28/07/2007

Algumas coisas nunca mudam


Aquela coleguinha do colégio, a esquisita, com a qual ninguém conversava muito, me puxou um dia pro banheiro das meninas. Me segurou pelos ombros e me deu um longo selinho úmido e desajeitado nos lábios. Largou meus braços e ficou me olhando com ar de espectativa. Eu, muito estarrecida, limpei a boca com o punho do uniforme e disse um sonoro "Eca!". Ela saiu correndo imediatamente do banheiro, balançando a saia de pregas azul marinho e os cabelos cacheados.
"Odeio ela", eu pensei naquele primeiro momento, parada dentro do banheiro vazio de porta entreaberta, olhando para baixo, meio desolada, sem saber como seria minha vida dali pra frente.
Fui em direção à sala de aulas pra pegar meus cadernos e lápis-de-cor antes de ir embora. Ela estava lá, já saindo. Passou por mim, agarrada nos cadernos, batendo com seu ombro no meu, me empurrando pra trás, muito chorosa e magoada, perdendo-se pequena na imensidão dos alunos no pátio e entre os barulhos dos adolescentes tagarelas. E eu, sem rumo, não sabia se ia atrás dela ou se deixava ela sozinha. Fiquei ali, sem pensar em nada, olhando ela ir embora pra não sei onde. O que tinha passado pela cabeça dela?
Ela não apareceu na aula durante algum tempo. Todos os dias eu sentava perto da porta, pra ver se enxergava ela entrando através dos portões da escola. Esticava o pescoço a cada barulho do guarda abrindo o cadeado, esperançosa que fosse ela. Não que eu tivesse gostado daquilo, mas, eu não sei, havia algo de errado...
"Odeio ela", pensava repetidamente pra mim mesma. Às vezes entrava no banheiro e me trancava lá dentro me olhando no espelho rachado, com vergonha de estar com saudades daquela garota estranha.
Quando ela voltou a freqüentar as aulas, sempre me evitava no recreio e nunca mais voltou a falar comigo. Mal me olhava de lado, cada vez mais isolada de todo mundo.
Anos se passaram e eu um dia encontrei ela andando sozinha pela rua movimentada, de mãos no bolso do casaco longo, os cabelos ainda cacheados. Passou por mim como um arrepio nas costas. Não me viu, ou fez que não me viu, não sei bem. Eu parei ali e fiquei olhando ela se perder de novo na multidão, ainda pequena e muito apressada. O perfume dos cabelos dela ficou pra trás, me inebriando levemente naquele ar úmido de inverno intenso.
Dei meia volta decidida a seguir caminho, ainda meio tonta pela presença rápida dela, e fui pro conforto artificial da minha casa quente e minha vida fria.
"Odeio ela", ainda pensei no caminho de volta, olhando pra baixo, sem saber se ia atrás dela ou se a deixava sozinha...








Algumas coisas definitivamente nunca mudam.

