27/10/2007

Mergulho no infinito

Tomo um profundo suspiro em mim, encho os pulmões, cerro os olhos e os punhos. Encolho-me de encontro à parede e abro a armadura de uma só vez, revelo o peito nu, ainda com medo e respiração trancada. A falta de oxigênio chega logo aos movimentos, ainda firmes, mas já começando a ficar dormentes. Eu temo!
E a lança apontada para ele, meu coração, pulsante, tão ferido, tão vivo. E ele também sente medo, bate rápido, urra guerreiro em um último momento, tentando não parar de vez, usando toda sua capacidade sanguínea, exauri o corpo arfando o peito de ar preso.
Que seja sua última luta, ou a mais bela, ou a ínfima parcela do que ainda há de vir.
Que seja a terra sonâmbula que se move enquanto ainda houver sonho.

Que sejam olhares cúmplices, um coração tão dramático, tão dividido. Doce com sua alma brilhante no escuro cego, o ouro na pele ou a cabeça que cai do corpo.
Que sejam seus muitos nomes, idades, vidas perdidas e reencontradas em um corpo frágil. Que seja a velha de um olho só que tece o tapete da vida, que brinca com as agulhas, que cria paisagens tão belas e tão etéreas, com sua lã de sonhos e nuvens com sabor de àlcool.

Que seja o veneno viciante em uma taça de prata e rubi, e aquele maldito barman de sempre me olhando com cara de desafio.
- Ok, eu bebo, mas só porque minha vida anda muito chata tá?!
- Aham. Vida chata, sei. O que mais tu quer?

Eu silencio. E bebo. Com gosto, eu bebo.

E me vejo assim, de repente, uma pirralha estúpida contra a parede, de peito aberto para o grande espelho, e ele, o Deus dos meus sonhos, Deus Pan, a Eterna Criança, com seu sorriso brilhante, brincando de guerra com uma lança de plástico barato apontada pra mim!
Maldito pirralho, tu me paga!
Saio e vou até o grande bar do Centro da Terra da Vida.
- O que tem de novo pra mim?
- Chama-se Insensathez. Guardei especialmente pra ti. Tua vida anda meio chata, não é mesmo? - Cara de ironia do maldito barman.
Ele me apresenta uma nova taça, bela e rústica, pesada, feita de bronze. Dentro, uma bebida de cheiro forte, transparente como água, borbulhante como vinda do próprio inferno.
- Quanto?
- Pra ti, que é prata da casa? Nada! É por conta da Velha do Destino. Ela gosta de ti.
- Não, não, por enquanto eu passo.
O barman se escora no balcão.
- Pena. Eu apostei com ela que tua ia beber, mas pelo jeito...
Pego o miserável copo, cheiro a bebida. Agre, penetrante. Meus olhos lacrimejam. Hesito.
E bebo, afinal, eu sempre bebo!
E eis-me aqui, com a instigável insensatez, e uma profunda azia. E o meu pequeno Peter, adormecido em algum canto escondido da casa.
Batem na porta. Quem virá agora?
Maldito barman!

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