiz falta alguma, e que é possível sustentar uma ausência (de quem? de quem?) o que me faz pensar que eu fui embora tarde demais ou cedo demais ou demorei demais pra voltar (ou voltei muito cedo?). Há sim algo perdido, um ruído branco que é facilmente confundido com a sutileza do silêncio, mas está no fundo, esperando pra se tornar um grito.

A fera por trás dos arbustos me espreita e espera, num deleite sádico, que eu morra antes que ela precise atacar.


11/04/2016

au revoir

Oh, veja, eu deveria comemorar o fato de que não há nada depois da esquina e o fato de que eu estou disposta a enfrentar qualquer animal predador que venha tentar rasgar minha garganta, mas...
Não há mais animal, não há mais perigo e de fato não há...



...mais nada.
E se há alguma coisa lá fora, tem cheiro de remédios, dorme metade do dia, planeja mudanças físicas na outra metade e no fim, não realiza nada. Mas é alguém sem nome, de fato é alguém muito perdido, muito novo e sem qualquer vontade de mudar isso.
Mas não dói, assustadoramente não dói, só cansa. E mais assustadoramente ainda consegue ser a possibilidade de que eu (e ela) conseguimos perfeitamente nos acostumarmos com esse silêncio.
(o silêncio me diz que vai ficar tudo bem)

Au revoir, ele diz. Au revoir!

03/04/2016

Unwind me

Esse meu novo eu, impúbere, incerto, indefinido, sonha.
Sonha como há muito tempo meu eu antigo não sonhava.
Sonha mais de uma vez por noite, durante horas. Sonha antes mesmo de fechar os olhos.
Sonha com tudo, sonha com sangue, com suor, sonha com os monstros do meu eu antigo, ri na cara do perigo e segue sonhando. Sonha com qualquer resquício de sensualidade que havia ainda no meu eu anterior, sonha com terror, sonha com sexo e pingos de selvageria crua.
Mas me deixa livre pra dormir, não me assusta ao acordar, não me cobra o preço alto do olhar pra cima e dizer "de novo não".
Meu eu de agora volta a dormir não sem medo, mas com qualquer coisa próxima a uma curiosidade mórbida pelo próximo passo da minha nova e livre imaginação.
Mas dorme. Dorme e sonha até que não haja mais escolha.


29/03/2016

Vem sono...

...que do meu último suspiro na superfície, eu nunca te desejei tanto.


E entenda, meu bem, que suicídio é uma palavra cheia de significados.

28/03/2016

I'll make you hurt

a serpente infinitamente venenosa morde a carne macia do meu pescoço
se aperta em torno do meu corpo lentamente
voluntariosamente torce o canto da minha boca num sorriso um tanto insano
descasca a camada decadente da minha aparente estabilidade
lambe o sal do meu suor frio
e me diz, com mil vozes
mil vezes

E U V O U D E S T R U I R T U D O O Q U E V O C Ê A M A

e eu assisto tudo com uma incredulidade assombrosa
com as mãos sobre a boca
hesitante na força de evitar que eu arranque meus próprios olhos
com a ideia insana de arrancar meu próprio coração
mas a serpente me abraça e me diz

F I C A

ela me abraça de forma inimaginavelmente terna
morna, como é a luta dos meus sonhos/pesadelos
dolorida e inadmissivelmente prazerosa
beija o lóbulo da minha orelha enquanto quebra cada osso do meu corpo
lambe meu pescoço enquanto dilacera meus órgãos
perfura meus pulmões, rouba meu ar, bebe do meu sangue
e eu sinto tudo parar de funcionar, tudo desistir
e eu não sei se é grito ou canção