25/07/2007

Like a Dreamer


Por um momento eu quase acreditei que ela estava lá porque me amava. Ela pegou minha mão, sorriu muito espontaneamente e me puxou para a rua.
-Vamos! A gente vai chegar atrasados!
E eu com uma cara de idiota, olhando pra ela, linda naquela roupa acinzentada, combinando com seus olhos. A Paula não me amava, eu sabia disso. Ela me puxou através da chuva até o ponto de táxi. Uma chuva fria e fina caía insistentemente. Eu não queria ir.
- Vem, vamos pra casa, eles nem vão notar que a gente não foi.
Ela me olhou com ar de reprovação por um momento. A Paula gostava muito da aniversariante. Eu gostava muito da Paula, gostava muito da minha cama e gostava muito mais da Paula, na minha cama. Eu caprichei no beiço pra convencer ela.
- Tudo bem, foda-se a pizzaria, vamos ficar em casa e assistir um filme.
Ela era linda. Não me importava que não fosse minha, mas naquele momento ela era. Voltamos pra minha casa, tiramos os calçados molhados. Ela queria tomar café. Ela adorava café e eu adorava o café dela. Fui tomar um banho quente, eu estava congelando!
- O café tá pronto. - Ela parou na porta do banheiro.
Ela segurava a xícara quente com as duas mãos, próxima ao rosto, emoldurando-o pelo vapor do café perfumado. Eu abri o box. Ela me olhou com um sorriso.
- O café pode esperar...
Ela colocou a xícara na mesa próxima, tirou a roupa muito despreocupadamente, soltou os cabelos alaranjados e entrou no banho comigo. Eu a amava. Sim... E a queria. Muito.
A pele macia do rosto dela roçando no meu queixo, a proximidade íntima com que ela me olhava, o vapor da àgua quente confortando nossos corpos... Aquilo tudo me parecia bom demais pra ser verdade... E era.
A minha cabeça era uma profusão de pensamentos incessantes, teorias incabíveis e verdades inquestionáveis. Pra mim as coisas nunca funcionavam como deveriam ou sempre funcionavam ao contrário de tudo o que eu sempre planejei. Eu não queria que aquilo acabasse. Eu queria que ela fosse minha pra sempre. Meu medo era de acordar de repente, e então ela ser só um sonho.
Fomos olhar um filme depois do banho. Um filme desses da Sandra Bulock em que ela sempre acaba se metedo em confusões amorosas já muito manjadas. Então, lá pelas tantas, a Paula me olhou como se fosse dizer algo qualquer. Tomou ar.
- Eu te amo.
E eu fiquei olhando pra ela, ali sentada do meu lado, com aquelas roupas muito largas que eu tinha lhe emprestado, tão fora de contexto, distoando tanto de todo o resto, e ela se virou pra continuar olhando o filme e comendo as pipocas.

E eu ri...

Porque eu decididamente ia acordar a qualquer instante...

22/07/2007

Conto de Taxista

Ela entrou chorosa no meu táxi vestida com aquele vestido de noiva empoeirado na barra, a maquiagem escorrida, o véu desfeito em pedaços. Tinha se atirado na frente do meu carro e eu assustado, quase não tive como frear. Pensei até por um momento que fosse a mensageira do Sete Peles me buscando pro inferno, mas quando ela entrou no banco de trás e disse "Segue em frente moço..." eu me senti mais aliviado. Respirei fundo, engatei a primeira.
- Pra onde vai a moça? - Olhei pelo retrovisor.
Ela, com a cabeça baixa, alisava o tecido do vestido amassado com uma mão e com a outra segurava algo que eu não consegui enxergar direito. "Caramba, eu tô ficando velho", pensei. Estava desconsolada a florzinha, tão bonita que era, mesmo escangalhada daquele jeito.
- Me leva pro inferno. - Limpou a lágrima da bochecha.
Eu diminuí a marcha. Quase deixei a caixa de câmbio pra trás, o carro estremeceu.
- Como é que é?
Ela sorriu pro nada por um momento, depois pro retrovisor. Se aproximou do meu banco, olhou pra frente, depois pra mim. E eu tentando me manter firme no trânsito com aquela coisinha linda me olhando tão desolada.
- Entra naquela rua.
- Mas é um beco moça!
- Eu sei o que é. - Ela levantou sutilmente a voz. - Só entra na rua.
No fundo da rua havia um terreno baldio muito isolado de todo o resto, onde ela me mandou parar.
- Me deixa aqui e vai embora. Se alguém perguntar por mim, diz que sei lá, que eu fui pra Sibéria passar um tempo, mas que volto pra dar notícias.
- Como é que é?
Mas ela já tinha saído do táxi e ido em direção ao terreno. E eu olhando ela se perder naquele vazio, tão cheia de graça, parecendo uma fada naquele vestido.
Lá pelas tantas ela parou, sacou uma arma não sei daonde e atirou na própria cabeça. E eu fiquei parado lá, olhando a sombra branca dela jogada no chão sujo. Dei a ré muito rápido e tentei achar a rua na qual ela tinha embarcado. Encontrei uma igreja muito próxima, já tomada de policiais. Desci. Não foi para o meu espanto que encontro mais três pessoas mortas no interior da igreja e todo mundo ainda muito apavorado. A senhora do meu lado estava inconsolável com a história.
- Pobrezinha da bichinha, descobriu que o futuro marido a traía com a melhor amiga. Pegou a pistola do segurança, matou o noivo, a amiga e o padre que havia apresentado os dois e que se meteu na frente da arma. Que Deus a proteja. - E fez o sinal da cruz inclinando a cabeça pro lado e fechando os olhos em sinal de pesar profundo.
- E a dona sabe pra onde ela foi?
- Sei não.
Reticências, todo mundo com aquela cara horrível de tristeza, gente berrando, alguém tossindo no fundo, algum cachorro sarnento latindo na rua, uma criança catarrenta correndo no meio daquilo tudo. O racunho do inferno. Resolvo falar alguma coisa antes de sair correndo dali:
- Não sei também, mas dizem que a pobrezinha foi pra uma tal de Sibéria, sabe... Deve ser alguma prima, ou coisa assim. - E faço aquela cara de quem comenta sobre o tempo. Tiro o boné que eu ganhei do deputado e coloco no peito em sinal de respeito. Tadinha da bichinha.
Entro no táxi e me decepciono comigo mesmo. Eu nem cheguei a marcar quanto me custou a corrida! "Cara, acho que tô realmente ficando velho", ainda cheguei a pensar antes de me mandar pra casa.

