08/12/2009

Aguaviva


Chego aqui e escrevo ao ar, porque de alguma forma, nessa caverna fria, atravancada com as milhares de coisas que enfio aqui mentalmente quase todos os dias, me sinto mais em casa do que em qualquer outro lugar.
Acendo a fogueira do chão que tento todos os dias não umidecer com suor ou mágoa e fico contemplando a chama arder até o fim. Às vezes só fico ali, horas a fio vendo cada fibra de graveto queimar e me esqueço porque cheguei ali, porque a minima luz dançante me arrebata.
Às vezes tiro a roupa, porque ela me queima ou me arranha. E então me deito no chão e me torno o todo, olhando para o teto de pedra com suas sombras oniscientes, e elas me observam sem avançar. Dançam e se elevam até quase me tocar em um balé que me hipnotiza.
Vejo que tem muitas coisas enfileiradas sem ordem, muitas coisas penduradas toscamente nas paredes, dentro de caixas que não fecham e muitas coisas pela metade. Penso que eu deveria terminá-las ou movê-las de lugar, mas então já é dia e tenho que ir embora.
No outro dia penso a mesma coisa, mas então a ideia não me parece tão tentadora.
Olho para o fundo do poço que ocupa um canto iluminado e ele está vazio. Grito lá dentro e ele não responde. Da harpa que eu joguei la dentro ainda ouço alguns acordes, que ecoam friamente na pedra e me tocam quando estou dormindo.
É claro que isso não teria um fim, ou não seria (m)eu.

Amanhã tenho que mover as minhas coisas de lugar, ou terminá-las.
Talvez eu as jogue no poço porque ouvi dizer que ele não tem fim.

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