29/01/2010

Levitação

- Então, acho que te devo algumas coisas - Ela começou - Te devo algumas noites de paz e o meu silêncio puro. Não o meu silêncio típico, mas o silêncio que se carrega nos dias de paz. Porque é isso que se faz, não é? Ficar em silêncio apreciando a paisagem doce, o por do sol, o balançar do rio suave. Sem exigir, sem se importar. Eu nunca deixei de ver as pedras no fundo do rio; Eu nunca deixei de sonhar com aquele lugar.
- Então você é feliz - Eu afirmei enquanto acendia outro cigarro.
- Acho que sim. - Ela fixou o nada. Se inclinava graciosamente sobre a mesa e seus seios de menina pareciam ainda mais belos sob o tecido. - Te devo um beijo. Aliás, acho que te devo milhares, mas acho que se o beijo ocorresse agora, então seria vazio, sem significado.
- Claro, como todos os beijos que você distribuiu por ai.
- É, acho que sim. O beijo seria absurdamente sem sentido, embora eu ainda guarde um pra você, pra uma hora especial. Talvez na hora da morte, um último beijo. Ou talvez seja o beijo que me desperte.
- Romance. Você também me deve uma folga disso, não? - Eu a encarei duramente e ela me olhava carente com seus olhos cinza-brilhantes. Se ajeitou na cadeira enquanto arrumava os cabelos castanhos na presilha que eu dera pra ela. Carregava na cintura algumas dezenas de fitas de cetim cuidadosamente amarradas pra lembrar das pessoas que lhe fizeram perder o fôlego. Quando queria sentir a paixão de novo, então apertava um pouco mais uma fita. Quando me olhou de volta era carregada de uma ironia que não combinava com ela:
- Não foi eu quem me criou, foi você. Eu não sou assim porque quero, sou assim porque um dia na sua infancia doentia o caminho para a separação foi criado, mas você não o interiorizou muito bem. Eu sou o inicio do romance da sua vida, a personificação do seu desejo mais íntimo, o seu Complexo de Electra.
- Não acho que eu tenha isso. - Olhei-a incrédula.
- Você nunca acha que é doente. Você é doente. E eu sou uma parte disso. - Ela apertou três fitas da cintura em sequencia. Fechou os olhos enquanto prendia a respiração, antes de soltá-las em um suspiro.
- Então, o que você me deve é uma cura. - Eu observava o cigarro queimar sozinho, com centímetros de cinzas penduradas antes de cair.
Ela pensou, confusa perante a minha epifania. Franziu as sobrancelhas bem desenhadas, a mão deslizou devagar nas pregas do vestido num gesto lento.
- Sim, talvez eu te deva isso. Talvez então seja isso, no fim. Acho que vou embora agora. O que devo te falar? Que foi bom estar aqui com você durante tanto tempo? Que vou sentir sua falta? Que ainda te devo o melhor beijo da sua vida? - Ela sorria como a adolescente que um dia eu fui - inocente.
- Não, apenas diga que vai voltar, só. Um dia, quando eu precisar de novo de você; - Eu a encarei novamente e meus olhos se encheram de lágrimas que eu forçava pra segurar.
- Certo garota, tente se cuidar. Eu volto, talvez. E tente não chorar minha ausência. Você nunca foi boa com separações.

Ela se virou e seu vestido de algodão cor-de-rosa girou graciosamente enquanto ela ia embora. Instantaneamente meus olhos secaram e minhas entranhas se moveram em protesto. Eu tive medo por um instante, então passou. Talvez, separar-se de si mesma não seja tão ruim. Talvez meu problema com separações fosse só uma parte do meu romantismo aparentemente incurável.

Minha vida sem romance seria estranha, mas eu viveria.

27/01/2010

Nemo ad impossibilia tenetur

Naquela tarde, Amara se sentira mal na escola. Achava que era uma dor qualquer, um mal-estar por causa do calor de Janeiro. Uma aspirina, duas, nada. Um pouco mais de água, talvez. A dor piorou. Chamou a melhor amiga pra acompanha-la no banheiro da escola, pra lavar o rosto, descansar um pouco. "Amara, tem sangue na tua calça", a amiga espantada já corria pra não deixar que Amara caísse.


Amara sentiu rápido o frio do chão do banheiro nos ossos, estava dentro dela, e ela se sentia tremer. A dor gritava de dentro dos seus pensamentos, confusos, e parecia querer sair dela rasgando-a devagar do ventre pra fora. Ouvia muito de longe a voz de Laura chamando ajuda dos professores. Depois disso, tudo foi silencio.

