02/01/2016

Gazes e ataduras

Pior do que simplesmente a separação de mim mesma está a dificuldade de não ter a oportunidade de me despedir. De apenas sentir como se meus membros se soltassem do tronco num demorado processo de separação fluida de articulação, ossos, carne... Sangue.
E eu perco pedaços sem que haja norte, sem que haja motivo ou mesmo sem que eu note, numa displicência sinistra e silenciosa em que eu perco a cadência do tempo e me sinto pra sempre como se acordasse de um pesadelo sem nunca ter ido dormir de verdade. Fecho os olhos pra dormir e os abro mornos e embaçados de sal, com a boca num arco infantil e a língua colada no palato seco. Inspiro cansada o ar denso de onde quer que eu esteja, pra expirar uma lufada morna de infinito desprezo e tristeza, assim pela metade, porquê é como eu sinto passar o tempo: inaproveitado, desperdiçado, tão ou mais despedaçado do que eu, mas infinitamente mas paciente.
Me irrito com o fato de que há algo, aquele algo, ainda espreitando as curvas do meu subconsciente, roçando seus olhos na minha nuca, tensionando minhas costas como os cabos de aço da ponte que sustenta a minha frágil auto estima. Como as notas daquele violino triste que prolongava o sustenido até o limite da lágrima presa na garganta. Como andar na rua vazia minutos antes de irromper o amanhecer e não ouvir nada a não ser o eco dos próprios passos refletidos na respiração pesada dos que dormem.
Há esse algo, que começa a me desmembrar em plena luz do sol, sem escrúpulos nem pressa. Esse algo que me provoca os sentimentos mais primitivos e crus de saudade, tristeza, raiva, solidão e uma profunda inveja de algo que eu prefiro não verbalizar porque existem coisas que não devem ser colocadas em palavras com o risco de se tornarem reais. Esse algo que aperta muitas partes do meu corpo ao mesmo tempo, como uma mão gigantesca e agourenta, da qual eu não sei como fugir.
Meu medo tem cheiro de lençóis limpos e gosto de sal. Meu medo fecha meus olhos para que eu durma, e beija minha testa enquanto arranca mais um pedaço de mim com as mãos ritmadas nas batidas do meu coração remendado. Meu medo não me dá sequer o direito do adeus.

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