Aquela coleguinha do colégio, a esquisita, com a qual ninguém conversava muito, me puxou um dia pro banheiro das meninas. Me segurou pelos ombros e me deu um longo selinho úmido e desajeitado nos lábios. Largou meus braços e ficou me olhando com ar de espectativa. Eu, muito estarrecida, limpei a boca com o punho do uniforme e disse um sonoro "Eca!". Ela saiu correndo imediatamente do banheiro, balançando a saia de pregas azul marinho e os cabelos cacheados.
"Odeio ela", eu pensei naquele primeiro momento, parada dentro do banheiro vazio de porta entreaberta, olhando para baixo, meio desolada, sem saber como seria minha vida dali pra frente.
Fui em direção à sala de aulas pra pegar meus cadernos e lápis-de-cor antes de ir embora. Ela estava lá, já saindo. Passou por mim, agarrada nos cadernos, batendo com seu ombro no meu, me empurrando pra trás, muito chorosa e magoada, perdendo-se pequena na imensidão dos alunos no pátio e entre os barulhos dos adolescentes tagarelas. E eu, sem rumo, não sabia se ia atrás dela ou se deixava ela sozinha. Fiquei ali, sem pensar em nada, olhando ela ir embora pra não sei onde. O que tinha passado pela cabeça dela?
Ela não apareceu na aula durante algum tempo. Todos os dias eu sentava perto da porta, pra ver se enxergava ela entrando através dos portões da escola. Esticava o pescoço a cada barulho do guarda abrindo o cadeado, esperançosa que fosse ela. Não que eu tivesse gostado daquilo, mas, eu não sei, havia algo de errado...
"Odeio ela", pensava repetidamente pra mim mesma. Às vezes entrava no banheiro e me trancava lá dentro me olhando no espelho rachado, com vergonha de estar com saudades daquela garota estranha.
Quando ela voltou a freqüentar as aulas, sempre me evitava no recreio e nunca mais voltou a falar comigo. Mal me olhava de lado, cada vez mais isolada de todo mundo.
Anos se passaram e eu um dia encontrei ela andando sozinha pela rua movimentada, de mãos no bolso do casaco longo, os cabelos ainda cacheados. Passou por mim como um arrepio nas costas. Não me viu, ou fez que não me viu, não sei bem. Eu parei ali e fiquei olhando ela se perder de novo na multidão, ainda pequena e muito apressada. O perfume dos cabelos dela ficou pra trás, me inebriando levemente naquele ar úmido de inverno intenso.
Dei meia volta decidida a seguir caminho, ainda meio tonta pela presença rápida dela, e fui pro conforto artificial da minha casa quente e minha vida fria.
"Odeio ela", ainda pensei no caminho de volta, olhando pra baixo, sem saber se ia atrás dela ou se a deixava sozinha...
Algumas coisas definitivamente nunca mudam.
é verdade...
ResponderExcluirtem coisas que custam a mudar...
belo conto!
Belo texto, realmente tocante! Adorei essa tua Terça Parte, escritos interessantes, visual trabalhado, voltarei + por aqui.
ResponderExcluirBjs.
Independente de ser conto ou não, ao ler refleti sobre o poder que o "se" exerce em nossa vida.
ResponderExcluirTudo poderia mudar "se"...
Poderia ter dado certo "se"....
Minha vida teria mudado "se"...
Enfim, ficamos a meditar tantas coisas que poderiam ter sido e não foram. Pessoas que poderiamos ter amado e não amamos. Outros caminhos a serem trilhados e não foram.
Vamos padecer sempre desse mal.
Conto legal, bastante denso e envolvente.
ResponderExcluirParabéns...
Bjs
Lindo texto, lindo blog, lindas imagens, linda descrição no perfil... tudo realmente muito lindo. Parabéns!
ResponderExcluirmuito bom seu conto. Adorei
ResponderExcluirbjusss
Muito bonito o texto, reflete um dilema acerca da sexualidade muito comum na adolescencia.
ResponderExcluirVc está de parabéns pelos textos q têm postado.
Muito bom.
ResponderExcluirNunca sabemos quem pode deixar sua marca em nós e quem sabe mesmo assim nada mude.
Beijo Jess! *-*
Interessante o jogo entre asco e desejo, vergonha e atração.
ResponderExcluirGostei mesmo desse conto.
Beijo, Jess.
Boa reflexão realmente algumas coisas nunca mudam e nunca vão mudar parabéns pelo blog.
ResponderExcluirOi amiguinha! Saudades de você e seus textos também... esses contos que nunca consigo ler um só... porque reflete taum bem oq somos e escondemos, ou oq somos e naum sabemos explicar...
ResponderExcluirEsse medo do desconhecido é tão comum né? Eu também odeio ela! ^^
Adorei a do sonho... e a da noiva tbm, tadinha da bichinha!
bjusss!
Ótimo como os outros. Algumas coisas definitivamente nunca mudam.
ResponderExcluirbeijos.
Péssimo hábito dos humanos esse. Odiar alguém por mexer demais com a gente.
ResponderExcluirAdorei o texto.
Beijos