Levaram Amara para o hospital mais perto e ela ficou lá, não sabe por quanto tempo. Entre a vigilia e a consciencia ouvia comentários entrecortados em vozes que ela não conhecia. Ouviu a voz de sua mãe, e seu lamento contido. "Ela não sabia... Isso não é raro na idade dela.", "Não, não me parece ter sido forçado. Os exames não encontraram nada, nem remédios, nem chás, nada."

Algum tempo depois, ficou consciente. Se preparava para chamar alguém quando viu a enfermeira entrar no aposento pra trocar os lençóis do paciente ao lado. Tentou chamá-la, mas ainda se sentia fraca, resolveu descansar mais um pouco.



- O que aconteceu com essa, Juliana? - Dos pés da cama dela, outra enfermeira analisava uma prancheta.

- Aborto espontâneo, chegou aqui quase morta, teve uma hemorragia. Administramos as medicações de procedimento, e mais três unidades de sangue pra que pudéssemos ficar tranquilos. Ela teve febre e a curetagem foi evitada. Administramos Misoprostol, estamos aguardando a recuperação dela. - Juliana falava dela com um certo desprezo na voz.





Então era isso, um aborto. Ficava mentalmente tentando contar o tempo, tentando saber onde havia se perdido. Então sentiu um medo irracional, medo do que poderiam pensar dela e de como tinha sido uma criança. E quase botara todos os sonhos dela fora.

Ao menos a achavam inocente, mas já sabia do fardo há cerca de seis dias. Contou mentalmente, devia estar com quase três meses.

Aqueles seis dias anteriores o terror havia se apossado dela, como se não houvesse saída. Faltou à escola, chorava dia e noite. Teve vontade de esmurrar a própria barriga, de gritar até que a criança saísse. Laura não sabia, ninguém sabia. Laura era responsável demais e a odiaria. Teve vergonha de como a amiga a olharia com desprezo. Sentia o desespero de estar em uma armadilha, algo feito por ela mesmo. Pedia a Deus que tirasse a criança dela. "Eu nunca mais faço isso, eu juro!", dizia baixinho em desespero.

Lá pelo terceiro dia, quando se sentia cansada demais para chorar, começou a compreender que talvez tudo desse certo. Ela podia fazer aquilo, já era quase adulta! Sua mãe a ganhara com mais ou menos a mesma idade. Nunca achou que pudesse se pensar mãe, não com dezessete anos. Então era verdade. Precisava começar a pensar racionalmente.

Colocou uma meia duzia de peças de roupa na mochila, talvez tivesse que dormir na casa de Laura quando a mãe soubesse o que acontecera. A mãe de Amara era alguém potecialmente imprevisível.

No dia que se seguiu, teve um mal estar, não conseguiu levantar da cama. No outro, conseguiu a custo ir á escola, mas então, tudo aquilo aconteceu. E ainda se lembrava do chão do banheiro onde tremia.



-Tenta entender criança, que as coisas raramente acontecem como a gente quer. Pra outras pessoas, nunca ocorrem. Quando a gente aprende a gostar de algo que não gostava, então a vida dá um jeito de mudá-la. Talvez você tenha sorte... ou não.- A enfermeira tentava a confortar com um sorriso forçado no rosto.

Amara não respondeu. Não sabia a resposta, ou talvez ela não existisse.



Foi só uma vez, matou aula, fugiu com um garoto que conhecera na frente do bar da escola naquele mesmo dia. Tentava se lembrar do nome dele... Vitor, Mateus, Paulo? Nem isso. Sim, ela era a pior pessoa do mundo. "Deus é idiota. Não... Eu sou idiota."

Apesar de tudo, um vazio tentava tomar o lugar do desespero; Talvez ela quisesse a criança. Pensou uma vez em um nome, "Arthur, porque era o nome do meu vô", chegou a falar pra prórpia barriga, aparentemente do mesmo tamanho de meses atrás. "E se for menina?... Não... Decididamente um garoto"; Fazia poses em frente ao espelho, tentando notar alguma mudança, o que tornava aquilo ainda mais surreal.



Já em casa, deitada no sofá, semi-recuperada, ouvia sua mãe andando de um lado para o outro no quarto ao lado, discutindo com alguém no telefone. Provavelmente seu pai. "Onde foi que a gente errou? Onde?... Fala com a tua filha Osvaldo, fala com a tua filha!"