T U D O V A I T E R M I N A R L O G O

24/03/2016

Sobre esse animal que persegue a presa em mim

De maneira alguma nomear um problema o faz desaparecer.
A sensação ainda é a mesma, apesar de tudo o que possa parecer, de todo o nome científico-médico que isso possa ter.
É isso: eu tenho sido perseguida, vigiada, controlada à distância. Tenho me tornado levemente paranoica apesar de toda a racionalidade que me diz que isso é anti-natural. Há algum animal à solta, espreitando meus momentos de vulnerabilidade e eu sinto que a todo momento ele está pronto pra me arrancar a cabeça em uma bocada. Dilacera meu corpo, deixa os restos pros animais que se interessarem. Mas ele não ataca, parece ter qualquer prazer sádico na perseguição, qualquer prazer malicioso no meu medo. Ele ouve o que se passa dentro do meu corpo, ouve o lamento infinito do pássaro dentro de mim. E ele se interessa.
Entenda, há um pássaro no meu peito, se debatendo com força contra as minhas costelas que o prendem. E eu ouço ele trinar descompassado e baixo, um canto desesperado e breve, obstinado e louco, ouço o baque surdo do seu corpo minúsculo contra a cela apertada do meu tórax.

O animal que me persegue não só rouba o melhor de mim, mas também me faz enxergar que parece não haver espaço aqui para abrigar nenhum tipo de vida que não sobreviva contra vontade.


16/03/2016

s i l e n c i o s a m e n t e

Tudo tem se tornado um universo centrado, girando obstinado em torno de pequenas expectativas que eu me orgulhava de desconstruir ou de não alimentar. Mas nada mais me aterroriza e me cansa do que me dar conta de ter alimentado expectativas silenciosas, fora da órbita visível do meu campo gravitacional.
Se uma estrela explode, se um buraco negro se forma, se um astro vira uma supernova, ainda que não haja ruído, é inegável que o baque possa ser sentido a anos luz de distância. E é isso, a pressão no meu peito causada pela explosão de todo um lado negro do universo que eu alimentei cegamente, imperceptivelmente, até que explodisse e me atingisse sem que eu pudesse fazer nada, sem que eu pudesse prever, sem que eu pudesse m e p r o t e g e r.

Viver é uma experiência solitária.



Ou talvez eu esteja tão presa na órbita do meu próprio nariz que tenha desaprendido a ser feliz e deixar as coisas serem como elas são.

