14/01/2008

Azul Profundo


Ele me levou até a praia, onde de longe eu já sentia o cheiro do sal. Eu não entendia como algo podia fazer um barulho tão alto e que podia ser ouvido de tão longe.

- Falta muito vô?

- Não minha filha, a gente tá perto.

Quando colocamos os pés na areia morna e branca da praia, imediatamente eu quis tirar os chinelos. Deixei de lado minhas pequenas sandálias cor-de-rosa e tentei divisar aquele gigante à minha frente. Meu avô olhava o horizonte, orgulhoso do presente que me dera.

- Esse é o mar. O mar tem vida própria, espaço próprio, música própria. Ele não têm limites, ele gosta de brincar de ser infinito. Eu vivi minha vida toda me servindo dele, ele me foi generoso. Agora que o meu fim está próximo, esse é meu presente pra ti. Ele necessita respeito. É um patrão temperamental.

Eu, do alto dos meus seis anos, mal acreditava no que estava vendo. Aquele monstro azulado, rugindo pra mim, andando de um lado para o outro como um tigre na jaula, por vezes vinha molhar meus pés, alisando minha pele. De uma ferocidade tão grande, como era possível dobrar-se à um humano, dando-lhe o sustento de uma vida inteira, sem nunca cansar-se disso?

- O mar, minha filha, gosta de ser temido. O mar não é amigo de quem não tem medo dele. As águas que você vê aqui, são as mesmas que já estavam aqui quando eu tinha a sua idade, e quando o avô do meu avô era criança. O mar é velho. Um velho esperto e que sabe recompensar quem o agrada. O mar cobra seu preço.

- Mas vô... Pra onde vai toda essa àgua?

Ele fez uma pausa, se agachou do meu lado, me beijou o rosto e sorriu.

- Eu não sei minha filha, eu não sei. Talvez desemboque em um mar ainda maior, ainda mais feroz e gelado, talvez em uma pequena lagoa salgada, talvez do outro lado do mundo, onde as águas são inférteis. Quando você for mais velha, promete que descobre pra onde ele vai?

Eu acenei positivamente com a cabeça. Quase me imaginei vestida de pirata.

Meu avô me levou de volta pra casa, me enchendo de histórias da sua juventude. Me contou sobre as tempestades que enfrentou sozinho à bordo do Corcel Negro, seu barco mais fiel. Me contou dos peixes gigantes, das sereias.

No fim do dia, preparou um jantar e me pôs pra dormir. Das frestas da persiana eu o vi sair em direção à praia, resignado.




Naquela noite, o mar cobrou seu preço.
Naquela noite, as sereias cantaram mais alto.

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