Talvez fosse um castigo, porque como disse a enfermeira, "As coisas raramente acontecem como a gente quer"; E Deus a estava castigando. Já estava se acostumando à ideia de algo apenas pra si. Mas então era isso... A vida não era como desejava.

Levantou-se ainda meio tonta e foi ao quarto e detrás do travesseiro organizado, ao lado de seu urso de pelúcia encardido, retirou um par de meinhas amarelas minúsculas. Calçou nos dedos e andava com eles sobre os seios de menina que imaginava cheios de leite, pensando em pequenos pezinhos cor-de-rosa mornos e perfurmados. Talvez tudo isso fosse um erro, mas não cabia a ela julgar.
Então, a criança se fora e levara um pedaço dela junto. Talvez o pedaço mais vivo que ela já teve, o que a fazia real, o que a fazia sentir-se diferente, única de uma forma simples e doce, mesmo que por tão pouco tempo. E dali por diante talvez, ela ficaria grávida pra sempre, prenha de sonhos que nunca nasceriam.

26/01/2010

Sofisma


Ensina-me a amar devagarinho, ensina-me a não acordar dos sonhos.
Não tira o amor de mim, tira a maldade.
Guia-me no vale do não-pensar, pelo caminho infinito da inocência.
Porque ao pensar, acordei. E ao mentir, vi a verdade.


25/01/2010

Devilish


Passavam das três da madrugada, de um domingo para uma segunda e eu contava o tempo para acordar em um outro dia. Tinha escrito como um animal insano em cima de um teclado cansado de trabalhar e toda a minha energia lógica tinha sido drenada de mim pra fora, rápido demais.
Ao meu lado, ele se agitava em uma semi inconsciencia durante a minha crise-existencial-sem-fim;
Eu pensava o quanto poderia ser fraca em determinados momentos e me deixar levar pela correnteza sem lutar. Como eu poderia desistir rápido ás vezes. Não conseguia definir se isso era bom ou ruim ou mesmo se era real. Eu estava confusa. Pensei que em minha mente eu fantasiava há muito tempo que ainda tinha 17 anos, mas isso fazia tanto tempo... Quando era meu aniversário?
Ouvi a respiração dele ficar mais leve, e ouvi a voz dele me chamando. Respondi. Ele passou a mão no meu rosto. "Tá chorando?" e eu disse "Não é nada", porque meu "nada" é cheio de tudo e de muitas outras coisas.
Me aconcheguei nos seus braços e através da penumbra do quarto vi que ele também tinha os olhos abertos pro teto.
"Quantos anos eu tenho?"
"?!"- ele com a voz rouca de não ser usada.
"Quantos anos eu tenho?" - falei devagar pra não chorar.

Apenas dois segundos ou menos se passaram até que ele me respondesse.

"Mais do que eu;" - Ele disse sem hesitar.

Eu ri.
Claro, talvez eu fosse mais velha pra ele do que me parecia. E eu que vejo estampado em meu espelho o mesmo rosto de quatro anos atrás e penso exatamente as mesmas coisas; E eu o vejo realmente mais novo, uns oito anos ou talvez quase isso. E o trato como eu havia prometido á mim mesma não tratar: como um filho ou um irmão. Com o amor de amante e a justiça que ele não merece.
Porque ele é isso, uma pessoa que dependerá discretamente de mim mesmo que eu não note e que será meu mais fiel devoto. Eu que penso que isso é realmente ridículo e injusto. Mas então eu vejo novamente que o mundo não é o que poderia ser se todos fossemos independentes, o mundo não é nem um pouco justo e a gente nada contra a corrente porque um dia alguém determinou que tinha que ser assim.

Depois de um tempo eu continuei fitando o infinito do escuro. E divaguei.

"Tu é mais inteligente que eu." - Ele riu. "Claro que é. Eu não estaria contigo se não fosse tão inteligente. E tu é esperto, esperto como um diabo. E se tu não fosse esperto entao eu não gostaria de ti, porque tu seria uma pessoa absolutamente monótona. Cara, tu seria muito chato se não fosse esperto. E tudo o que tu passa para as pessoas passa reto por mim porque eu não te subestimo. Eu não te subestimo, sabe. Eu sei o quanto tu é aquilo que tu não mostra e é disso que eu gosto. Porque as vezes tu me fala alguma coisa e me testa, porque tu é um desafio pra minha mente estranha e incansável. Porque tu é um dos poucos que me faz pensar de longe, e eu tento entender o que eu sou pra ti e me coloco em cada esquina, pra tentar te entender também."