28/02/2016

A culpa tirou o melhor de mim

As coisas explodem como eu planejei não acontecer, mas é necessário admitir que falhar é humano. Essa coisa, de ser humano que tanto me cansa e que tanto me perseguiu essas últimas semanas, volta pra me assombrar uma vez mais. Perdi o controle, perdi o tino, perdi a máscara e dói tanto, tanto, tanto a falta disso, a falta de saber que eu comando as coisas que acontecem que não há felicidade NÃO HÁ FELICIDADE CAPAZ DE ME DIZER QUE O QUE EU FIZ FOI CERTO OU MINIMAMENTE ACEITÁVEL, QUE FOI INFINITAMENTE PROVEITOSO NÃO INTERESSA O QUE SEJA.
É como tomar um tapa na cara a cada momento de silêncio da mente, em que as mãos se revezam pra apontar violentamente com o dedo em riste o que eu considero um resto mínimo de vergonha sobre o que pode ter acontecido, sobre a minha cabeça vagando, sobre eu sorrindo ainda assim, ainda assim NÃO HÁ FELICIDADE, NÃO HÁ LIBERDADE SE EU CAIO SEMPRE NO POÇO DA MINHA PRÓPRIA COBRANÇA SOBRE PERFEIÇÃO, SOBRE VERGONHA E SOBRE MEDO. Ainda, sim, o medo. Aquele medo que eu detesto, o medo que tirou o melhor de mim, o medo que me faz criar listas sobre coisas que não me deixam dormir de noite. O medo de sofrer, o medo de me ferir de novo e de novo, o medo de ferir as outras pessoas, medo de não suprir necessidades, medo de descer do pedestal de "forte e responsável", o medo que eu tenho sobre cobranças, expectativas, sobre espaço, sobre precisar sempre sorrir e aceitar, sobre ser adulta e sobre ser madura e sobre não fazer a tal cena, sobre não fazer drama, sobre não pensar demais, sobre não tentar enfiar sentido em tudo, em tudo porque sim eu ainda acho que as coisas precisam de explicação, porque eu odeio surpresa, e eu odeio o medo de não conseguir entender o que me dizem quando dizem que eu preciso aproveitar coisas.
E eu peço desculpas, como se isso fosse silenciar a minha mente, como se fosse aplacar minimamente a violência antinatural da culpa, como se eu precisasse mesmo me desculpar, como se eu fosse uma criminosa ou alguém simplesmente com um caráter muito ruim me desculpa, me desculpa, me desculpa, por favor. E é isso que eu ouço, que eu estou sendo boba, que não fiz nada de errado, que eu estou pensando demais, e que não há nada pra ser desculpado e as pessoas cansam, meu deus elas cansam, como eu poderia culpá-las (?), me desculpa, mas como explicar isso pra dor física pesada, tão pesada que eu sinto? Como aplacar isso? Como tirar isso daqui? No meu peito não tem mais espaço pra medo de rejeição, como eu ainda consigo criar e nutrir esse tipo de sentimento? Como ainda há energia pra isso, por favor alguém me explica. Por favor, me desculpa.
Que tipo de coisa horrível é essa que me faz pensar que eu fiz errado tão errado em me divertir minimamente, em aproveitar um tempo com meus amigos, em me permitir amar meu corpo meu deus que horror, que horror, QUE HORROR QUE HORROR ME DESCULPA, POR FAVOR ME DESCULPA, me desculpa. Que liberdade ridícula é essa que me leva diretamente pros braços do pânico imediato? Mais uma noite insone porque simplesmente me permiti usar meu corpo pra obter algum tipo de prazer puta que pariu a culpa ainda vai me matar. Olha só que interessante, meu câncer já tem até um nome. Por que eu ainda penso que uso as pessoas? Que uso do sentimento e da consideração que elas tem por mim pra obter algum tipo de vantagem, porra mas que merda. Porra, me desculpa. Pelo amor de deus me desculpa. Me desculpa.
E eu faço agora o que eu faço de melhor, trabalho, trabalho, trabalho até que meus músculos doam, até que eu perca a noção real do que faço, até que meus olhos se embaralhem, mas as lágrimas caem enquanto eu trabalho porque nada silencia a minha mente, porque não há liberdade na culpa, porque não há ar no sufoco da vergonha, porque não há descanso no medo, porque não há silêncio no grito de "culpada" que eu ouço reverberar dentro do meu crânio. E todas as coisas que eu ouço, é a minha voz que fala, é a minha voz que grita, é a minha voz que vibra S U A  P A T É T I C A, SUA RIDÍCULA, TU É DIGNA DE PENA SUA IMBECIL, QUEM TU ACHA QUE TU É PRA ACHAR QUE ALGUÉM, ALGUÉM, QUALQUER QUE SEJA VAI OLHAR PRA ESSA TUA CARA DE PUTA, ESSA TUA CARA DE SUJA SUA GORDA ESCROTA E VAI ACHAR QUE TU VALE O QUE TU COME, VAI TRABALHAR, TRABALHA FILHA DA PUTA PORQUE É PRA ISSO QUE TU SERVE. TRABALHA PORQUE DO TRABALHO TU SABE O QUE TU GANHA AO CONTRÁRIO DAS PESSOAS, PORQUE É ISSO QUE TU SABE FAZER, TU SÓ SABE COBRAR AS PESSOAS SUA RIDÍCULA NINGUÉM TE DEVE NADA BAIXA A TUA CABEÇA E PEDE DESCULPA PORQUE TU NÃO VALE O CHÃO QUE TU PISA TE CONTA FELIZ QUE ALGUÉM AINDA TEM CORAGEM DE OLHAR NESSA TUA CARA PRA FINGIR QUE GOSTA DE TI PORQUE TU NÃO VALE O ESFORÇO DE QUALQUER PESSOA QUE SEJA PORQUE TU É RIDÍCULA, MIMADA E RUDE, PORQUE TU É UMA PÉSSIMA AMIGA PORQUE TUDO O QUE TU FAZ É PRA CHAMAR ATENÇÃO PRA MENDIGAR UM MÍNIMO DE AFETO SUA IMBECIL, PORQUE TU É GROSSEIRA E TEIMOSA, PORQUE TU NÃO VALE O COLO QUE TU SENTE FALTA PORQUE TUDO O QUE TU VAI LEVAR DAQUI VAI SER O MEDO, A CULPA E A VERGONHA PORQUE É ISSO QUE TU MERECE, TU SÓ MERECE PASSAR A VIDA TRABALHANDO PRA NÃO PASSAR VERGONHA NA RUA E NA CASA DOS TEUS AMIGOS. PARA DE FAZER ELES PASSAREM VERGONHA, TU NÃO VALE OS AMIGOS QUE TU TEM TU VAI MORRER SOZINHA S O Z I N H A S O Z I N H A E NÃO TEM NADA NADA NADA QUE TU POSSA FAZER SOBRE ISSO ACEITA E SAI DAÍ ENQUANTO TU AINDA TEM CARA DE PAU SUFICIENTE PRA FINGIR QUE AINDA EXISTE OUTRA SAÍDA QUE NÃO SEJA CORRER PRO MAIS LONGE POSSÍVEL
TU
VAI
MORRER
SOZINHA
SUA
ESCROTA


