22/02/2010

Re-princípio

Olho pra trás e não sei o que pensar. Sei que mudei diversas vezes, de muitas formas diferentes e extremas. Tudo isso que eu provoquei em mim está acompanhado por uma leva de temporais absurdos e implosões/explosões que agora me parecem sem sentido. Isso pra quem me conhece não é nenhuma novidade, mas o colocar aqui, documentado de alguma forma, me faz aceitar e acreditar.
Talvez eu passe a documentar aqui coisas óbvias sobre mim. Para todos os efeitos... só uma tentativa de tentar me entender e me encontrar em mim.
Faço isso agora de forma coerente, e talvez mais tarde não sinta nada mudar em mim. Talvez seja assim então, o realizar de verdade. Ou não.

***

Talvez um beijo, um abraço e nada mais... O fato é que fantasio muitas coisas.
Talvez quando eu me sinto feliz é quando me desapego de todo o resto. E que quando penso em prazer ele me vem simples e puro... Talvez de mim mesma, talvez de um pensamento ou um toque. Ontem, pela primeira vez, obtive um prazer puro, sem culpa, sem apego. Criei o que penso ser uma pele fina sobre a que eu tenho, sensível e resistente, coesa e expansível.
Eu me trato muito mal... Talvez a cura seja só um processo de ver, tocar e realizar.

17/02/2010

Blasfêmia

De um tempo que não é tempo.
De uma companhia que não é minha;
De algo que eu não me importe;
Vindo de um eu tão profundo, indizível, intrincado.
Eu que vejo todos aqui, perdidos;
Que me vejo própria e não lembro.
Eu que me dispo de tantas coisas,
Que ainda carrego tantas outras tatuadas na pele, nunca nua.
Pra um dia recomeçar, talvez;
Pra aspirar devagar o perfume da minha própria pele;
Eu que nunca pego o tempo nas mãos e só o vejo passar...
Das coisas que eu preciso, das listas que eu desfiz;
O contestar, a solidão pura, paz e interiorização únicos.
Ou talvez eu deva aceitar então o que simplesmente é.

{...}

 

Words, play me deja vu, like a radio tune I swear I've heard before.
Chill, is it something real, or the magic I'm feeding off your fingers?

12/02/2010

Porque elas sempre estiveram lá

Eu balançava os pés descalços no infinito ar fresco da beira do abismo. Sentada com as mãos espalmadas sobre os pedregulhos, o capim e a terra, eu me sentia completa.
Claro, haviam os que me achavam louca. E havia os que me admiravam por ficar por ali há tanto tempo, fazendo o mesmo, sem nunca pensar em outra coisa. Tudo aquilo era o que eu tinha como paz inteira. Nunca havia percebido o quanto trinta anos poderiam passar rápido, mas não fazia mais diferença.
Num desses dias, desses que a gente acha que nada vai acontecer, um garoto de uns 7 ou 8 anos sentou-se cuidadosamente ao meu lado. Escorou-se no meu ombro, desajeitado enquanto se sentava. Eu via que ele não tinha medo do abismo também, e ele me lembrava eu mesma quado tinha a idade dele, sem medo. Ele tinha aqueles olhos muito astutos embaixo das sobrancelhas muito grossas e lábios finos, e fios de cabelo que eu nunca poderia imaginar mais negros.
Após algum tempo em silencio, ele tomou a frente:

- E então, o que há de tão bom aqui? Minha mãe disse que você fica por aqui há anos, olhando lá pra baixo. O que tem de especial lá embaixo, que que você olha tanto?

Na hora me ocorreu a resposta "Você não entenderia", mas me vi pensando que eu mesma não gostaria de ouvir aquilo se estivesse no lugar dele. Nenhuma resposta me parecia adequada a ele, com aqueles olhos redondos tão curiosos e sinceros me encarando pacientemente.

- Bem... Eu venho aqui porque daqui de cima posso ver os pássaros do abismo. O ar do oceano à nossa frente sempre me parece subir de forma mais limpa quando varre as pedras e faz com que os passaros aqui sobrevoem, quase flutuem na corrente morna. E... vou te contar um segredo... às vezes, no pôr-do-sol, por alguns poucos segundos em um momento especial tenho a impressão de ver pessoas voando, não são anjos, são só pessoas. Isso acontece com mais frequencia de madrugada, quando as pessoas dormem, então as vejo ali, próximo às nuvens, de olhos fechados e braços abertos deslizando na escuridão.

Ele prestava muita atenção ao céu quando eu terminei, tentava ver o que eu via, mas não via nada, é claro.

- E por que você não voa com eles também? - Ele me perguntou, com ar interessado.
- Ora, porque não tenho asas! - Eu sorri.
- Claro que as tem, todo mundo tem... Então se não tivessem, como voariam?

