07/01/2012

Colombina desolada

Ah, mas eu nunca poderia deixar de me culpar por um amor tão destruidor. Mas ele era carinhoso e havia sempre sido, até o final. Ele havia guardado minha virgindade porque achava que com a minha pouca idade eu não aguentaria seu desejo.
Eu lembro de nos primeiros dias eu senti repulsa e medo, depois raiva e medo. Depois de alguns anos, só medo e terror. Por muito tempo.
Ele tinha me tirado dos meus pais quando eu ainda era muito pequena... Eu devia ter uns 5 anos talvez. Lembro que de ter me agarrado no colo do meu pai e lembro de que na luta meus pais me deixaram e ele me levou. Lembro dele enfiando as mãos por debaixo do meu vestido e que sua mão estava suada enquanto ele resfolegava no meu pescoço. Eu sentia nojo e desespero. Lembro de em vão arrastar suas mãos pra longe do meu corpo indefeso e lembro que ele ria sarcástico com as minhas tentativas inúteis. Mas ele não fazia nada demais, nada do que poderia ter feito, apenas respirava forte perto da minha pele e mantinha sua mão parada entre as minhas coxas, aparentemente refreando qualquer coisa no seu íntimo.
Mais de uma vez vi seu rosto se encher de sombras e de quando isso acontecia ele correr em direção a alguma mulher feita, profissional, e derrubar sobre ela tudo o que gostaria de derrubar sobre mim. Ele as tratava com brutalidade, fazia com elas qualquer coisa como um estupro e no final saia correndo delas com aparente asco ou medo. E corria comigo erguida pelo braço, andando rápido sob as pontas dos pés, nunca sem ele antes deixar alguma gorjeta gorda para a mulher para evitar o porquê dele andar sempre com uma criança a tira-colo mesmo quando estava num puteiro.
Mais de uma vez eu tive chance de fugir. Mas nunca fugi. Me sentava num canto e esperava ele terminar com a garota anônima que nunca fazia perguntas. E eu nunca tirava os olhos daquele espetáculo horrendo e animalesco. Era brutal e chocante, mas eu continuava o encarando ali, sobre aquela mulher que ele me garantia que um dia seria eu. Eu não sei se entendia, mas sentia um medo que nunca vou esquecer.
Nunca havia contado nada para ninguém, é claro, mesmo porque, naquele mundo as coisas mudavam rapidamente, inclusive a minha idade e a aparência dele. O ambiente era igualmente mutante, e o dia passava para a noite enquanto tomávamos sol ou ele me levava para passear no parque à pouca luz da lua nova.
E ele trabalhava, era ator, e me lembro que em algum momento eu havia o ajudado com uma maquiagem de pierrô. Lembro que a lágrima do seu rosto era real enquanto ele me contemplava em silêncio e tristeza. Nesses momentos eu não sentia ódio ou raiva, nem terror. Eu o amava, como um homem. Lembro de olhar pra baixo nesse momento e ver que estávamos andando sobre cabeças de bonecas horrendas, com seus cabelos desgrenhados e olhos arrancados. E eu sentia o pôr-do-sol  de inverno queimar meu rosto e não entendia o porque de estarmos ao ar livre... Como se fôssemos atores de rua.


E era horrível pensar como esse homem, esse monstro, havia me raptado tão pequena e me criado como sua amante desde os 5 anos de idade. Era horror o que eu sentia. E profundo desespero por amá-lo.

E foi alívio o que eu senti por um momento ao acordar, logo antes de cair em um choro profundo e inconsolável às 3 da manhã. E essa é a mais nova cicatriz encravada no meio do meu peito, que me parece que nunca vai sarar.

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