21/07/2007

Balada do Cansaço Inegável

Cansada de todo mundo.
Cansada de seus mundos pouco inteligentes e de seus egoísmos estúpidos.
Cansada de ter que sempre tomar as decisões mais difíceis.
De sempre ser a que abre mão das coisas.
Cansada de me sentir sempre culpada pelas coisas idiotas que acontecem nessa minha existência medíocre.
Cansada dessa vala que se tornou minha vida.
Desse mundo pequeno e limitado em que insisto afundar.
Dessa gente que se atravanca na minha frente, que me faz perder tempo me impondo cada vez mais pedras no caminho.
Cansada de ser sempre a filha ingrata ou a prima exemplar.
Dessa minha previsibilidade.
De sempre ter medo de tudo.

Ainda morro nesse grande depósito fétido de humanos inúteis.

15/07/2007

Josefine

Ele tão doce, beijou os lábios selados dela, castos de inocência. Segurou seus ombros, olhou para baixo em direção aos seus olhos e esboçou um sorriso sem vontade.

"- Eu gostaria muito de te amar de verdade, mas não consigo."
Josefine já sabia, mas mesmo assim doía ainda mais quando vinha da boca dele. Ela o abraçou tão forte que seu rosto doía da força que fazia pra não chorar. E ele lhe parecia maior do que ela, ou ela que se sentia menor, não sabia bem. Ela se agarrava tão forte ao seu colete cinza que sentia as unhas perfurarem a pele através da roupa dele. Ela mal respirava, não queria que ele fosse embora.

"- Eu gostaria que tu soubesses... Que eu tentei... De verdade, eu tentei."

Ele pesava as palavras pra não lhe machucar, ela o odiava por isso. Talvez fosse mais fácil pra Josefine se ele não fosse tão gentil até o final.

"- Não me odeie, tu fostes minha última tentativa, minha última aposta... Talvez em mim mesmo, talvez na própria sorte... Eu não posso continuar usando-te desse jeito, é injusto... É injusto."

A cabeça de Josefine gritava, era puro desespero. Maldito idiota, era isso que ele era. Filho da mãe, ela o amava e ele sabia. Ele não a amava e sempre deixou isso muito claro. Ele sempre lhe foi fiel, nunca beijara outra, nunca tocara outra. Sua traição lhe era muito maior, porque ele era desleal. Amava outra pessoa em pensamento, despia-a em seus desejos noturnos. Josefine sentia inveja da outra, não ódio. Josefine a invejava! Muito...