Ele, que não consegue fazer compras sozinho, que precisa que alguém controle o horário do remédio, que não se alimenta sem que um prato esteja servido na sua frente, que é cinco anos mais velho do que eu no papel e reais oito anos mais novo que parece. Ele que é esperto e subversivo como um demônio.

Que me ama, mesmo que do jeito dele.
E que continua sendo uma grande incógnita na minha cabeça insana.

24/01/2010

Lissofobia



Éramos três sentados em um bar qualquer das ruas de Porto Alegre. Passava das 4 da manhã, mas os efeitos do open bar ainda estavam lá. Foi entao que surgiu, o "círculo da Anistia";
Claro, cartas na mesa, sem meias palavras, sem aves-marias, sem interrupções, sem julgamentos. A proposta então era de jogarmos as verdades. Utilizar nossas habilidades etílicas para confessarmos nossos crimes.
"Eu sou má.", ela disse. "Sou um monstro" e seguiu apenas falando, deixando que as palavras tomassem formas. E as palavras tomaram as formas de um mundo estranho, assustador e maravilhoso. E os animais daquele lugar eram pequenos mamíferos inocentes e previsiveis na campina. E ela era uma fera, e eles eram indefesos. "Sou tudo isso. Isso faz de mim um monstro.", ela encerrou depois de um gole da vodka quente. Fechou os olhos vagarosamente e sorriu de uma piada interna que nós não entendemos.
"Eu sou bobo", ele disse. "Sou um ingênuo" e seguiu descrevendo seu mundo. E nele as pessoas nao passavam por ele, mas corriam, o atravessando. E ele refletia o quanto era sozinho naquele mundo de 76 bilhões de pessoas e possibilidades. E que não conseguia nenhum tipo de simbiose, porque as pessoas ali não ficavam tempo suficiente para criar raízes. "Sou tudo isso, ou sou nada. Isso faz de mim o vazio.", ele puxou o último cigarro do maço e acendeu. Escorou-se na cadeira e silenciou-se, pensando.

Então, veio a minha vez. Puxei o copo de vinho para minha boca, e de um gole tomei o copo todo. Absorvi devagar tudo o que aconteceu e tudo o que ouvi, e tentei permanecer eu mesma, antes de absorvê-los para mim, como o ar. Separei-me de tudo e pensei, pela septuagésima segunda vez pensei no que eu era.

"Eu sou... Eu sou confusa.", eu iniciei, incerta. "Sou um pedaço de vocês, e sou nada." e segui divagando.
"Eu busco aprovação. Eu sou uma criança, eu sei. Ás vezes eu preciso ser julgada. Seja pela minha roupa ou pela minha opinião. Eu me julgo o tempo todo. Meu corpo, meus cabelos, minhas roupas eu julgo e meus olhos são ferinos. Eu me exijo, eu me dôo, eu me penalizo. Não preciso de anistia, não quero indulto. Eu deixo de viver muito por causa disso. Eu penso demais. As melhores coisas do mundo, as que a gente faz sem pensar, são as que não combinam comigo, porque eu não sou tão Wild quanto eu me vendo. Eu me vendo. Eu minto, porque eu gosto de falar o que as pessoas querem ouvir. Se eu minto pra você não é porque eu quero mentir, é porque eu gosto de você... E quero que você goste de mim... Ou talvez goste do que eu venda pra você; Eu não sou como a água, eu não diluo, eu não faço erosões catastróficas. Eu sou o fogo, eu destruo e me consumo, depois eu pergunto. Eu combato terror com terror.
Houve uma noite, há um tempo atrás. Eu chorei durante muito tempo aquela noite, jogada em um canto de uma festa, bebada. Chorei como uma criança desesperada por mais de uma metade de hora. Aquilo foi eu registrada no meu espelho. Deixe-me contar o que aconteceu, talvez as coisas fiquem claras... Pra mim.
Aquela noite, eu fui testada por mim mesma. Me arrumei e pensei em ficar bonita. Pensei em ser desejável. Me arrumei pra você, porque queria ser aprovada. Queria que acontecesse o que acontece comigo quando eu vejo você: Eu gasto muita energia evitando o movimento de me ajoelhar diante da tua beleza, porque ela me é sagrada e arrebada meu sangue do corpo como se não houvesse chão. E então, estampei meu sorriso, vesti minha melhor máscara de 'menina bonita' e fui te encontrar. O tempo passou de uma forma muito devagar enquanto eu te esperava, mas eu continuei em pé. Achei que você não viria.
Eu te observei na multidão e fui tomada de um desespero tal que fiquei surda. Discretamente, segurei a mão do meu namorado e a apertei com força, porque precisava de algo pra me deixar no chão, pra me deixar firme, pra me lembrar que eu devia continuar viva, que não deveria pedir pro meu coração parar.
E então foi isso. Fiz meu papel, sorri, fiz de conta. E vinte minutos depois eu estava no chão, chorando o que eu não tinha chorado durante muito tempo. Minha máscara estava no chão, rachada de fora a fora, porque eu fui arrogante, porque eu cheguei a pensar que um dia eu chegaria a te chamar a atenção. Você estava companhada de pessoas tão bonitas e interessantes e inteligentes, que eu me achei tão feia, tão feia, tão feia e tive vontade de me atirar de um penhasco. Não era ciúmes... Eu acho. Pela primeira vez, eu reconheci a tolice de tudo aquilo e desejei que você não fosse tão bela. Desejei acordar. Desejei me despir na tua frente, bater no meu peito e gritar que eu era aquilo e que a monstra era eu. Senti o peso de tudo o que eu fingia ser, descer sobre mim e o quanto aquilo me deixava transparecer tão mal o que eu queria ser."

