15/04/2010

Diário de Nubia

(...)"Naquela noite me arrumei com cuidado, fiquei sabendo que ele não gostava de mulheres vulgares, que gostava de mulheres sofisticadas, contidas e educadas. Sabia que ele gostava de bancar o dominador, e que tinha talvez uma queda por mulheres mais novas.
Ao chegar ao local combinado, entrei na ante-sala ampla e as portas altas à frente estavam fechadas. Ouvia apenas uma melodia calma vindo de lá dentro, e a respiração acelerada daquele desconhecido me esperando. Avancei no que pareciam ser os passos mais difíceis da minha vida, ouvindo o eco de cada centímetro caminhado no mármore do chão. Pensei que a luz talvez poderia tornar tudo mais fácil, uma luz morna e amarelada, vinda indiretamente de abajures e cachepots espalhados nas paredes e pequenas mesas, mas ainda sentia meu rosto queimar como de uma garota. Toquei a maçaneta devagar e respirei fundo. Apertei-a junto às minhas luvas brancas ouvindo o roçar suave do couro com o metal.
Mas talvez algo tenha disparado na minha mente, uma vergonha, talvez medo. Eu que já tinha feito aquilo tantas vezes me julguei assustada, insegura e patética, uma caricatura de um comportamento humano que sentia desprezar. Pensei muitas vezes, talvez por um segundo, talvez por dez, talvez por uma hora.

Então, em um determinado momento repentino tive a revelação de que meu corpo era só meu e que eu poderia fazer o que quisesse com ele, vi que a vontade de usá-lo era minha também e no fundo apreciava o que ele poderia me proporcionar. E que eu poderia proporcionar esse prazer íntimo de desapego não só à outras pessoas, mas a mim mesma. Que isso no fundo não me fazia pior ou melhor pessoa, não me fazia ser má ou boa, mas me fazia humana, simples e instintiva, sendo caça e caçadora.

Entrei no quarto aparentando timidez e fechei a porta atrás de mim com o máximo de delicadeza que consegui. Ele me esperava aparentemente ansioso sentado na cama, e me fez um gracejo que ignorei sumariamente antes de me iniciar naquele teatro que fazia com tanta naturalidade.(...)"

 {***}

"É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo." 
C. Lispector

2 comentários:

  1. "É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo".

    Segredos que todos temos! Alguns guardamos, outros deixamos no ar, outros apenas nos enganam.

    E a vida continua, sempre da mesma forma que é, esperando que façamos algo para deixá-la diferente. Mas mudar pra que? Bom... de fato é o que vivemos, mudanças.

    Bjss e obrigado pela visita....

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  2. Entendo bem ela, mas ainda não consigo ter a mesma consciência e acho que nunca deixarei de enrubescer.

    Fechar o texto com essa passagem da Lispector foi majestoso, parabéns!

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