"- É ela, não é? Ela te chamou e você vai como um cachorro a lamber-lhes os dedos de migalhas jogadas no chão... Maldita, levanta as saias pra uma dúzia de homens por noite naquele bordel fétido e ainda assim você acredita que ela é sua? Só sua?"

Ela não conseguia se controlar. Aquela meretriz ia lhe levar a dignidade! Ele era cego? Estúpido? DEUS! Ela precisava salvá-lo daquela infeliz! Maldita! MALDITA!

"- O que está fazendo?"

"- Eu te amo, não me odeie..."

Josefine sacou o punhal de dentro do criado-mudo e enfiou-lhe na barriga até sentir o peso dele sobre seu pulso. Os olhos dele se arregalaram para o nada, sua pupila dilatou-se levemente, sua mão roçou levemente o rosto dela. A mão dela se enxarcava cada vez mais com o sangue quente, pulsante, denso como mel. Ela escorou o corpo dele no dela, e ele, balbuciando alguma coisa ininteligível deu seu último suspiro cambaleante em direção ao chão.

"- Eu te amo muito, não me odeie..." - Ela sussurrou ao ouvido do corpo sem vida.

Josefine fechou os olhos dele e beijou-lhe as pálpebras. Levantou-se do chão empoeirado ainda suja de sangue e saiu porta afora em direção à zona boêmia do vilarejo. Entrou na tal taverna com todos os olhares voltados para ela. Olhou para os lados e avistou a vadia contorcendo-se semi-nua em cima de um senhor gordo, fedendo a charuto.

"- Maldita cortesã dos infernos!"

Agarrou-lhe os cabelos cacheados jogando-a no chão apontontando o punhal em direção à sua garganta.

"- Se sabes tantos truques, me diz: Sabes aparar punhal com a boca?"

O senhor gordo levantou-se rapidamente e lançou-se em cima da ameaçadora senhora suja de sangue.

"- Minha senhora, pelo amor de Deus! - Estás louca?"

Ela se contorcia de raiva, elevava seus pés do chão e se debatia feito uma criança mimada girando o punhal afiado no ar. O senhor segurava-a pelos pulsos fortemente.

"- Queimem a vadia! QUEIMEM! Ela não merece viver!"

"Pelo amor de Deus, minha senhora, o que esta senhorita lhe fez?"

O peito arfava de medo, as bochechas muito rubras e os olhos muito abertos evidenciavam o pavor com que a meretriz olhava a agora tresloucada Josefine.

"- Essa tal de Dominique matou meu esposo! VADIA! Queimem-na! Feiticeira!"

Josefine apontava o punhal para a mulher apavorada, tirando suas forças de todo o ódio que agora lhe dominava. Não havia cansaço. O senhor começou a lhe afrouxar os pulsos, não agüentava nem os próprios ossos velhos, quanto mais uma mulher tomada de raiva.

"- Mas Dominique... Dominique... Está morta..." - Disse a ruiva, que agora tentava recuperar-se do grande susto que tomara.

Josefine não acreditou na história digna de fazer crianças dormirem, torceu-se convulsivamente para trás e soltou um riso sonoro.

"- Mas eu ainda não a matei, aí está ela, a vadia dos cachos de fogo. A feiticeira francesa... Vadia..."

Ela se jogava papar os lados enlouquecidamente tentando sair de sua prisão humana. Soltou-se dos braços do homem, que com dois passos para trás, lhe olhou com ar de desconfiança. Josefine tirou o cabelo do rosto, sujando-o de sangue. Os olhos eram puro ódio. Os lábios eram riscos sem cor.

"- Dominique enforcou-se pela manhã..."- O senhor respirou forte e começou um acesso de tosse carregada.

"- Mas... Eles... Planejaram fugir esta noite..." - Ela ria nervosamente, não conseguia acreditar.

A dona da taverna abriu espaço entre as pessoas chocadas com a cena para ver o que estava acontecendo. A senhora velha, de aparência cansada e maquiagem borrada indignou-se:

"- Mas o que está havendo? Quem chama o nome da minha Dominique?"