16/02/2016

Happiness is a fragile thing

Há ainda essa dor no peito, essa irritação de não conseguir desligar, esse humor desviado torcendo meu corpo como um pano de chão. E eu me sinto em algum lugar entre o invisível e o fardo, como se as pessoas tivesse obrigações extremas de me carregarem no colo ou me esquecerem pra sempre, para o bem ou para o mal e dentro de tudo o que isso implica. Há ainda aquela necessidade estranha e necessária, não só pra mim, de que óbvio seja dito e estabelecido. Quando tudo o que eu quero é silêncio e carinho, eu ainda sou obrigada (no contrato de ser humana), a tentar sobreviver.
Distorcido é o fato de que os dias ainda correm sem que eu tenha controle, e que a falta de controle sobre as horas, por mais ilógico que isso pareça, ainda me abala. Ás vezes eu sinto como se em algum momento o tempo foi controlável e eu simplesmente agora me vejo sem esse poder. Parece que em algum dia, entre a dor, a perda, a felicidade e a motivação eu consegui dominar o momento de apagar, de perder coisas, de deixar de ver, de deixar de ouvir, de me deixar vulnerável ou aberta para surpresas e tudo que elas implicam. Eu consegui dobrar isso à minha vontade, como se faz com qualquer outra coisa muito mundana, como se eu tivesse quase a escolha de dormir (ou não). Dormir ainda não parece mais do que uma incômoda obrigação no contrato de ser humana. E não há meio-termo pra isso, ou há o céu ou o inferno. Ou há o perder tempo ou há o total esquecimento.
De qualquer forma, sobre o tempo ou sobre as pessoas; sobre as palavras, sobre as magias, sobre as técnicas, sobre as rezas e sobre as cartas colocadas na mesa, a sensação de estar perdendo algo ainda é a pior parte.



07/02/2016

Falar de si mesmo não muda nada

Não há como sair desse labirinto, mas ainda não consigo evitar procurar uma saída. Ao menos eu aprendo coisas práticas, behaviorismo, ou como melhor colocar as mãos aos redor da boca ao sorrir. Eu sorrio, rio, até perder a noção da altura da minha voz, até perder parte da graça, até que eu me canse de respirar, até que meus músculos doam. E não faz diferença, embora signifique infinitas coisas, infinitas possibilidades, infinitas respostas.
Eu choro também, bastante sem que eu tenha controle ou que consiga conter, mas ainda prefiro não me deixar levar a lugar algum: nem à pena, nem ao inferno, nem à exaustão, nem à nenhuma saída. De nada adianta que eu enxergue as respostas se eu não consigo alcançá-las.


