17/05/2016

"Há no meu olhar uma ruptura por onde a loucura sempre escoa"

"Estou doente da persistência de imagens, reflexos e espelhos. Eu sou uma mulher com olhos de gato siamês que por detrás das palavras mais sérias sorri sempre troçando da minha própria intensidade. Sorrio porque presto atenção ao OUTRO e acredito no OUTRO. Sou marionete movida por dedos inexperientes, desmantelada, deslocada sem harmonia; um braço inerte, outro remexendo-se a meia altura. Rio-me, não quando o riso se adapta ao meu discurso, mas porque ele se implica nas correntes subjacentes do que eu digo.
Quero conhecer o que lá corre em baixo assim pontuado por convulsões amargas. As duas correntes não se encontram. Vejo em mim duas mulheres bizarramente ligadas uma à outra como gêmeos de circo. Vejo-as arrancarem-se uma da outra. Consigo mesmo ouvir o rasgão, a ira e o amor, a paixão e o sofrimento. Quando esse ato-deslocação de repente pára – ou quando deixo de ter consciência do som - o silêncio torna-se então ainda mais terrível uma vez que à minha volta não há senão loucura, a loucura das coisas que atraem coisas de dentro de cada um, raízes que se afastam para crescerem separadamente, tensão provocada para atingir a unidade."

(...)

"Engulo as minhas próprias palavras. Rumino e rumino tudo até que se deteriore. Cada pensamento e cada impulso é mastigado até que se transforme em nada. Quero controlar todos os meus pensamentos de uma vez, mas eles fogem em todas as direções. Se o conseguisse seria capaz de capturar os espíritos mais sutis, como um cardume de pequenos peixes de água doce. Poderia revelar inocência e duplicidade, generosidade e cálculo, medo, covardia e coragem. Pretendo dizer toda a verdade e não consigo dizer toda a verdade porque, para isso, teria de ser capaz de escrever quatro páginas simultaneamente, quatro longas colunas simultâneas, quatro páginas resultando numa, e essa é a razão porque não escrevo nada. Teria para isso de escrever em reverso, voltar atrás constantemente para agarrar os ecos e os acordes."

Anaïs Nïn - A Casa do Incesto, 1936


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