30/01/2012

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Um café deliciosamente açucarado e uma torta de chocolate saboreada pedaço por pedaço. Luz indireta e o abençoado ar condicionado zunindo incoerente ao fundo. Talvez eu esqueça que estou encravada no meio do asfalto numa cidade que só cresce.
Vou botar minha melhor roupa de despreocupada, pentear os cabelos como se não desse bola, me maquiar com água corrente. E vou deixar o relógio em casa, junto com todas as coisas ruins da semana, logo ao lado da pilha de coisas que eu tenho que lidar em mim mesma todos os dias.

E uma compania inesperada, talvez, pra me lembrar da vida que eu vivia antes. Pra me afundar em coisas que eu não sabia, pra fazer secar as lágrimas que guardo no fundo da alma, pra completar o último passo dessa dança cuja música eu já sei de trás pra frente.

23/01/2012

Eu sabia...

...o que estava pra acontecer. Eu sabia, um ano atrás.
Nessa mesma época, em 2011, eu tive esse medo, porque não queria que acontecesse. E depois, me esqueci, pensei ser bobagem, todas as minhas previsões viam uma mudança que pra mim seria a curto prazo. Eu me esqueci porque então era só uma sensação, um medo primitivo, infantil. Medo do novo, medo do desconhecido, medo do escuro e do que há nele.

É engraçado, não é? Me lembrar só agora do que eu havia pensado e sentido lá atrás, num ano tão diferente, que me parece tão parte do passado que poderia ser 10 anos atrás. Mas está aqui, a mudança, própria, dentro de mim, viva e irreversível.
"Eu tenho medo. Não quero mudar, não quero que seja assim. Nosso relacionamento vai mudar. Eu tenho medo. E eu vou ficar tão diferente que quando olhar pra ti, nada vai haver lá de que eu ainda goste."

Talvez nossos passos tomem ruas diferentes. Talvez eu tenha te deixado pra trás e nem tenha me dado conta da distância que há entre os nossos caminhos. Talvez eu não queira aceitar que o que nos unia, agora nos separe. Nada incomum, nada em comum.

C'est au revoir?

19/01/2012

Mind fever

Acordei relutante às quatro da manhã ainda enterrada entre os travesseiros da cama. Me sentei ainda de olhos fechados, ciente demais de estar desperta sabendo que meu corpo lutava com meu cérebro e implorava silencioso pra ficar mais um pouco na cama.
Fui até a janela da sacada e a noite estava morna como há muito tempo eu não sentia. Nenhum vento. Eu estava sozinha.

Ah... como eu gostava da cidade assim, suspensa, com todo o farfalhar de folhas de árvores que de onde eu estava apenas conseguia imaginar balançando-se junto ao breu. As ruas, iluminadas com as lâmpadas amareladas que eu consigo gostar de um jeito estranho e nostálgico, estavam vazias como se o tempo não existisse. Parecia que se eu decesse as escadas rápido o suficiente, poderia dançar livre nas ruas asfaltadas ainda mornas do dia cheio, em meio àquela sinfonia noturna e silenciosa.

E eu dançaria num enfunar infinito de tecidos de saias rodadas, e a única coisa que eu ouviria seria minha respiração entrecortada de liberdade. Dançaria em círculos com os braços muito abertos, com os olhos muito fechados, com a boca seca de excitação, com os lábios presos em um sorriso sincero e inabalável. Eu nunca me cansaria.



Resolvi voltar para a cama na esperança que ela ainda guardasse o molde do meu corpo. Uma nota azul já despontava no horizonte e em breve eu seria inundada do calor do sol de verão e me lembraria de todas as coisas desagradáveis que teria que pensar quando fosse "um novo dia".
Naquele momento eu me senti muito velha e cansada e me recolhi imóvel em um canto da cama a me lamentar silenciosa por imaginar ser a única a ouvir e apreciar aqueles sons, os sons da própria terra e do mundo ressonante debaixo dos meus pés. A única em um raio de quilômetros. A única em um raio infinito de milhas náuticas.
Me pareceu por um instante que todos os anos somados de todas as pessoas que já viveram naquele pedaço de terra antes de mim, se derramaram sem cerimônia sobre as minhas costas. Meus ombros pareciam ter cedido ao peso de uma idade que eu sequer imaginava ter.

