28/03/2010

Das coisas óbvias - Fantasia

Quando eu era pequena sempre fui meio isolada. Me relacionava com crianças mais velhas e seguidamente entrava em momentos de reclusão sem motivo aparente.
Muitas vezes a mãe me procurava porque eu sumia das brincadeiras com os primos e ao me achar no quarto brincando sozinha, recebia uma resposta bem adulta de "Só não estava mais afim de brincar com eles, vim brincar sozinha."
Eu sempre me virei bem sozinha quando se tratava de diversão. Consigo ainda fazer o tempo correr muito rápido se simplesmente deixar passá-lo enquanto eu leio, escrevo ou finjo olhar televisão. É bem simples na verdade.
O problema de tudo isso é que passar o tempo aumenta exponencialmente as minhas chances de divagar, que aumentam por sua vez as chances de que eu viaje na maionese completamente e aumente as coisas que ocorrem. Eu viajo mesmo, crio situações e tenho frases pré-fabricadas e réplicas para as réplicas.
Isso é ainda pior levando-se em conta que eu sou uma pessoa sentimental e rancorosa. Tudo acaba me levando a um estado de pré-ocupação, ansiedade e medo completamente desnecessário.

Sério, aprender a controlar isso está no topo da minha escada de prioridades.

22/03/2010

Das coisas óbvias - Dança

Bem, essa é realmente bastante óbvia. Eu gosto de dançar.
Mais do que gostar, isso é essencial pra mim. A dança nunca foi pra mim algo principal, mas há pouco tempo atrás descobri que é um fato que esteve sempre muito presente na minha personalidade. Eu danço porque me sinto bem, eu danço porque me sinto parte de alguma coisa. Quando eu me mexo então elevo os braços e bato com os pés no chão, fechos os olhos e me dobro e arqueio. Eu não preciso de ritmo quando eu danço porque eu viro o todo, eu viro a musica e todo o resto se esvai. Em qualquer lugar, em qualquer hora, com quem quer que seja.
Existem dois momentos em que eu danço. Eu danço porque quero mandar algo embora de mim, drenar algo, expulsar; Ou danço porque é divertido.
Quando eu danço porque quero tirar a tristeza ou a dor ou alguma angústia de mim então as pessoas me vêem meio fora de órbita, de olhos fechados, com as mãos fechadas, batendo os pés no chão com força, girando, cantando em meio à música. Nessas horas eu fico meio que entorpecida, uma coisa meio difícil de descrever. É quase engraçado, pra quem não está acostumado ou não entende, podem pensar que eu estou drogada. E eu não me importo.
E quando eu danço por diversão eu vejo que as pessoas que dançam comigo também se divertem. Tudo é tomado por um clima estranho, nostalgia, endorfina, sorrisos. E a minha expressão muda e os meus olhos sorriem também.
Talvez a única coisa que eu não me importo, é que me vejam dançando. Eu não me importo porque então dançar seja a liberdade que eu gosto e é minha. Porque a minha dança não tem assinatura, não tem marca, não tem limite, não tem rosto, e não precisa ter sentido. Porque meu corpo muda e se encaixa de alguma forma no que eu penso ser o real tamanho que eu tenho.


Talvez eu deva tentar desenvolver essa habilidade, porque sinto necessidade dela. Tanto quanto respirar ou comer, preciso dançar pra me sentir viva.

* Na imagem, Rachel Brice, a mulher mais encantadora que já vi dançar.

12/03/2010

Das coisas óbvias - Mimetismo


Existem muitas coisas sobre mim que eu não gosto de pensar.
Uma delas é o fato de não gostar de chamar a atenção e no entanto gostar que alguém me note. Não gosto de pensar nisso porque me sinto de alguma forma desvalorizada por mim mesma.
Fazer certa maquiagem, colocar certo sapato ou roupa porque ela me faz ficar bonita não é o mesmo que me vestir para me sentir bonita. Em mim, existe um risco tênue entre me arrumar pra mim e me arrumar pros outros. Há tempos eu não me sinto bonita. Há tempos que não penso nisso.
Há um lugar, talvez um dos poucos lugares que fico durante um tempo considerável, que eu uso um tipo de mimetismo que eu julgo interessante. No lugar onde eu trabalho (apelidado de borracharia, porque 90% são homens) eu me sinto de alguma forma livre. É o lugar onde eu nunca usei saias, saltos ou maquiagem. Ninguém exije que meu cabelo esteja bonito, que o  meu sorriso esteja ligado, que meus tênis surrados estejam guardados em vez de estarem nos meus pés. Lá, eu sou um deles. Chamo meu chefe de "Cara", falo pelo menos três palavrões em cada frase, faço piadas sexistas e me visto da maneira que eu quiser. Ninguém fala da forma que eu como (como se fosse um ogro), ninguém me repreende por estar comendo demais, ninguém me diz que essa ou aquela roupa não combina com meu biotipo ou que a cor do meu cabelo não é para meu tom de pele.
"Use desodorante, não vá nua, não aja como uma bichinha mimada e você estará em casa." Essa é a única regra pra trabalhar sossegada.

É claro que a minha mente inquieta me prega peças insistentemente. Entre tantos homens às vezes eu me esqueço de ser mulher. Existem coisas que eu abandonei devagar, imperceptivelmente, e uma delas foi o pouco de vaidade que eu tinha.

Ainda pinto o cabelo, tiro a sobrancelha, faço as unhas. Mas espero que  perder isso também não seja uma questão de tempo.

04/03/2010

Das coisas óbvias - Força

Há cerca de três ou quatro dias atrás escrevi um texto simples. Ele falava sobre a força que eu tenho e do quanto essa força é incontrolável. No texto eu divagava sobre a origem dela e o fim e sobre como eu me sentia infeliz e abandonada quando ela ia embora, como se ela nunca tivesse existido, como se eu tivesse novamente incompleta.
Enquanto eu escrevia, em um documento do bloco de notas do computador, faltou luz e eu perdi o texto. Fiquei ali, com os dedos tocando o teclado, imóveis, olhando para o monitor na penumbra da luz de emergência do escritório.
Nesses últimos dias foi como se tudo tivesse ido embora, a força e a vontade de escrever e eu me senti absurdamente frustrada.

Mas é isso, a síntese do que ocorre comigo, a força da qual eu tinha escrito... Então ela existe e é forte e sólida. Está lá, visível, amedrontadora, firme, segura. Não tem medo e não tem pena, só mete o pé na tampa da caixa, sai derrubando portas e paredes e arrasa com tudo sem que eu saiba o que se trata e eu assisto tudo como num sonho lúcido ruim. E basta um interruptor ser desligado e ela vai embora como se nunca tivesse existido. E eu fico ali, com um sentimento de impotência e abandono, pequena e desolada, pensando "Ah, mas que merda";
E depois, talvez muito tempo mais, algo sai do script e ela volta sem aviso, sem que eu tenha controle da situação.
Eu lembro de ter escrito e ter criado alguma teoria sobre essa energia destruidora que eu guardo nessa caixa enorme, mas não me ocorre nada agora.

E rezo todos os dias por não ter mais nenhum apagão.