17/01/2012

Invulnerável

Ontem, eu disse pra mim mesma que eu não teria medo da morte. Que não teria medo dos mortos.
Duas horas depois tomo uma cusparada na cara, como se tudo o que eu dissesse se voltasse contra mim e risse de escárnio.

Não falei aqui sobre meu avô, nem aqui, nem em lugar nenhum. Nem um rascunho ou vontade de me expressar sobre o que aconteceu. Mas essas coisas vão e vem... E meus sonhos estão pra me dizer na cara as verdades que eu não consigo me dizer acordada.

Pois meu avô veio. E veio nesse pesadelo exatamente do jeito que vinha quando era vivo. Ligou o rádio, batucou um samba de raiz na mesa da varanda, distraído, feliz como quando eu o tinha visto pela última vez, meses antes de morrer.
Então virou-se para mim. Ele me dizia que não havia notado minha presença e entrava na casa que em vida fora dele. Ele continuou ali, perguntando pra mim se eu não estava com calor, porque ele via que eu estava suando, perguntou se eu não queria uma camiseta emprestada, se não estava com fome... E matraqueava enquanto meu eu do sonho via incrédulo um morto andar pela cozinha em plena madrugada sem luzes.

Na primeira oportunidade eu tomei ar e gritei. Gritei um grito vindo da alma, desesperado. Empurrei meu corpo contra a parede oposta a meu avô e o medo que eu senti foi suficiente para que eu tivesse vontade de entrar parede adentro. Meus gritos eram tão fortes que a caixa acústica do meu crânio retumbava enquanto eu observava o corpo do meu avô ali, matraqueando sobre qualquer coisa.

"Quem quer que seja que esteja fazendo isso, não faça mais. Eu não gosto!" - ainda me ouvi berrar pro vazio e pra imagem do meu avô. Ele não pareceu não notar e meus gritos de desespero não pararam.

Eu queria acordar a casa. Eu ouvi latidos de cães enfurecidos vindos da rua, despertos com meus gritos. Olhei pro teto, ciente do que viria. Ciente do lugar onde eu realmente estava, ciente dos braços que me seguravam enquanto eu desmaiava prostada no sonho, dos braços que me puxavam para o mundo real.

Já acordada eu sufoquei um grito. Cinco da manhã.

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