Me vejo incompleta sem a lágrima, pela metade sem meus olhos de inverno. De inverno sim, porque sempre vejo-os tristes e cinzas, nublados de deliciosas dúvidas. Não uso jóias, uso dor. Não uso brincos, uso tristeza. Porque me deixa humana, porque me faz sentir viva.
Me vejo a bela donzela veneziana do século dezessete, a pele empoada, o espartilho devidamente apertado, as saias pesadamente sobrepostas, os pés pequenos e delicados. Os olhos de amargura profundos na pele clara, o coração despedaçado de amores perdidos. A donzela da época em que amor era fogo e sofrimento, cálido e arrebatador. A donzela dos sonhos partidos, dos desamores, dos desgostos, das poesias não cumpridas. Das promessas de poetas esquecidos, dos suspiros tristemente alegres de seios nus sobre o parapeito da janela. Da consciência cega do que o pra sempre é pra sempre enquanto dure, de que o te amo é te quero, de que o me ame é me queira. Do dualismo, da maldade e da bondade indefinidas, onde se podia ser dois, onde se podia ser simplesmente humano sem deixar de ser perfeito em seus defeitos.
Da beleza que existe na morte, no amor, nos planos divinos não planejados. Da doçura que existe em errar, em aprender, em ensinar, em descobrir. Do êxtase que existe na Humanidade, do sangue que ainda corre, dos defeitos que nos deixam únicos, do fato de amar-se porque se é imperfeito. Da inocência de amores carnais, da malícia de amores escritos. Eu sou perfeitamente humana.
A grande burrice da Humanidade é querer se acreditar que existe um único padrão para tudo. De que o belo é sempre belo, de que o bom é sempre bom, de que o mau é sempre mau.
Somos maus, vingativos, alegres e tristes. Somos HUMANOS, por isso somos perfeitos.