A sintese do Meu mundo. Meu mundo?

Meu mundo é cheio disso, de toda essa merda. Porque mesmo aqui, quando escrevo isso eu não consigo falar tudo o que eu quero, da forma que eu quero. Porque tudo o que eu escrevo aqui eu desejo que tenha atenção, porque eu quero a aprovação e quero o julgamento.
Porque acima de todas as outras coisas, eu conscientemente sou um animal indefeso esperando que a fera me arrebate. E conscientemente eu passo através dele e não crio raízes.

E eu sou uma tola por ter tudo isso, e não consigo conviver com o silencio. O meu silencio que é cheio de tudo, o meu vazio que é cheio da tua voz me chamando.






E eu te desejo, impotentemente, como homem.
Eu te quero, dolorosamente, como mulher.

19/01/2010

A-temporal

Da tua boca macia, quero só o toque;
Do ontem, quero só a lembrança.
Do hoje, quero só a intensidade;
Porque do amanhã, só quero o acordar.

Do verso, não quero rima.
Da briga, não quero o ódio;
Das lágrimas não quero a tristeza;
Porque tudo o que vai, tem que voltar.

Do café amargo, quero só o cheiro.
Dos olhos verdes, quero só a chama.
De ti, acho que só o silencio,
Porque não tenho nada pra te dar.


"Não tema o que você está prestes a sofrer.
Contemplar o demônio é se jogar dentro de uma prisão."

18/01/2010

O Infinito do Sem-Pensar

Eu lembro de estar escuro e que ao abrir os olhos eu apenas via a silhueta dos móveis da sala de estar. Lembro também da silhueta dela e da sombra da renda preta que ela usava como roupa intima. Lembro do perfume dos cabelos e da pele dela, cheirando a Pur Blanca e licor. Febrilmente eu me enterrava naqueles cabelos enquanto sentia a pele do seio branco dela no meu. E ela tocava seus lábios semi-abertos na curva do meu pescoço, absorvendo minha alma, mordendo meu coração suculento. E as palavras saiam sussuradas da minha boca sem que eu pensasse nelas, como uma prece.

"E eu estou aqui agora, e você está comigo como sempre esteve, e eu sinto que agora somos uma. E somos todas, porque elas estão aqui também. Eu sinto todas as que fomos e todas as que seremos, e tudo o que é sagrado em mim e em ti nos abençoam agora. E a energia que existe em tudo o que fizemos e em tudo o que desejamos até agora está em nós, o calor do meu sangue é teu e eu sinto teu gosto na minha boca."

Eu lembro de chorar convulsivamente entre o prazer e a gratidão, porque eu estava ali e era tudo o que eu sempre quis. Eu senti a devoção e o temporal abatendo-se sobre o meu corpo e senti que poderia morrer. E eu não me importava. Eu sentia o sensualismo e meu corpo pulsava, doentio. Eu sentia minha pele quente e ela pedia pra que tudo aquilo nunca terminasse.