A prostituta ruiva explicou-lhe o acontecido. A taverneira baixou os olhos e então levantou-os brilhantes de lágrima.

"- Como ousa sujar o nome da minha Dominique? - a senhora urrava entredentes. Já não lhe foi o suficiente ser desgraçada por um maldito que lhe jurava amor? Já não bastava ter sofrido por um amor impossível? Ainda tem que ter a cova morna remexida por uma maldita descontrolada que vem aqui para perturbar minha casa? Dominique apaixonou-se por esse boêmio maldito. E... Essa manhã... Encontrei-a... Deus... Ela se enforcou. Por causa dele! Deixou um bilhete... Mon petit Dominique..."

A senhora retirou o bilhete de dentro da manga do vestido vulgarmente puído. Atirou-o aos pés de Josefine, que mais parecia um animal acuado. Ela tensionou-se e pegou o bilhete amassado.







"Me desculpe meu amor, se lhe fiz mal. Siga sua vida, seja feliz com sua casta Josefine. Eu a invejo, porque ela é uma mulher de muita sorte. Ela lhe tem por inteiro, ela lhe tem como companheiro, como presença. Eu não tenho nada. Então... Seja feliz. Uma memória causa menos estrago do que uma saudade. Eu te amo muito, não me odeie."







Josefine saiu para a rua lamacenta, queria ar puro, queria morrer, queria matar. A cabeça rodava e ela gargalhava para a lua, insana, tresloucada. Girava com as mãos sujas erguidas em direção ao céu nublado de outono. Foi levada imediatamente para casa, uma senhora não podia ficar assim tão exposta! Foram chamados doutores de todos os lugares para curá-la do laconismo repentino e da letargia que a dominara. Finalmente foi levada para a Pensão Azul, lugar de loucos esquecidos, de onde desapareceu misteriosamente algum tempo depois. Nunca mais se ouviu falar do crime soturno da Rua Albuquerque. Josefine era mais uma anônima nas bocas fofoqueiras que aumentavam a história até que ela se parecesse um mito, e assim foi. A Lenda da Rua Albuquerque dizia-se. A doce virgem, enlouquecida de ciúme, sempre morre no final - afirmavam as velhas alcoviteiras.

"- Ainda bem que o espírito dessa moça libertou-se na graça de Deus, eu odiaria que ela nos perturbasse, ou que roubasse a fertilidade da terra..." - E todas faziam o sinal da cruz fervorosamente.









Dois anos depois, no vilarejo próximo comentava-se de uma nova e bela aquisição na taverna. Misteriosa, tinha os olhos brilhantes como duas pedras preciosas. Dominique, A Francesa, dizia-se. Linda, andava sempre com um punhal ferino no decote farto. Sedutora, ria insana quando lhe perguntavam o nome...

14/07/2007

Fragmentos de mim, só


Nas noites de trovão e de corvos mensageiros
torno-me minha pior e melhor compania.

Insiro-me dentro de mim
E torno-me o elo de ligação com o interior secreto
da minha mente mais perversa.


Dentro do meu corpo,
giro no globo ocular e revejo o passado
Passo novamente pelo que não passei,
dramatizo as falas que regurgito pela boca dentada,
seca de sede que mato com a saliva alheia.

Tensiono-me então e mergulho em direção
aos meus desejos profundos,
em menção às minhas fantasias
sórdidas que me assolam em pecados indizíveis,
nos toques noturnos de noites que não acabam.


Tento-me com provocações sublimes e castas
de amores que me perturbam,
afino-me, texturizo-me,
ganho novas formas dentro de mim mesma,
descubro-me apaixonada pela alma
que há na alma dentro de mim,
que há na Humanidade de não ser especial.

Deito-me e espalho-me e sou forte
como as àrvores altas,
então encolho-me e fecho-me
e sou pequena como os grãos de areia no Egito,
misturada ao eterno universo de sensações,
mais uma no meio da massa indizível
de sordidez absurdamente sublime.