Meus olhos úmidos de inverno vagarosamente se tornando olhos áridos de verão.

17/01/2012

Invulnerável

Ontem, eu disse pra mim mesma que eu não teria medo da morte. Que não teria medo dos mortos.
Duas horas depois tomo uma cusparada na cara, como se tudo o que eu dissesse se voltasse contra mim e risse de escárnio.

Não falei aqui sobre meu avô, nem aqui, nem em lugar nenhum. Nem um rascunho ou vontade de me expressar sobre o que aconteceu. Mas essas coisas vão e vem... E meus sonhos estão pra me dizer na cara as verdades que eu não consigo me dizer acordada.

Pois meu avô veio. E veio nesse pesadelo exatamente do jeito que vinha quando era vivo. Ligou o rádio, batucou um samba de raiz na mesa da varanda, distraído, feliz como quando eu o tinha visto pela última vez, meses antes de morrer.
Então virou-se para mim. Ele me dizia que não havia notado minha presença e entrava na casa que em vida fora dele. Ele continuou ali, perguntando pra mim se eu não estava com calor, porque ele via que eu estava suando, perguntou se eu não queria uma camiseta emprestada, se não estava com fome... E matraqueava enquanto meu eu do sonho via incrédulo um morto andar pela cozinha em plena madrugada sem luzes.

Na primeira oportunidade eu tomei ar e gritei. Gritei um grito vindo da alma, desesperado. Empurrei meu corpo contra a parede oposta a meu avô e o medo que eu senti foi suficiente para que eu tivesse vontade de entrar parede adentro. Meus gritos eram tão fortes que a caixa acústica do meu crânio retumbava enquanto eu observava o corpo do meu avô ali, matraqueando sobre qualquer coisa.

"Quem quer que seja que esteja fazendo isso, não faça mais. Eu não gosto!" - ainda me ouvi berrar pro vazio e pra imagem do meu avô. Ele não pareceu não notar e meus gritos de desespero não pararam.

Eu queria acordar a casa. Eu ouvi latidos de cães enfurecidos vindos da rua, despertos com meus gritos. Olhei pro teto, ciente do que viria. Ciente do lugar onde eu realmente estava, ciente dos braços que me seguravam enquanto eu desmaiava prostada no sonho, dos braços que me puxavam para o mundo real.

Já acordada eu sufoquei um grito. Cinco da manhã.

16/01/2012

¿Qué mas quieres? ¿QUIERES MÁS?

Bebi da tua taça, mordi com força minha própria carne amarga.
E compartilhei esses sonhos e as perdas e tudo o que me fez ser assim, tão sozinha.
Estiquei a mão além da barreira doce dos desejos, toquei tua pele morna, tão próxima, tão densa.
Fechei os olhos, bati com raiva na mesa, neguei a mim mesma pra me ter de volta um segundo depois.
Abri os braços para o infinito do não pensar, para a inocência, para o ser única, para o ser humana.

"Estar" não é tão mais fraco do que o "ser". Sonhar não é tão longe do realizar.
Como eu posso ainda ter algum respeito por mim mesma?


14/01/2012

Speechless

Respirei fundo mais de uma vez, pensando em não pensar. Atrás de mim algumas vozes conversavam sobre suas vidas e sobre como elas eram prósperas e cheias de aventura. Concentrada, eu sentia meus lábios em um sorriso silencioso de desdém.
É claro, meus amores, um pulo desses faz com que a gente pense em tudo, em todo mundo, tome ar até que o peito dobre de tamanho e o fluxo intermitente de adrenalina faça com que o buraco de bala que tem no meio do teu coração se encha do sangue morno que tu vai espalhar no asfalto quando chegar lá embaixo. Pula, meu bem, pula. Ninguém te viu se aproximar da janela, ninguém te viu abri-la.
Eu sei que você calculou isso, e eu sei que você tentou evitar. Mas a noite estava tão doce e fresca e clara. E as pessoas pareciam felizes com suas vidas brilhantes... Eu deveria ter apagado as luzes, seus corpos brilhando na escuridão... Era isso que eu queria ter visto pela última vez. Eu não merecia aquela lua tão bonita.
Eu não senti medo, só aquela sensação de choque partindo do centro do meu peito em direção aos meus braços e pernas, estremecendo meu corpo. Eu não fiz barulho, ninguém me viu pular, e a única coisa que eu ouvi foi o vento entrecortando rápido próximo aos meus ouvidos. Nenhum grito, nenhum lamento, ninguém me impediu. E a lua cobriu-se de nuvens pra depois se revelar mais bonita e mais branca.