02/02/2016

Constatações in media res


As coisas são o que são. A busca de significados, que nos faz tão humanos, parece tão somente preencher nossa existência em justificar palavras e só existem como mais um meio de sobrevivência.
As coisas são o que são. As palavras são o que são. As pessoas são o que são. Embora seja dolorosamente fácil preenchê-las (as palavras e as pessoas) de outras coisas, nada faz com que elas se tornem outras por puro desejo de quem as ouve ou vê.
As coisas são o que são. Um "eu te amo" ainda é um  "eu te amo", para o bem ou para mal, não importando quantas interpretações meu coração leviano é capaz de atribuir a essas palavras.
Não há nada que as mude. Não há nada que elas mudem. Nem a minha humanidade, nem a minha resignação, nem a ciência, nem um alinhamento planetário ou sigilo.
Existem coisas pra mudar. Existem coisas pra aceitar.
E aceitar que algumas coisas não mudam está no topo da minha lista de prioridades.

14/01/2016

Estar em uma relação dói tanto quanto estar fora dela

As vezes eu me surpreendo que um sopro forâneo de inocência me dê motivos pra colocar em palavras coisas que eu só sabia no fundo da minha mente, coisas sem explicação ou motivo, coisas alheias à formas. Isso vem pra mim, naturalmente, sem que eu espere ou preveja, sem que eu consiga conter ou medir. Mas dói da mesma forma quando eu coloco em palavras e uso mais do que minha voz pra dar forma a essas coisas tão tétricas.
Mas é isso: toda a minha primitividade advém da retroalimentação da minha baixa auto estima. Há um eixo paralelo ai, entenda, uma voz gutural e deslocada que precisa ser aplacada, curada ou apagada, mas que não é intrínseca nem pura e que me agarra pelo pescoço numa tentativa de me prender ao chão até que eu dobre o corpo numa reverência forçada ao medo que eu tenho de ser rejeitada. É esse o nome que eu não deixo sair de mim nem por um decreto, são essas palavras que não se soltam da minha pele, mas que brilham na camada fina da minha íris invernal.
Veja bem, há tanta gente interessante por aí, muito mais do que eu, que adicionam leveza por onde passam, que não pesam nem exigem, que conseguem dormir à noite, que sorriem e superam, que são fortes e empáticas e belas (tão belas!). Por que haveria eu de privar quem quer que fosse das melhores pessoas que já passaram pela vida das pessoas que eu estimo tanto? Por que haveria eu de deixar que eles se preocupassem com essas coisas transitórias da minha existência? Mas dói sim [e dói muito], porque há de se dizer que tudo isso é racional e é luta, porque o primitivo mesmo vem do ímpeto de gritar e quebrar coisas, de não suportar a dor de um desprezo involuntário[?]. 
Dói em mim tanta coisa, tanto desespero e egoísmo, tanta verdade, inveja, ciúme e desejo de destruição, que a barragem que segura a correnteza selvagem de um milhão de rios de lágrimas vibra e se desgasta ao impedir os ímpetos violentos da água. Há de se dizer que meu silêncio é muito cheio de tudo, mas mais do que isso, é cheio do abraço morno da fuga, é cheio do ruído ensurdecedor e feroz do pranto do meu distúrbio.

Eu vou procurar ajuda. Talvez nas férias a gente ria disso tudo.

08/01/2016

Todas as tentativas são falhas, porque são tentativas.
Pra se ter sucesso em um suicídio ele não pode ser uma tentativa. Há de se ser assertivo. Com sujeira ou sem, há de se ter certeza. E mesmo aquela frase "se só tiver medo, vai com medo mesmo" parece estranhamente sedutora e distorcida. Mas mesmo com medo, há de se ter certeza.
E certeza eu não tenho.

Isso me põe num grupo estável de pessoas que parece estar bem.