Eu penso neles e sou segura
como a Rainha Leoa, mãe e caçadora,
docemente concentrada na sua presa,
no seu belo pedaço de objetivo deliciosamente amedrontado,
e então recolho-me e sou eu, só,
a caçadora de borboletas correndo desajeitada
no fundo do quintal pequeno.

Me analizo, nunca me decido.
Me descrevo, nunca me preciso.
Me escrevo, nunca me defino.
Me acovardo, nunca me revelo afinal.

13/07/2007

Tão forte, tão minha

Ela me olhou com seus olhos ternos de esmeralda e disse:
"- Quando eu te levar pro céu junto comigo, nós poderemos acender as estrelas quando a noite chegar e faremos redemoinhos de vento entre as nunvens quando o sol estiver acordando..."
Naquele momento eu me senti tão pequena quanto ela, do alto dos seus seis anos e pés descalços, tão confortáveis na terra fofa e úmida da madrugada.
"- Quando você vai me levar?"
Ela continuou olhando encantada para o céu que começava a encher-se de estrelas. Então abriu um sorriso infantil.
"- Você quer mesmo saber?"
Ela não largou minha mão, nem olhou para mim. O rosto dela era redondo, despido de traços adultos, despido de maldade. Os cabelos dela eram tão longos que faziam voltas no chão. Cheiravam à própria terra e eu os havia enfeitado com flores, como ela chorosamente sempre me pedia quando me visitava. E eu adorava fazê-lo, me sentia tão parte dela que às vezes ela falava comigo sem mover os lábios.
"- Não." - eu respondi finalmente, meio perdida, meio não.
Eu olhei para o céu, na direção que ela olhava. Me sentia triste e incompleta, e ela, tão pequena, tão minúscula, adorava se sentir ínfima diante da imensidão escura. Tão segura de si, tão bela, tão minha.
"- Me leva pra casa" - Ela me estendeu seus braços esguios e pequenos.
Eu a peguei no colo e fomos dormir. Ela puxou seus cabelos que arrastavam pelo chão e enrolou-os em meus ombros, sorrindo demoradamente pra mim. Deitou-se no meu ombro e beijou inocentemente meu pescoço. Daquele jeito parecia tão criança, tão infantil. Ela gostava de saber que era assim que parecia pra mim. Um misto de amor de mulher e de filha, de mãe e de amante. A sabedoria de anos em um corpo de criança, a displicência e depudor que passava na voz e ela adorava fazer isso. Deitei-a na cama grande demais pra seu corpinho e ela pediu-me para deitar junto à ela. Aconchegou-se junto ao meu corpo, olhou nos meus olhos e encolheu-se para dormir. Eu não resisti.
"- Me conta uma história..."
Ela me olhou do jeito que as mães nos olham quando a gente lhes faz um pedido irresistível.
"- Quando eu te levar pro céu junto comigo, todas essas histórias vão fazer sentido, você vai ver..."
E eu dormi na Terra dos Sonhos, implorando pra não acordar, adorando estar entre os povos dos livros da minha infância distante.
Acordei com o cheiro da terra no quarto e um bilhete no travesseiro cheio de flores amassadas:
"Eu te amo."

Ne me quitte pas


Por mais que eu tente não ser assim, por mais que eu tente não ser má e vingativa eu insisto em tentar machucar, em tentar enfiar a faca até o final, em tentar fazer com que as pessoas regurgitem todo o sangue, toda a desgraça, tudo o que sentem, todo o ódio enterrado e cicatrizado que eu insisto em remexer. Eu não me contento com o "tudo bem", eu não me contento com o "esquece". Eu quero a verdade, e quero toda.

E por mais que eu tente não me apaixonar, mais beleza eu vejo nas pessoas, nos corpos semi-nus que andam pelas ruas, mais encantada eu fico pelas histórias, pelos gestos, pelos timbres de voz. Mais suscetível eu me torno, mais estupidamente romantica, mais vulnerável eu me sinto. Onde estão as barreiras? O muro que eu construí? A armadura de ferro que eu moldei pra mim?