Um último pensamento... "Eu não me arrependo".
E meus olhos abrindo-se antes mesmo de se fecharem: "Eu não te amo mais".

07/01/2012

Colombina desolada

Ah, mas eu nunca poderia deixar de me culpar por um amor tão destruidor. Mas ele era carinhoso e havia sempre sido, até o final. Ele havia guardado minha virgindade porque achava que com a minha pouca idade eu não aguentaria seu desejo.
Eu lembro de nos primeiros dias eu senti repulsa e medo, depois raiva e medo. Depois de alguns anos, só medo e terror. Por muito tempo.
Ele tinha me tirado dos meus pais quando eu ainda era muito pequena... Eu devia ter uns 5 anos talvez. Lembro que de ter me agarrado no colo do meu pai e lembro de que na luta meus pais me deixaram e ele me levou. Lembro dele enfiando as mãos por debaixo do meu vestido e que sua mão estava suada enquanto ele resfolegava no meu pescoço. Eu sentia nojo e desespero. Lembro de em vão arrastar suas mãos pra longe do meu corpo indefeso e lembro que ele ria sarcástico com as minhas tentativas inúteis. Mas ele não fazia nada demais, nada do que poderia ter feito, apenas respirava forte perto da minha pele e mantinha sua mão parada entre as minhas coxas, aparentemente refreando qualquer coisa no seu íntimo.
Mais de uma vez vi seu rosto se encher de sombras e de quando isso acontecia ele correr em direção a alguma mulher feita, profissional, e derrubar sobre ela tudo o que gostaria de derrubar sobre mim. Ele as tratava com brutalidade, fazia com elas qualquer coisa como um estupro e no final saia correndo delas com aparente asco ou medo. E corria comigo erguida pelo braço, andando rápido sob as pontas dos pés, nunca sem ele antes deixar alguma gorjeta gorda para a mulher para evitar o porquê dele andar sempre com uma criança a tira-colo mesmo quando estava num puteiro.
Mais de uma vez eu tive chance de fugir. Mas nunca fugi. Me sentava num canto e esperava ele terminar com a garota anônima que nunca fazia perguntas. E eu nunca tirava os olhos daquele espetáculo horrendo e animalesco. Era brutal e chocante, mas eu continuava o encarando ali, sobre aquela mulher que ele me garantia que um dia seria eu. Eu não sei se entendia, mas sentia um medo que nunca vou esquecer.
Nunca havia contado nada para ninguém, é claro, mesmo porque, naquele mundo as coisas mudavam rapidamente, inclusive a minha idade e a aparência dele. O ambiente era igualmente mutante, e o dia passava para a noite enquanto tomávamos sol ou ele me levava para passear no parque à pouca luz da lua nova.
E ele trabalhava, era ator, e me lembro que em algum momento eu havia o ajudado com uma maquiagem de pierrô. Lembro que a lágrima do seu rosto era real enquanto ele me contemplava em silêncio e tristeza. Nesses momentos eu não sentia ódio ou raiva, nem terror. Eu o amava, como um homem. Lembro de olhar pra baixo nesse momento e ver que estávamos andando sobre cabeças de bonecas horrendas, com seus cabelos desgrenhados e olhos arrancados. E eu sentia o pôr-do-sol  de inverno queimar meu rosto e não entendia o porque de estarmos ao ar livre... Como se fôssemos atores de rua.


E era horrível pensar como esse homem, esse monstro, havia me raptado tão pequena e me criado como sua amante desde os 5 anos de idade. Era horror o que eu sentia. E profundo desespero por amá-lo.

E foi alívio o que eu senti por um momento ao acordar, logo antes de cair em um choro profundo e inconsolável às 3 da manhã. E essa é a mais nova cicatriz encravada no meio do meu peito, que me parece que nunca vai sarar.