17/10/2017

O nome da matilha

Acordei do que imagino ter sido uma semi-morte escura e sem sonhos. Nessa morte não havia Licaios, nem Gere, nem Maugrim. Também não havia Nitka. E nem havia paz.
Abri os olhos, desorientada, com a língua colada nos caninos e as extremidades dormentes. Sentia cheiro de morte ao fundo. Imaginei se a morte teria sido a minha e isso seria um pesadelo, mas não era.
À minha volta, o que eu conseguia ver através da luz artificial ganhava nome. Eu sabia o que eram, como se sempre tivesse sabido, como se o nome viesse antes da coisa, como se eu fosse algo além de mim. Mim. Eu. Algo além do que eu era antes.
Eu sentia frio. Sentia meus dentes batendo e minha mandíbula tensa. Sentia minhas mãos tocarem meus braços em um abraço encolhido e aflito.

Mãos.

Braços.

Dedos tensos procurando uma unidade em um corpo estranho e gelado.

Fora do semi-sono perturbado e dolorido do frio, havia um outro eu. O som ensurdecedor do frio insensível que eu sentia dentro de mim me tirava o foco de pensar no todo. Um outro eu. Debilitado, doente, novo. Mas completo. Consciente.
Eu sentia metal. Eu estava deitada no metal. Nua. Estranhamente nua como eu nunca estive antes. E eu sabia de tudo. Em tudo havia nome. E o que eu sentia era chamado medo. Eu ainda sentia frio, e o frio cruel ainda doía, mas eu tremia com o terror de aceitar que eu não era mais Nitka, eu era alguém além disso. Eu era alguém.
Tentei abrir mais os olhos, tentei focar, tentei falar. Me ouvi num gemido arrastado e cheio de algo que eu não reconheci. Me ouvi chorar. Um lamento longo, fraco e aflito. Intimamente ansiei que ninguém me ouvisse.

"Então foi isso que eu sempre fui" - eu ouvia o lamento baixo de Licaios. "Eu sempre soube que havia algo. Não errado, não. Sempre fui o que deveria ser." - ele dizia quase baixo demais para que eu pudesse ouvir. "Mas Nitka, eu preciso dizer... Estamos livres".

Livres de que? - eu ainda pensei em desespero, antes que o extraordinário peso da existência tombasse sobre minha cética consciência.



Veja bem, meu amor, tenho certeza que é primavera em algum lugar...

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