Sim, era simples assim então. As pessoas voam porque tem asas, simples e complexo ao mesmo tempo.

- E então Sr. Sabe-Tudo, por que eu não Vôo? - Eu ri e passei a mão nos cabelos dele, em um cafuné;
- É simples, há quanto tempo você não se olha no espelho? - Ele me encarou quase sério;
- Não sei, faz diferença? - Eu perguntei, dando de ombros.
- Claro que sim, se você se visse no espelho, então veria também as suas asas;

...


"Percebendo o pulsar que leva do simples para o intrincado,
que vai do cotidiano ao mágico, vamos para o norte,
até onde a vida nos levar."

10/02/2010

Entschuldigen Sie, ich muss gehen...

Escrito há um tempo atrás, mas ao ler, vejo que pouca coisa mudou.



Me abraço no doce embalar da noite e sinto minha pele fina, quebradiça. Sinto meu toque retumbar no vazio que há em mim. Eu sou assim, fraca? Choro de tristeza, choro de ciúmes, de raiva; Choro em propagandas bonitas e choro em filmes idiotas. Me amaldiçoo baixinho por ser tão eu. Falo com o escuro, fico chateada por ser tão má, fico chateada por ser tão viciada. Não me protejo nunca, nem quando quero, nem quando preciso.
Sinto perfeitamente o quanto posso desmoronar no chão rígido e frio agora e sempre. Muitas coisas me movem para a frente, inumeras mais me fazem ter vontade de voltar, ou parar. Beiro a insanidade todos os dias e a beijo com fervor, porque ela dentre tantos possui o abismo mais tentador que já vi.

É estranha essa história de ser adulto.

08/02/2010

Accipe quod tuum, alterique da suum

- Me diz o que fazer - Eu observo o teto arroxeado.
Algum tempo depois ele me responde:
- Dorme. Amanhã tu vai estar melhor.
- Ainda preciso arrumar as minhas coisas pra amanhã, preciso tomar um banho, preciso muitas coisas. Preciso parar de me preocupar... Me diz o que fazer. - As coisas  sempre saem inevitavelmente do controle.
- Tu devia fazer o que fala, parar de se preocupar. Dorme, você está aqui se preocupando e chorando, enquanto ela está dormindo. Amanhã tu vai estar melhor. - Ele acaricia meus cabelos e limpa a lágrima do meu rosto.
Me deixo mergulhar na escuridão e o vento lá fora me faz parecer não estar nunca sozinha. Eu acordo no outro dia e nada mudou. Eu sei que ele mente e ele mente sobre isso há três dias. Mas mantém a mentira até o final, até que eu acredite, que aceite ou então esqueça.

 Tenho sido má, mas ainda não me arrependi.

03/02/2010

Pomar de Iduna

Conto infinitamente com as mãos nos olhos enquanto minha mente flui como todo o resto, una e inteira. Muito além da minha voz ainda ouço a voz deles, em movimento, evanescendo e ressurgindo. Sinto que passam por mim, correndo, desviando no último segundo enquanto riem e colidem-se eufóricos. Tento não ver, mas meus olhos sem pálpebra me enganam... Sinto seus passos leves quase flutuarem enquanto se escondem, o farfalhar suave e familiar das folhas seca no solo macio, seus cabelos cacheados pelo vento, seus olhos escuros e brilhantes. Inconsientemente vejo seus rostos arredondados e infantis despidos de tudo o que me inflingi: maldade, inveja, tristeza.
Sinto ainda o perfume limpo da manhã entre as árvores altas e das maçãs molhadas de orvalho... Tudo me parece tão verde que sinto vertigens quando olho para cima. Aqui o tempo parece não passar, a luz é sempre a mesma, sempre a mesma e eu não sinto medo.
E eu mesma sou uma criança sem idade, com borboletas no estômago, hálito de leite, cheiro de terra. Meus pés descalços afundam vagarosamente enquanto remexo a terra fresca e macia. Meu vestido de algodão cheio de folhas entre as pregas, meus cabelos trançados caindo nas costas, longos;

E meus sonhos, travessos, que insistem em brincar na minha mente escondendo-se no meu bosque sem-fim. E a minha vida que pulsa da mesma forma que as folhas que crescem e caem, enquanto a terra se renova, enquanto se passa a colheita e a caça, enquanto eu faço a comunhão com o todo. E a minha energia que é infinita para que eu possa procurá-los além da clareira, além do rio, além da caverna e da escuridão, eu que tenho a vida inteira para fazê-lo.

O lugar onde os sonhos são feitos, a zona-livre-do-pensamento, intenso, leve e denso, intangível, incoerente, inalcançável, inviolável, indomável, meu.