31/08/2007

Bomba-Relógio

Primeiro a respiração fica levemente acelerada, o coração bate mais rápido, os pensamentos se embolam. As mãos se crispam, a boca fica seca e tensa. Os músculos da mandíbula pressionam os dentes um contra os outros e os lábios e mãos ficam dormentes. Você ri nervosamente, só podem estar brincando de não te levarem à sério. Você avisa. Um risinho debochado desperta a segunda fase.



Você avisa de novo.


Ri nervosamente. De novo.




Na segunda fase você respira profundamente, os olhos se crispam, as mãos já doem, você já está o dobro do tamanho, é a raiva, é a raiva...


Você já começa a ofender pausadamente. A voz já é pesada e não parece sua, vem de dentro, vem carregada de mágoa. As pessoas te olham com medo. Elas tem razão em temer. Em seguida surgem a ironia e a acidez que queimam você por dentro e a dor já chega a ser física. Você não avisa mais, só ameaça. Uma ameaça, uma única vez. Entra a terceira fase: O Modo de Segurança.




No modo de segurança você desliga a raiva por um pequeno período de tempo, suficiente para que ela, ao menor sinal alheio, se apague de vez ou exploda. Seu pensamento entra em uma espécie de estado de recepção. Você ri e avisa amigavelmente. Se você pegar qualquer coisa na mão, ela vai se quebrar. Qualquer movimento brusco pode arrancar o fio vermelho do lugar e isso sim, seria uma tragédia. Qualquer palavra pode ser interpretada como um disparo, porque você já está com o dedo no gatilho. Eles não vêem que você está armada?




Tensão no ar pesado.
















Aquele maldito risinho debochado de novo...

Você fica cega de repente.




E tudo vai pelos ares.








Parabéns, Jess. Você conseguiu.

27/08/2007

Hiper-Expressive

Às vezes eu olho a minha cara amassada no espelho e ela me parece ser de outra pessoa, não minha. E eu descubro novas coisas estranhas sobre mim todos os dias, principalmente como eu posso ser enfática em querer que alguém morra só levantando uma das sobrancelhas. É como se tudo, eu disse TUDO o que eu pensasse ou sentisse fosse saltar dos meus olhos em direção às pessoas... É como andar nua!
E o meu olhar não é de jeito nenhum algo doce ou inocente ou amoroso (saudades da minha avó, quando gostava dos meus olhos de criança), ou ao menos, não mais... Na verdade é como se fossem amedrontadores, irônicos, ácidos e lacônicos até pra mim mesma.
E eu tenho medo de fitar meus olhos escuros e comuns no espelho de novo.
Os filhos independentes de uma mãe em nada única, em tudo comum.
Herdeiros das coisas que viram e leram, mas que prestes a abandonar meu comando. Ou tomá-lo de mim.
Medo de como eles podem ser próprios, e como dois, individuais de mim.
De como deles escorre ódio latente saindo como lágrimas de lava, atropelando as pessoas (que às vezes não tem culpa de nada), passando por cima do meu próprio controle, deformando meu rosto e meu poder das minhas expressões.
E o que eu quero sempre se perde! Nunca fica claro, nunca!

E óbvio, tudo volta.
Tudo volta.
Perdido, mas volta.
Confuso, mas volta.
Distorcido.


Mas volta.


Minha cara nem sempre funciona. Na verdade, funcionaria bem, se eu soubesse como usá-la.
Alguém aí tem um manual?
Ou uma máscara?

20/08/2007

Caixa Selada

Sinto falta do prazer de colocar as meias finas naquele ritual de enrolá-las delicadamente e escorregá-las por sobre a pele macia da perna longa.
Sinto falta de me olhar no espelho e sentir orgulho da roupa que escolhi pra sair, com aquele sorriso de lado de quem sabe que vai chamar atenção. De quem quer chamar atenção.


Onde se escondeu tudo isso? Onde está aquela sensualidade encarnada, vermelha, latente que vivia em mim?
Aquela sensualidade dos seios quentes de menina nas curvas da mulher prematuramente concebida nas unhas pintadas de vermelho?

Adormecida agora, embaixo de grossos panos pretos, repousando branca e cálida, sentindo-se intocada e intocável, inocente e nunca revelada. Mas que eu sinto pra sempre queimando, agora em uma caixa bem guardada, congelada, no âmago do meu ser em constante transformação.
Esperando pacientemente pra me arrebatar novamente, na próxima fase da minha lua, no próximo toque alheio vindo do escuro, para me incendiar os dedos, para abrir a caixa selada, trancada, amarrada, numa tentativa de ser controlada em mim. Para reacender os meus olhares baixos, pra deixar minha boca seca, sedenta, pra me tirar de mim, pra me cegar a visão e me guiar as mãos tateando no escuro. Pra me calar a voz, pra me coçar o estômago, pra me despertar de mim mesma.

