06/05/2010

Vanilla Sky

Sentei-me com as pernas cruzadas no chão em frente à ela, que estava sentada na cadeira baixa da sala de estar da minha casa. Ela me olhou muito no fundo dos olhos enquanto me estendia a mão macia em direção aos meus cabelos. Escorei minha testa no espaço entre seus dois joelhos enquanto ela acariciava ternamente minha cabeça.

- Não gosto de você - eu disse. - Queria gostar, mas não gosto. Lembro que desde que primeira vez que eu te vi, olhei pra baixo (porque as pessoas sempre me parecem baixas demais) e tive uma comoção espontânea de amor-ódio. Você tem aquele jeito bobo-adolescente, e é melhor que eu em tudo! Tem uma beleza dessas que me provocam uma dor inexplicável, dói mesmo, aqui dentro e eu sei que você sabe que ela existe, essa tua beleza arrebatadora. Você fere profundamente meu ego e me deixa sem resposta. Por mais que esteja errada, você "sempre está certa", isso me irrita tanto que tenho vontade de arrancar teus cabelos num puxão ou te morder com raiva, inteira, pra tirar pedaço desses teus bracinhos roliços, desse teu pescocinho branco. Eu queria mesmo gostar de você e talvez te ter pra mim, mas não gosto e nem te tenho... Por que estamos aqui?

- Não sei criança. Foi você quem me chamou aqui, como sempre me chama, com a raiva que você acha que é necessária sentir, mas por quê acha que eu deveria saber de algo? Sei que você acha que sou uma parte estranha da sua mente, mas não sou. Estou do outro lado da porta e não faço parte de você, te substituí em um momento estranho da tua vida e isso é completamente diferente. Isso não é nem problema meu. Acha que eu gosto de ti? Também acho que seria interessante, também queria gostar de você ou até de mim mesma, mas não gosto. Por motivos particulares bem inexplicáveis não gosto. Não fica achando que é o tipo de coisa que você pode prever, presumir, subentender, lembra sempre que eu não faço parte da tua mente e que no fim das contas, você sequer gosta de mim.

Ela se inclinou pra mim, suficiente pra que eu visse a pinta na íris verde-azulada de seu olho. Ainda de olhos abertos segurou meu queixo e roçou os lábios nos meus, devagar. Enquanto eu trancava a respiração e me controlava para não fechar os olhos, talvez por uma eternidade, senti ela se tensionar. Ela fechou os olhos levantou a mão e quando a desceu, acertou meu rosto com um estrépido cortando o silêncio. A sala tomou uma cor amarelo-claro, rápido, e ouvi um gemido saindo de mim enquanto meu rosto queimava em brasa.
Ela abriu os olhos vagarosamente, sorriu um tanto sádica e levantou-se. E enquanto eu tentava entender o que tinha acontecido ela pegava suas coisas e ia embora, como tantas vezes já tinha feito.

Descobri que, no fim, é esse a síntese do motivo pelo qual não gosto dela; Sempre me beija de olhos abertos, mas sempre me fere de olhos fechados.

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Ah criança, talvez você nem venha aqui, talvez nem se importe que eu escreva aqui sobre você, talvez nem saiba que penso em você dessa forma estranha. Talvez ninguém soubesse até hoje. Mas não faz diferença, porque tenho pensado em você nesses dias, assim, com essa tensão retida, quase raiva e ciúmes.
E eu não me importo, nem faço isso porque liguei o tal "foda-se o mundo", só quero te dizer que apesar de não me importar eu me preocupo às vezes, porque ainda sou humana e gosto de gostar das pessoas. E essa é uma das únicas coisas que tenho de verdade em mim. 
Por que não nos gostamos?

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