E por mais que eu peça para o escuro do meu quarto não me presentear com pesadelos reais, mais eu vejo olhos assustadores me visitando durante o sono, mais problemas enfrento, mais barreiras tropeço, mais agulhas engulo, mais gatos me odeiam, mais pessoas eu machuco.

E por mais que eu tente enterrar sentimentos passados, mais rasa a cova fica, mais vezes por dia eu afundo meus dedos na terra fofa e úmida para ao menos ter o prazer de tocar a dor, de sinti-la entre minhas mãos, fria, ardente, pulsante, crescente.

E por mais que eu tente não sugar todo o afeto, todo o calor das pessoas, por mais que eu tente não amá-las eternamente por uma noite, por mais que pra mim o amor seja um grilhão sagrado, uma mordaça divina, um adereço de tortura medieval sacramentado pelos sacerdotes lunares, por mais que doa, eu não consigo me desviciar, não consigo me soltar disso, me distanciar do sofrimento, da lágrima, do cinza, do vermelho que vejo quando minha cabeça grita. Eu sinceramente nem sei se quero. Eu amo, e amo de corpo inteiro.



Nessa noite de frio, não me deixe falando sozinha, não me deixe enlouquecer com uma faca em punho, girando-a ameaçadoramente próxima ao seu peito.
Não me abandone, não me deixe, não me esqueça.
Defina-se. Me ame.

10/07/2007

Divagação do Meio da Tarde

Ela se senta na cama, já passa do meio-dia. Fabrica saliva na boca seca de àlcool, desamassa o cabelo de raiz grisalha. As cortinas do quarto abafado, de tão pesadas, nem balaçam mais. Expulsara o último cliente às seis da manhã, um maldito bêbado que no fim das contas não tinha dinheiro algum.
"Vadio desgraçado, tomara que morra de AIDS" - pensou quando viu as marcas roxas no braço.
Levantou, enrolou-se no chambre de seda gasta, acendeu o último cigarro e chutou o gato. Tão desgarrada na vida, tão mal-humorada.
Respirou fundo, olhou pela janela empoeirada da cozinha.
"Maldita chuva." - Sorriu ironicamente através da pele de linhas fundas de desgosto.
A maquiagem borrada, os resmungos para o nada, os tamancos cor-de-rosa, os antidepressivos de cima da pia. A moldura perfeita da decadência.
Lá embaixo, crianças voltavam da escola embaixo de capas de chuva e sombrinhas multicoloridas.
"Malditas crianças. Um dia crescem e acham que podem mudar o mundo. Mal sabem, mal sabem..." - Limpa uma lágrima do canto do olho, se dobra pra traz e ri sonoramente.
"...Malditas crianças."

08/07/2007

Tomateando na rede.


Fui indicada pela Camila (http://camilices.blogspot.com/) para o prêmio Blog com Tomates.
Me senti honradíssima, claro.

E conforme a "tradição" da corrente, indico:

http://tudopalhaco.blogspot.com/ - Homem é tudo palhaço

Todos muito bons.
Todos respeitando um dos direitos que pra mim faz parte dos mais importantes do Ser Humano:
Liberdade de Expressão

Bem-vinda ao Mundo Adulto minha filha!

Tanto tempo sem postar me faz querer falar de tanta coisa... São tantos pensamentos, tanta coisa que gostaria de compartilhar... Vou tentar ordená-los. Sei que vou esquecer de alguma coisa, mas enfim...

1º) Aniversário:

Odeio, definitivamente. Já tava pensando em um post revendo meu ano, falando sobre o meu desejo de jogar uma bomba em fábricas de velas de aniversário, de calendários e extinguir os descendentes daquele maldito povo asteca que resolveu contar os dias. Rever o ano com o fato de que simplesmente eu havia feito mais inimizades do que amizades, que havia mais me desesperado e chorado do que rido e me divertido. Que tinha mais estudado (matando definitivamente meus fins de semana) do que qualquer outra coisa. Então, dia três, o dia fatídico, resolvi passá-lo como outro qualquer, levei alguns exames em uma clínica e eis que ganho meu maior presente;

2º) Trabalho:

-Jéssica? - A moça da clínica com quem eu havia feito uma entrevista de emprego há tanto tempo que nem mais me importava. - Eu falei há cinco minutos com a garota do RH. Ela ia te telefonar agora mesmo, abriu uma vaga. Não sei se tu tá trabalhando, se ainda está interessada na vaga...

o.O³

-...Claro que estou interessada!
-Ótimo, começa amanhã.