E eu espero ansiosamente por ela, a minha viciante feminilidade perdida.

19/08/2007

Saudade de tempos mais simples

Saudade de quando eu era menos complexa, de quando todas as coisas me fascinavam de uma mesma forma inocente e bela, de quando não havia tantos sentimentos, bons ou ruins.
Saudade de quando as coisas ao meu redor exerciam aquele entorpecimento hipnotizador de parecerem realmente novas a cada dia.
Saudade de acreditar em um futuro bom, ou simplesmente em um futuro meu, sem viver implorando atenção, implodindo meu interior, despedindo meu orgulho, expulsando minha estima por mim mesma, de mim por hoje e pra sempre.
Saudade dos tempos em que hoje eu acredito terem sido reais ou o mais perto de uma lembrança palpável que eu possa ter. Éramos três. Os Três. Plenos, irmãos, reais, íntimos, próximos, abertos, unidos.




Mas no fim eu sempre acabo me ferrando.
Por mais surpreendentemente renovado e maduro que tudo possa parecer.



Me faz falta ter confiança plena nas pessoas, mas sinceramente?
Nunca mais.

17/08/2007

Influenza, Dor nas Costas e Filosofia Barata

Acordei em meio àquele emaranhado de cobertores macios e perfumados, com uma vontade de não levantar. O despertador já estava com uma rachadura no visor de tanto levar porradas gratuítas nas manhãs de mau-humor. De tanta violência nem mais fazia aquele barulhinho irritante tão vigorosamente. Resolveu definitivamente fazer greve de não me atrasar, já que os tapas de mão pesada lhe diziam "Só mais cinco minutinhos...".
Olhei para o teto azulado com os primeiros raios discretos da manhã sem sol e resolvi que iria adoecer aquele dia.
Levantei-me em uma ar de 12ºC no meu quarto polar, coloquei os pés sem meias no chão de gelo e impliquei-me o dia inteiro a pegar uma boa gripe.
Saí sem casaco pesado, peguei chuva e vento na rua. Como trabalho em uma clínica médica, não foi difícil achar algum idoso com ares de múmia e encatarrado de tuberculose para dar um efusivo abraço apertado e simpático.
Cheguei em casa, tomei banho e lavei os cabelos, fui umas duas ou três vezes na rua para me certificar que pegaria bastante frio e vento.
Deitei ainda de cabelos molhados na umidade quente do travesseiro perfumado e me entreguei à mãe Influenza para acordar de nariz congestionado, dor no corpo, dores de cabeça, tosse e febre. Sonhei com um Hospital atopetado de gente com doenças infecciosas, com as quais eu conversava e abraçava. A Sinfonia dava o tom através dos pigarros, tosses e espirros. Que maravilha!!!

Hoje faz mais ou menos quatro dias que me entreguei à tarefa de me sentir humana na sua simplicidade.
* Diagnóstico médico (dos familiares com seus chás milagrosos que não possuem registro na Secrearia de Saúde ou Inspeção Sanitária):

- Sinuzite;
- Dor de cabeça;
- Dor no corpo;
- Estado febril;
- Espirros;
- Tosse.

Ou seja:
GRIPE!

Não vou fazer esforço algum pra me curar, porque preciso disso, preciso dessa doença.
Preciso me lembrar que as coisas são perigosas em sua totalidade, usando meus olhos reais. Os olhos da realidade dura e ríspida, que nos mostram o quanto somos frágeis.
Preciso sentir dor, preciso sentir essa dor. Preciso porque senão esqueço que sou de carne e osso, que não sou só coração, mas razão e corpo físico, real e perecível.
Preciso disso tudo porque senão esqueço quem sou.
Esqueço que sou frágil.
Esqueço que sou humana.

09/08/2007

Inocência em tese

Que seja sempre assim, o amor que apenas flui, sem cobranças, internas ou exernas.
Que seja sempre assim, eterno e intocável, uma lembrança plastificada exposta na estante.
Que seja sempre assim, a tatuagem no lugar invisível, interno, pra sempre a marca e que só haja a dor na memória distante, nada presente.
Que haja sempre a paixão incontida, mas inocente, o amor submisso, mas saudável.
Que nunca haja a perfeição infinita, mas a durabilidade etérea dos momentos especiais.
Que se for chorar, que seja de felicidade.
Que se for amar, que seja sem medo.

05/08/2007

Os Embaços de Sábado à Noite...