Estável.
A palavra estável dá uma falsa ideia de segurança. Tudo nela vem recheada de esperança, de regularidade, de falta de surpresas, de aspecto inabalável. Tudo o que é considerado estável leva à ideia de equilíbrio, à confiança.
Mas até que uma bomba exploda, ela é considerada estável.

07/01/2016

Hoje eu resolvi pedir ajuda

O nojo por mim mesma se tornou algo tão racional e palpável que eu não chorei. A decisão de pedir ajuda não veio por causa do meu corpo, por causa do meu peso ou por causa dos inacabáveis pensamentos me dizendo pra me matar porque eu era uma pessoa horrível de caráter questionável, uma pessoa egoísta, mimada, narcisista e grosseira, que iria morrer sozinha enquanto tem pena de si mesma. A decisão de pedir ajuda veio porque eu não aceito mais pensar assim sobre mim mesma.
Eu, pela milésima vez nessas últimas semanas enxerguei as coisas como elas são, as reações como elas se estabelecem e o que acontece dentro de mim como em uma vitrine. Não foi surpresa constatar que eu não estou bem e que, no momento, não há possibilidade de resolver nada [o que quer que seja] sozinha.
Não é uma questão de mudar de pensamento, porque eu enxergo o erro, eu sei onde ele acontece, mas não sei como acabar com ele ou fazer com que ele pare. É como um carro sem freio ladeira abaixo. E eu estou no banco do carona sem o cinto de segurança.

Pedi ajuda.
Preciso ser levada à sério.
EU PRECISO DE AJUDA.
Por favor, é só o que eu preciso.
Eu não preciso que alguém diga pra "não pensar coisas ruins".
Eu não preciso que me digam mais uma vez que eu preciso "me amar mais".
O QUE ISSO SEQUER QUER DIZER?

Eu preciso de apoio.
As coisas estão saindo do controle.

02/01/2016

Gazes e ataduras

Pior do que simplesmente a separação de mim mesma está a dificuldade de não ter a oportunidade de me despedir. De apenas sentir como se meus membros se soltassem do tronco num demorado processo de separação fluida de articulação, ossos, carne... Sangue.
E eu perco pedaços sem que haja norte, sem que haja motivo ou mesmo sem que eu note, numa displicência sinistra e silenciosa em que eu perco a cadência do tempo e me sinto pra sempre como se acordasse de um pesadelo sem nunca ter ido dormir de verdade. Fecho os olhos pra dormir e os abro mornos e embaçados de sal, com a boca num arco infantil e a língua colada no palato seco. Inspiro cansada o ar denso de onde quer que eu esteja, pra expirar uma lufada morna de infinito desprezo e tristeza, assim pela metade, porquê é como eu sinto passar o tempo: inaproveitado, desperdiçado, tão ou mais despedaçado do que eu, mas infinitamente mas paciente.
Me irrito com o fato de que há algo, aquele algo, ainda espreitando as curvas do meu subconsciente, roçando seus olhos na minha nuca, tensionando minhas costas como os cabos de aço da ponte que sustenta a minha frágil auto estima. Como as notas daquele violino triste que prolongava o sustenido até o limite da lágrima presa na garganta. Como andar na rua vazia minutos antes de irromper o amanhecer e não ouvir nada a não ser o eco dos próprios passos refletidos na respiração pesada dos que dormem.
Há esse algo, que começa a me desmembrar em plena luz do sol, sem escrúpulos nem pressa. Esse algo que me provoca os sentimentos mais primitivos e crus de saudade, tristeza, raiva, solidão e uma profunda inveja de algo que eu prefiro não verbalizar porque existem coisas que não devem ser colocadas em palavras com o risco de se tornarem reais. Esse algo que aperta muitas partes do meu corpo ao mesmo tempo, como uma mão gigantesca e agourenta, da qual eu não sei como fugir.
Meu medo tem cheiro de lençóis limpos e gosto de sal. Meu medo fecha meus olhos para que eu durma, e beija minha testa enquanto arranca mais um pedaço de mim com as mãos ritmadas nas batidas do meu coração remendado. Meu medo não me dá sequer o direito do adeus.