E enfim, aqui estou eu, a mais nova trabalhadora. Sem tempo pra entrar na internet, porque chega em casa super tarde e vai direto dormir exausta. Estudando à noite, e aos fins de semana (sim, sábado o dia inteiro e alguns domingos pra ajudar). Segundo meu pai, o sono dos adultos ("-Anotou a placa do caminhão que passou em cima de ti?", ou "-Que cara de cansada... Porque tu tá com essa cara?"- E aí se segue uma risada sonora dele e da mãe).
Hoje teve concurso, e a semana foi de prova de fim de semestre no curso à noite. Estou muito, muito, muito cansada. E muito feliz, claro! Adoro ter motivo pra ficar cansada. E se meu Deus-Imperfeito não resolver me pregar nenhuma peça, a semana vai ser mais calma (no colégio porque acabou o semestre, no curso porque já fiz o primeiro concurso - e agora as merecidas férias, e na clínica, porque eu já aprendi o trabalho - e muito bem, segundo as minhas colegas).

3º) As 7 novas Maravilhas:

Fiquei puta. Fiquei mesmo puta com o Brasil ter entrado nesse ranking. Eu que desde antes desse concurso já tinha considerado a Muralha da China e o Taj Mahal como as minhas novas maravilhas, fiquei passada quando o Cristo Redentor ficou ao lado desses magníficos monumentos de povos passados, com uma história, com um Senhor passado. Não que eu não goste do tal Cristo ou que não gostaria que o Brasil fosse melhor visto lá fora, mas vamos concordar, não existe comparação. Ele é só uma montanha de concreto e ferro, que tenta em vão dar esperança aos pobres desgarrados trabalhadores do Tiro de Janeiro. E acho que a gente deve primeiro limpar a casa, pra depois abrir a porta às visitas. Questão de educação. Enfim, que seja...
4º) Indo embora?
Desde dezembro estou fazendo um cursinho para concursos nos fins de semana (ou seja, sem férias), pra ver se consigo mamar nas tetas do governo. Escola de Oficiais. Sim, eu adoro a vida militar (meu pai serviu 8 anos no exército e as fotos e histórias me encantam desde pequena). Hoje foi a primeira parte do concurso da EEAR (Escola de Especialistas da Aeronáutica). Se eu passar nas 4 fases, vou passar os 2 próximos anos letivos que vem em Sampa, Guaratinguetá, estudando como uma louca pra me integrar na carreira militar.O clima na sala de provas era comparado à presos políticos indo à forca ou judeus encaminhando-se para a câmara de gás. 194 vagas, 56 só pra homens em um concurso nacional. Só na minha sala haviam 44 garotas com cara de apocalipse. Eu era uma delas. Foram as 3 horas mais horríveis da minha vida. Só quero ver no que vai dar.

5º) Caindo na real:

Passar dois anos em uma base aérea na puta que pariu sem conhecer ninguém, sem quase nenhum contato com o mundo externo e estudando até o cérebro dobrar de tamanho. Sim, tá caindo a ficha. Será que é isso que eu quero? Largar tudo? Largar TUDO? Ser outro alguém? Guardar a minha criatividade num cofre lacrado (tem que ser um cofre muito, muito grande) e abrir a caixa de fósforos que contém toda a minha racionalidade?


Gostaria muito de ter mais apoio das pessoas que me cercam, de quem eu amo muito, muito. Está sendo muito difícil pra mim também. Fico muito triste. Me apoiar não significa que querem que eu vá embora. Questão de maturidade, de irmandade. Não vou abandonar vocês. Nunca.