Eu me escorei no balcão do bar cheio de gente com um copo de vinho vagabundo em uma das mãos. A minha famigerada ex-futura acompanhante já havia ido pra casa ha algum tempo, com um quase coma alcoólico. Frio glacial, companhias duvidáveis, bebida ruim, música pior. "Maldita noite que eu escolhi pra sair de casa".
Eu larguei minha cabeça cansada na outra mão enquanto olhava diretamente pro fundo do copo quase vazio. "Nunca mais saio de casa dependendo dos outros". Olhei panoramicamente para o bar. Alguns jogando sinuca, bebendo cervejas sem gás e que só não estavam quentes porque o frio não deixava. Alguns fumavam cigarros baratos, mentolados, fedidos. Pessoas pagando de modernas dançavam (?) ao som de Beattles. "Muito moderno isso, muito moderno". Fechei a jaqueta com as mãos quase congeladas. "Vinho miserável que não pega". Eu queria aquele calorzinho nos ombros, aquela leve tontura das bebidas fortes e, no entanto, tudo era tédio.
Ele me olhava quando eu o percebi. Bonito, razoavelmente bem vestido, copo de cerveja na mão. Atravessou o salão pequeno cheio de pessoas na minha direção. Escorou-se muito estilosamente no balcão ao meu lado e piscou demoradamente antes de tomar ar.
- E aí gãta... Tah acumpanhadã?
Quase vomitei com o bafo ébrio que vinha dele.
- Tô. - Definitivamente, qualquer coisa era melhor que a companhia daquilo.
- Põ, que penah... A gentch pudia curti e tal... - Quase caiu em cima de mim, trêbado.
- Sem chance... Vai lá ó. - apontei pra uma loira chapada escorada no canto da parede. - Ouvi dizer que ela tá afim de um cara que nem tu. Vai lá tigrão, pega a loiraça. - Pisquei pra ele. Ele riu aquele riso insano, típico de longas noites etílicas. Foi trôpego em direção à coitada. Caiu no meio do caminho próximo à algumas cadeiras de plástico e por lá ficou, atirado.
Peguei minha bolsa tentada a ir embora, olhei em volta. Tédio. Três horas da manhã, não havia mais carona, não tinha dinheiro pro táxi, não havia ônibus. De repente me senti tentada a ligar pro meu pai ir me buscar. Me senti tentada pela voz dele gritando no meu ouvido por ter feito ele acordar naquele frio, àquela hora só pra ir me buscar. Pelo ar quente de dentro do carro. Pelo frio da minha cama. Pelo cheiro de roupa lavada do meu pijama do Mickey contrastando com o fedor de cigarros dos meu cabelos. Peguei o telefone, liguei, falei, ouvi. Estava feito, agora era esperar.
Quase virei picolé esperando ele chegar. Ele fez aquilo de propósito. Esperar. Ele sabe que eu odeio esperar. Entrei no carro e ele nem me olhou.
-Desculpa pai, juro que não foi culpa minha... - Eu parecia uma criança de 5 anos tentando explicar o porquê de derrubar a tigela do pudim de domingo no chão.
Ele dirigiu até em casa sem falar nada. Desci do carro, entrei na casa morna e silenciosa, minha mãe estava acordada.
- Que que houve?
- Esses teus amigos hein... - Ele entrou logo atrás de mim, trancando a porta. - Sempre te deixando na mão...
Foram dormir. Eu fui pro meu quarto, tirei a roupa, coloquei o pijama, arrumei a cama para dormir. Deitei insone e gelada entre os cobertores àsperos. Eu era uma massa disforme de aparência irônica abaixo de zero.


Definitivamente nunca mais saio de casa dependendo dos outros.

03/08/2007

"Cuja chama nunca apaga"

De todas as coisas e das lembranças, e dos ensinamentos, que seja tudo o que cremos, que seja irreal e palpável, que há o que de bom imaginávamos, que não haja mais dor, não mais.
Que comigo fique a lembrança de tempos bons, de sensações boas, de um saudosismo alegre, de que não haja a imagem da não-vida, mas sempre a do sorriso.
Que mesmo que não tenha havido o conhecimento pleno, houve a sensação do eterno. A beleza da não-intimidade pra sempre, apenas a parte boa, das lutas sempre vencidas, das histórias sobre a luz da lua quente.
Não houve tempo de dar adeus, afinal, alguma vez há?
Não sinto tristeza, apenas um saudosismo terno. Vai em paz, pra onde quer que seja. Se os Deuses me permitirem a gente tão logo se esbarra...



"É tão estranho
Os bons morrem antes
Me lembro de você
E de tanta gente que se foi
Cedo demais
E cedo demais
Eu aprendi a ter tudo o que sempre quis
Só não aprendi a perder
E eu, que tive um começo feliz
Do resto não sei dizer."

(Legião Urbana -
Love in the Afternoon)