Ao ficar consiente do meu corpo, senti que a mão dele me tocava durante o sono. Senti seu hálito rápido entrecortado no meu pescoço e a sua mão macia no meu seio.
Abri os olhos pro mundo real, e como se fosse uma criança, afastei-o delicadamente de mim, tirei sua mão do meu seio, e me aconcheguei nos seus braços enquanto ele ainda me procurava, cego. Afaguei-o até que ele adormecesse completamente enquanto contemplava o ar frio do quarto.

Do alto do guarda-roupa meus bichos de pelucia me olhavam indiferentes; Baixinho eu me amaldiçoava por ter apenas sonhado.

14/01/2010

Minha Loucura anda estranhamente silenciosa.
Eu a adotei há um tempo atrás, ela andava a me pedir isso há muito tempo, puxando convulsivamente meu vestido. Deixei ela adentrar minha casa, porque afinal eu também me sentia muito sozinha e ter compania não poderia ser assim tão pior.
Nesses últimos dias ela se senta aos meus pés enquanto eu desenho e escrevo dia e noite. Ela também não está a falar muito ultimamente e brinca sozinha com seus bonecos de madeira. Ouço-a cantarolar baixinho para eles se prestar bastante atenção.

Ando preocupada, uma Loucura quieta é pior do que uma loucura barulhenta.


13/01/2010

De uns pedaços espalhados por aí

[...]

Entretanto nunca me senti tão viva, nunca me senti tão próxima do chão;
É tudo isso que me conecta ao mais forte de mim, de mais belo. A única parte que é minha e que não diminui. Que é de quem eu escolho ser, que é densa e profunda, que é única e cresce infinita. Sou dele e sou dela, de partes tão diferentes, de mundos tão distantes, que sinto o ar frio do espaço entre eles enquanto meu coração se estica, no céu que pinto de vermelho.

Amo de corpo inteiro, sempre, até que eu esqueça de respirar.
Dói, e a dor também é minha, e é bela.




"Não gostaria de insistir, mas a beleza dos jovens que se amam é melancólica. Eles não sabem ainda que o desejo de morte é o mais perverso, que só uma coisa os tornaria puros: roubar o fogo e incendiar a cidade." (Eugenio de Andrade)


Let's burn the city, lennavan!

04/01/2010

Dos lugares que eu vou e vejo

Então, desci os degraus gastos meio incerta. Ao chegar na porta toda a luz do dia me ofuscou assustadoramente. Eu senti que ela transpassava minhas pálpebras e enchia minha cabeça de branco. Por uns 10 segudos eu não vi nada, detrás da minha careta.
Ao me acotumar com a luz que eu vi. Mais do que ver, eu senti.
Num patio de pedra enegrecida que se estendia à minha frente, algumas dezenas de pessoas passavam apressadas. No final dessa extensão, em um inicio de manhã eu me senti pequena diante de tal monumento.
Nunca imaginei que seria possivel mãos humanas fazer... aquilo. Em poucos segundos eu fui tomada dos mais diversos pensamentos simultâneos. Tomei conhecimento do ar limpo e fresco, tomei conhecimento da extensão do céu que me cobria e de como eu poderia ser esmagada contra o chão de repente, com medo. Eu tive plena consciencia do meu corpo e de como eu era pequena e tremi. Eu tive noção de toda a minha falta de humildade, de como eu gostaria de ter ido ali antes e de como eu não gostaria de sair.
Ao avançar para tocar na pedra bruta da catedral, eu fui tomada de uma comoção absurda, de anos de desejos, de milhões de pedidos sussurados naquelas paredes. Eu desejei também, então. Muitas coisas, eu pedi pra quem quisesse ouvir os meus pensamentos, e fui tomada de um sentimento puro de graça e gratidão;
E eu tive nojo. Tive nojo do orgulho humano e tive nojo de mim mesma, admirando um trabalho tão minimamente calculado. Eu vi beleza nos bancos de madeira escura e polida, vi beleza nos centenas de pilares que se estendiam, vi beleza refletida nos rostos das pessoas lá dentro. Eu, que nunca vi beleza em coisas perfeitas demais.

Mas então eu me dobrei na frente do altar ricamente ornamentado e chorei de tristeza, porque ninguém jamais poderia ver o que eu vi.

Die Grenzen meiner sprache, bedeuten die Grenzen meiner welt.