22/07/2007

Conto de Taxista

Ela entrou chorosa no meu táxi vestida com aquele vestido de noiva empoeirado na barra, a maquiagem escorrida, o véu desfeito em pedaços. Tinha se atirado na frente do meu carro e eu assustado, quase não tive como frear. Pensei até por um momento que fosse a mensageira do Sete Peles me buscando pro inferno, mas quando ela entrou no banco de trás e disse "Segue em frente moço..." eu me senti mais aliviado. Respirei fundo, engatei a primeira.
- Pra onde vai a moça? - Olhei pelo retrovisor.
Ela, com a cabeça baixa, alisava o tecido do vestido amassado com uma mão e com a outra segurava algo que eu não consegui enxergar direito. "Caramba, eu tô ficando velho", pensei. Estava desconsolada a florzinha, tão bonita que era, mesmo escangalhada daquele jeito.
- Me leva pro inferno. - Limpou a lágrima da bochecha.
Eu diminuí a marcha. Quase deixei a caixa de câmbio pra trás, o carro estremeceu.
- Como é que é?
Ela sorriu pro nada por um momento, depois pro retrovisor. Se aproximou do meu banco, olhou pra frente, depois pra mim. E eu tentando me manter firme no trânsito com aquela coisinha linda me olhando tão desolada.
- Entra naquela rua.
- Mas é um beco moça!
- Eu sei o que é. - Ela levantou sutilmente a voz. - Só entra na rua.
No fundo da rua havia um terreno baldio muito isolado de todo o resto, onde ela me mandou parar.
- Me deixa aqui e vai embora. Se alguém perguntar por mim, diz que sei lá, que eu fui pra Sibéria passar um tempo, mas que volto pra dar notícias.
- Como é que é?
Mas ela já tinha saído do táxi e ido em direção ao terreno. E eu olhando ela se perder naquele vazio, tão cheia de graça, parecendo uma fada naquele vestido.
Lá pelas tantas ela parou, sacou uma arma não sei daonde e atirou na própria cabeça. E eu fiquei parado lá, olhando a sombra branca dela jogada no chão sujo. Dei a ré muito rápido e tentei achar a rua na qual ela tinha embarcado. Encontrei uma igreja muito próxima, já tomada de policiais. Desci. Não foi para o meu espanto que encontro mais três pessoas mortas no interior da igreja e todo mundo ainda muito apavorado. A senhora do meu lado estava inconsolável com a história.
- Pobrezinha da bichinha, descobriu que o futuro marido a traía com a melhor amiga. Pegou a pistola do segurança, matou o noivo, a amiga e o padre que havia apresentado os dois e que se meteu na frente da arma. Que Deus a proteja. - E fez o sinal da cruz inclinando a cabeça pro lado e fechando os olhos em sinal de pesar profundo.
- E a dona sabe pra onde ela foi?
- Sei não.
Reticências, todo mundo com aquela cara horrível de tristeza, gente berrando, alguém tossindo no fundo, algum cachorro sarnento latindo na rua, uma criança catarrenta correndo no meio daquilo tudo. O racunho do inferno. Resolvo falar alguma coisa antes de sair correndo dali:
- Não sei também, mas dizem que a pobrezinha foi pra uma tal de Sibéria, sabe... Deve ser alguma prima, ou coisa assim. - E faço aquela cara de quem comenta sobre o tempo. Tiro o boné que eu ganhei do deputado e coloco no peito em sinal de respeito. Tadinha da bichinha.
Entro no táxi e me decepciono comigo mesmo. Eu nem cheguei a marcar quanto me custou a corrida! "Cara, acho que tô realmente ficando velho", ainda cheguei a pensar antes de me mandar pra casa.

6 comentários:

  1. Realmente impressionanto o jeito q vc conduz suas narrativas...

    cheios de realidade. Uma certa frieza eu diria... Mas perfeitamente equilibrados...

    Parabéns..

    Abraços.
    =*

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  2. Ainda se mata e se morre por amor?
    Não sei, mas esse tema rende ótimas histórias, neh?
    rsrsrs.

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  3. olá. você tem toda razão. ser discreto nessas horas é essencial. deixe comigo q na próxima não deixo passar em branco.
    valeu pelos comentários.
    abraço.

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  4. Que maravilhoso! Quisera eu poder escrever tais contos...escrevo só lamúrias medíocres de uma pobre menina rica demais...

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  5. Tragicômico! adorei a linguagem e o sutil humor negro, e acho muito sexy maquiagem borrada.

    hauhauha.

    abraços.

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  6. Poxa.. que narrativa!
    E a linha tenue separando o trágico e o cômico.. muito sutil...
    parabens!

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