15/05/2020

call me Domitila


No silêncio estendo as raízes por baixo da terra morna e úmida. Estico o quanto posso os dedos e os braços, sinto os tendões alongando, as costas tesarem ao mesmo tempo que relaxam ao entrar em contato com a conhecida provedora dos meus instintos.
O meu corpo nu se enrosca nas folhas secas, nas ervas daninhas, na terra orvalhada, na sombra entrecortada pelo sol poente tépido. Sinto meus olhos fechados há horas, as pálpebras coladas, despreocupadas, distraídas, que deixam apenas a luz entrar o suficiente para me dar a passagem do tempo. Meus cabelos roçam os ombros, o rosto e as costas, fazem cócegas na minha nuca e testa e eu me divirto silenciosamente com a quantidade de sensações infantis que tenho agora. Nada disso é novo, entenda, mas me vejo aqui novamente, roçando a terra para sair de mim. O cheiro da minha pele nua se mistura ao cheiro do solo, do sol e da poeira fina, sobe ao meu nariz em lufadas e eu sorrio tentando absorver todas as sensações ao mesmo tempo. Mel, canela, cravo, noz moscada e especiarias
Eu ouço música, veja bem, eu ouço música aqui. No mais alto volume possível quase suficiente para me ensurdecer. Todo o tipo de música. Tambores, trompetes, órgãos do tamanho de prédios medievais e oboés. Tubas, pratos e liras. Saxofones e gritos em barítono. Uma tempestade nos meus ouvidos, dó maior sustentado até o limite. Me arrepia inteira e meus joelhos arranham-se escorregando no chão enquanto se abrem para que meu corpo seja tomado pela terra. As mãos em palma agarrando a terra estendem-se pra fora do meu corpo como garras infinitas tentando abraçar o mundo e tomar-lhe pra dentro. 
Nesses tempos, há a vontade de recolher o mundo em um abraço lascivo e atravessa-la no ventre, inteiro. Vê-lo curada na minha feminilidade, com a única força que pareço sentir ter agora.

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