02/07/2009

Tea Time

Ele fuma seus cigarros baratos, meu nariz arde em pensar e aspirar seu hálito. Tira fotos de tudo que acha que pode sentir, sente tudo e registra um após o outro. Lapsos de sua vida, que assim como os livros que lê, cheios de rabiscos disformes e anotações.
Li aguns de seus poemas. Medíocres. Uma máscara feita de sonhos, como os meus. Medíoires em uma dose de igualdade com encanto e devaneio.
Se ele mente, porque não posso tornar realidade? Falo para ele que mentir vicia. Um silencio ao meu lado após uma longa conversa de um tom só e ele me diz que não pensa em nada. Sua cabeça vazia, reflete o que eu já sabia.
Coço com o dedo indicador uma de minhas 20 testas, pensativamente. Faço uma pausa dramática e encosto a mão aos poucos na parede, para sentir sua pulsação fria. Tenho saudade dessa sensação, abraços de concreto, como uma boneca de plástico.
Abro um de seus livros favoritos. Não há mais capa. "É mais fácil julgá-los assim".
Eu olho para ele e ele é envolto em uma espessa bruma esbranquiçada, sinto aquele cheiro de novo. Seu sorriso é cheio daquela ilusão que ele gosta de usar.
"Eu consigo compará-los a cada um de nós. Você por exemplo. Está na página 46."
Penso que o personagem da página 46 não se parece comigo. Ele diz que para ser igual, bastava ter meu nome. Discordo. Ele me beija como uma criança. "Agora sim, você é identica."

E discursa apaixonadamente:
"Os livros são como pessoas; Pessoas limpas, sem marcas ou arranhões são pessoas de pouca vida. Pessoas assim não me inspiram. Prefiro livros de sebo, com marcas de dedo, manchas de café, rabiscos, anotações, dedicatórias, cheiro de pele. Têm história; quantas noites seu antigo dono passou à entrar por aquelas páginas, passou os dedos pelas mesmas letras, riu ou simplesmente desdenhou cada palavra?"
Ele era quase meu oposto, uma dádiva divina para meus olhos marejados. Ele era meu sol particular, minha dose de adrenalina, cocaína, anfetamina. Naquele momento, mas só naquele pequeno instante eu me amei por estar ali, embriagada, podendo ouvir cada palavra e respirar cada uma de suas idéias;

Quando veio se despedir, já era quase de manhã. Como última resposta, questionei sobre sua citação favorita. Ele olhou para a porta, apagou o cigarro no chão e andou em direção à saída. Parou ali e com seus olhos fixos em mim, disse:

"E de repente o silêncio,
Com os passos da ilusão
Perseguem a criança-sonho
Pelas terras da invenção,
Falando a seres bizarros...
Uma verdade, outra não."

Ainda pude escutar sua voz de longe, terminando de citar Lewis Carroll, mas me parecia doce demais para ser real. Antes de amanhecer ainda tive tempo de pensar:

"Talvez eu volte à vê-lo. Talvez na hora do chá."

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